Co - operação e co - laboração no Processo Civil

23/01/2016

Por Maurilio Casas Maia - 23/01/2016

O princípio da cooperação processual civil não pode ser lido com o viés utópico e ingênuo[1] segundo o qual as partes – adversárias entre si –, colaborariam a ponto de contribuir para a vitória de seu ex adversus. É alerta doutrinário[2] reiterado. Na verdade, o princípio da cooperação deve ser lido no sentido de “co-operar” – conforme lição de Alexandre Freitas Câmara[3] –, ou seja, no significado de operar e trabalhar junto (“co-laborar”) ao outro, a fim de se facilitar o desfecho processual construído de modo legitimamente democrático.

Daniel Mitidiero[4] aponta a existência de três modelos processuais civis: (1) isonômico; (2) Assimétrico e; (3) Cooperativo. Neste último sistema, o juiz é instado a assumir dúplice função processual: “paritária no diálogo, assimétrica na decisão”. Fredie Didier[5], por seu turno, menciona os três modelos processuais como sendo o: (1) inquisitivo – o modelo inquisitorial é marcado pelo protagonismo judicial e pela pesquisa oficial; (2) dispositivo (“modelo adversarial”), no qual o protagonismo das partes é maior, sendo muito relacionado ao sistema de Common Law e; (3) Cooperativo, o qual destaca a ideia de um modelo constitucional de processo democrático comparticipativo e policêntrico, como leciona Dierle Nunes[6].

Com efeito, o supracitado modelo processual cooperativo impõe a (re)democratização do processo, com a respectiva releitura do principio do contraditório e com o impedimento do uso do processo como instrumento de opressão e autoritarismo[7]. Desse modo, os ranços de autoritarismo de parêmias como “iura novit curia” e “da mihi factum, dano tibi ius” devem ser extirpados do processo democrático[8], garantindo-se contraditório efetivo entre as partes e o órgão jurisdicional.

Um ponto já pacífico na doutrina é a concordância na existência de íntima relação entre o princípio do contraditório e o princípio da cooperação. Conforme relembra[9] Vitor Fonseca[10], o modelo de “cooperacionismo processual” é marcado pelo “redimensionamento do princípio do contraditório”, maximizando a interação entre o juiz e as partes a fim de construir um processo civil mais democrático.

O NCPC (Lei 13.105/2015) registra o princípio da cooperação da seguinte maneira: “Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. De antemão, percebe-se a relação da cooperação com outros princípios, tais como razoável duração do processo (CRFB/88, art. 5º, LXXVIII), primazia das decisões de mérito (art. 4º, NCPC) e efetividade processual.

O professor Daniel Amorim Assumpção Neves[11] explica que – não obstante a literalidade textual do art. 6º do NCPC –, o princípio da cooperação deve se fazer presente durante toda atividade jurisdicional, cognitiva, executiva e de urgência.

O desenvolvimento doutrinário do princípio da cooperação alcança o aprofundamento de sua expansão. O princípio da cooperação é hoje apresentado com os deveres secundários dele decorrentes – de modo semelhante à boa-fé objetiva, comportando deveres anexos. Nessa senda, a doutrina apresenta quatro grupos de deveres judiciais para com os participantes do processo: (1) esclarecimento; (2) prevenção; (3) consulta; (4) auxílio.

Em verdade, conforme ditou em outras palavras Júlio César Goulart Lanes[12], a noção de cooperação deve conferir o tom à jornada processual e, na dúvida, as soluções do referido caminhar devem sempre optar pela solução “co-operada”.

Ao remate, face à proximidade da vigência do NCPC, é preciso se ocupar da seguinte questão: os juízes e demais profissionais atuantes no processo civil teriam acompanhado a evolução para um modelo constitucional de processo civil mais democrático e comparticipativo? O entrave lançado é atual e pertinente, porquanto se permanecerem os velhos vícios e a velha mentalidade com um (ou dois) pé(s) na feição dissimuladamente ditatorial de processo, nada haverá de novo – a não ser, claro, um “museu de grandes novidades” em práticas (supostamente) extraídas na novel legislação processual civil. A reflexão é impositiva.


Notas e Referências:

[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 9.

[2] Daniel Neves, por exemplo, afirmou que tal princípio na implica em “filantropia”. Alexandre Câmara altera que não se pode pensar ingenuamente que cooperação implicaria em ajudar a parte contrária a vencer o litígio, porquanto sejam adversários. Vide, respectivamente: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015, p. 17; CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 9.

[3] Assim ditou Câmara: “O princípio da cooperação deve ser compreendido no sentido de que os sujeitos do processo vão ‘co-operar’, operar juntos, trabalhar juntos na construção do resultado do processo.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 9).

[4] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 101-103.

[5] DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de Direito Processual: Inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In: LEITE, George Salomão. SARLET, Ingo Wolfgang. CARBONELL, Miguel. Direitos, deveres e garantias fundamentais. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 427-439.

[6] NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 147.

[7] Nesse sentido, vide: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Processo Justo e democrático e o novo CPC. In: OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Impactos do Novo CPC na Advocacia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 37.

[8] Nessa linha de raciocínio, vide: CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 11; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Processo Justo e democrático e o novo CPC. In: OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Impactos do Novo CPC na Advocacia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 37.

[9] Na mesma linha de raciocínio: MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 101-103; DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de Direito Processual: Inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In: Direitos, deveres e garantias fundamentais. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 427-439.

[10] FONSÊCA, Vitor. O Direito Processual Civil como sub-ramo do Direito Público. In: FREIRE, Alexandre. Et al. (Org.). Novas tendências do Processo Civil: Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 795-796.

[11] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015, p. 16.

[12] LANES, Júlio Cesar Goulart. Fato e Direito no Processo Civil Cooperativo. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 127.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.

CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Processo Justo e democrático e o novo CPC. In: OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Impactos do Novo CPC na Advocacia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 33-49.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de conhecimento. 16ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015.

______. Os três modelos de Direito Processual: Inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In: LEITE, George Salomão. SARLET, Ingo Wolfgang. CARBONELL, Miguel. (coord.) Direitos, deveres e garantias fundamentais. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 427-439.

FONSÊCA, Vitor. O Direito Processual Civil como sub-ramo do Direito Público. In: FREIRE, Alexandre Et Al. (Org.). Novas tendências do Processo Civil: Estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 785-807.

LANES, Júlio Cesar Goulart. Fato e Direito no Processo Civil Cooperativo. São Paulo: Ed. RT, 2014.

MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Ed. RT, 2009.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015.

NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008.


. Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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