Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese
1. Primeiras palavras
A cogovernança pode ser compreendida, de modo simplificado, como “gestão participativa”, ou seja, diz respeito à nossa responsabilidade como cidadãos.
Por um longo período da nossa história, a nossa cidadania se reduzia a uma “representatividade” que se dava através do voto.
E os tempos foram evidenciando a insuficiência desse modelo. É preciso compreender que todos temos responsabilidades para com a nossa comunidade, para com a nossa cidade, para com o nosso país, e em termos mais amplos, nas palavras do Papa Francisco, com a nossa “casa comum”, o planeta, a mãe Gaia.
Dentro desse cenário, qual é o papel do Direito, enquanto um conjunto de normas, leis, preceitos, princípios, que deveriam ser inclusivas, respeitosas, propositoras, atentas às vulnerabilidades, no sentido da absoluta defesa dos direitos humanos.
No entanto, nem sempre foi ou é assim, por isso é necessário trazer essa discussão para o campo do Direito, cuja essência está na fraternidade.
Neste sentido faço menção ao nosso lugar de fala que é a academia, ou seja, o lugar em que está implícito a formação dos jovens, portanto qual o papel, a função das universidades, neste âmbito, com vistas à construção de um modelo social arraigado nas necessidades e nas novas configurações do mundo em que vivemos. As pautas como: acesso à justiça, a luta contra o preconceito e a discriminação, a preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade, a questão carcerária, o tema da educação, a efetiva inclusão, em suas variadas situações, e tantas outras demandas, deveriam estar no centro das discussões acadêmicas.
2. A participação, a expressão da criança
Uma das grandes carências, no que concerne à participação da criança e do adolescente, é no que se refere aos canais de comunicação e expressão. Tais canais de comunicação são imprescindíveis quando se propugna pela defesa, proteção e promoção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil.
O reconhecimento da criança e do adolescente tem seu marco regulador internacional, em 1989, com a Convenção sobre os Direitos da Criança[2], que em seus artigos 12, 13 e 14, trazem a obrigatoriedade dos estados partes, que assinaram e, posteriormente, ratificaram tal Convenção, de assegurar o direito à liberdade de expressão, de pensamento, de consciência e de crença, o direito de receber e transmitir informações e ideias sobre todas as matérias que lhes digam respeito, cabendo, ainda, aos estados partes tomar as medidas adequadas, necessárias, com vistas à sua proteção, de modo a proporcionar aos adultos e às crianças amplo conhecimento dos princípios e disposições da referida Convenção, servindo-se de recursos e instrumentos que sejam eficazes para tal fim. Vejamos[3]:
Artigo 12
1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança.
2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da legislação nacional.
Artigo 13
A criança terá direito à liberdade de expressão. Esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criança.
O exercício de tal direito poderá estar sujeito a determinadas restrições, que serão unicamente as previstas pela lei e consideradas necessárias:
a) para o respeito dos direitos ou da reputação dos demais, ou
b) para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger a saúde e a moral públicas.
Artigo 14
1. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de crença.
2. Os Estados Partes respeitarão os direitos e deveres dos pais e, se for o caso, dos representantes legais, de orientar a criança com relação ao exercício de seus direitos de maneira acorde com a evolução de sua capacidade.
3. A liberdade de professar a própria religião ou as próprias crenças estará sujeita, unicamente, às limitações prescritas pela lei e necessárias para proteger a segurança, a ordem, a moral, a saúde pública ou os direitos e liberdades fundamentais dos demais.
No plano interno, a Constituição Federal de 1988[4] e o Estatuto da Criança e do Adolescente tomam para si este direito e o descrevem em muitos dispositivos:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Enquanto norma regulamentadora da nossa Constituição Cidadã, o Estatuto da Criança e do Adolescente[5] determina:
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso;
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI - participar da vida política, na forma da lei;
VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.
Para que os mecanismos e instrumentos, que objetivam a eficácia de tal prescrição normativa, faz-se imprescindível um trabalho de articulação junto ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Entendemos que é fundamental a participação da sociedade civil nas deliberações sobre alternativas para a melhoria da condição de vida da população infantoadolescente, inclusive para propositura de políticas públicas, cenário que se abre também por meio dos Fóruns do Direito da Criança e do Adolescente. Tais fóruns representam espaços de discussão importantíssimo, visto que efetiva a participação da sociedade civil organizada ou não, e pessoas ou órgãos ligados ao Estado, que atuam em conjunto no apontamento de sugestões para a plena concretização dos direitos da criança e do adolescente.
Esses espaços de discussão devem, inclusive, incluir a presença de crianças e adolescentes, para que ao ter o direito à fala, possam manifestar sua opinião, pois afinal o que está em pauta é a proteção, promoção, garantia dos seus direitos. Sob esse aspecto, Rosane Leal da Silva[6] acentua que é importante construir espaços democráticos de fala que incluam a criança e o adolescente, pois eles também devem se manifestar acerca dos seus direitos e que esses momentos devem ser de troca e de partilha.
Com real visibilidade ao tema da cogovernança, outro importante espaço de discussão e que tem contribuído para a proteção e promoção aos direitos de crianças e adolescentes, são as Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais. Na leitura de André Viana Custódio, mesmo não sendo contempladas nas diretrizes políticas estatutárias, representam excelentes estratégias de ação político-administrativa na concretização de direitos. As Conferências são realizadas a cada dois anos e têm a “[...] finalidade de avaliar as ações realizadas e apontar as diretrizes de ação para os próximos dois anos, nos três níveis, com ampla participação da sociedade civil e representantes do governo”[7].
Enfim, a concretização dos direitos de crianças e adolescentes perpassa quase que exclusivamente pelo investimento do Estado em políticas públicas de proteção, promoção e efetivação dos seus direitos e que aliado a família e a sociedade, conforme o comando do art. 227 da Constituição Federal, desempenham papel importante, porque são atores contribuidores (corresponsáveis) da formulação e execução dessas políticas, portanto, cogovernança, implica no agir conjunto na proteção dos direitos desses sujeitos de direitos que se encontram em processo de desenvolvimento.
Notas e Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma: UNESC, 2009.
LEFORT, Claude. Pensando o Político: ensaios sobre democracia, revolução e liberdade, Trad. de Eliane M. Souza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
PEREIRA, Tânia da Silva. A Convenção e o Estatuto: um ideal comum de proteção ao ser humano em vias de desenvolvimento. In: PEREIRA, T. S. (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente: lei 8.069/90: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.
ONU. Organização das Nações Unidas. Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
SILVA, Rosane Leal da. A proteção integral dos adolescentes internautas: limites e possibilidades em face dos riscos no ciberespaço. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
VERONESE, Josiane Rose Petry. Convenção sobre os Direitos da Criança: 30 anos – sua incidência no Estatuto da Criança e do Adolescente. Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
[1] Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, considera-se como “criança” todo ser humano com idade inferior a 18 anos: “Artigo 1- Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”. ONU. Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
[2] Cf. VERONESE, Josiane Rose Petry. Convenção sobre os Direitos da Criança: 30 anos – sua incidência no Estatuto da Criança e do Adolescente. Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
[3] ONU. Organização das Nações Unidas. Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
[4] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
[5] BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.
[6] SILVA, Rosane Leal da. A proteção integral dos adolescentes internautas: limites e possibilidades em face dos riscos no ciberespaço. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009, p. 57.
[7] CUSTÓDIO, André Viana. Direito da Criança e do Adolescente. Criciúma: UNESC, 2009, p. 79-80.
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