Por Luiz Ferri de Barros – 20/06/2017
O tema não é original, mas o filme é excepcional. Na década de 1930, numa pequena cidade do Alabama, um negro é acusado de estuprar uma mulher branca. Ele é inocente. A cidade se põe contra ele e contra o advogado que aceitou defendê-lo. A história é contada ao meio das memórias de infância de sua filha. Trata-se da adaptação ao cinema do livro de Harper Lee, de mesmo título, um dos principais romances da literatura americana do século 20.
“O sol é para todos”, filme de 1962, geralmente é apresentado como a história de um advogado que, na década de 1930, numa pequena cidade sulina dos EUA, defende no tribunal um negro que fora acusado de estuprar uma mulher branca, acrescentando-se que tal narrativa corresponde à ótica de uma criança.
Além de ser um clássico do cinema de todos os gêneros, em 2008 o Instituto Americano de Cinema colocou-o em 1º lugar na lista dos 10 melhores filmes de tribunal.
O advogado Atticus Finch, vivido por Gregory Peck, também foi eleito um dos melhores personagens do cinema no século 20. O filme rendeu ao ator o único Oscar de sua carreira e a atriz Mary Badham, então uma criança, foi também indicada ao Oscar por sua interpretação de Scout, a filha de Atticus, narradora da história.
Embora centrais, são apenas parte do enredo os episódios relacionados ao julgamento e às hostilidades que o advogado e seus filhos passam a sofrer porque Atticus aceitou defender o acusado. Na realidade, o filme narra as memórias de infância de uma menina órfã de mãe, ao meio das quais ela retrata seu pai com veneração e conta a história desse julgamento.
Consta que Gregory Peck dizia ser Atticus seu personagem favorito e que não precisara representar para interpretá-lo, pois seus sentimentos eram iguais ao dele. Um americano sensível e de bem não poderia dizer outra coisa no início dos anos 1960. A identificação do público com o personagem deve muito à idealização do pai pela menina-narradora. Atticus é um pai carinhoso e exemplar, e um homem ético de intocada honestidade, tolerância e compreensão.
O Direito não prevalece na história, mas sim a Justiça – aqui não sei se devo escrever justiça com letra maiúscula ou minúscula, haja vista a natureza dos acontecimentos... O réu é condenado apesar de inocente, em sequencia vindo a morrer, e o verdadeiro culpado acaba por ser morto a facadas.
Por decisão do delegado, apoiada por Atticus, quem matou o homem culpado, embora pelas circunstâncias também seja inocente, não foi a julgamento, porém sob argumento que talvez relembre a lei de Talião: “Um homem inocente morreu. Um homem culpado morreu. Vamos deixar como está”.
Talvez a grandeza do filme não derive do fato de ser um drama de tribunal, nem de seu conteúdo antirracista. Existem filmes de advogados melhores e, também, melhores filmes que combatem o racismo.
“O sol é para todos” é legendário por conta de Atticus, um herói que adquiriu dimensão mítica e representa um ideal de identificação para o homem americano, ainda se hoje com menos intensidade. E também por conta de Scout, uma menina encantadora, corajosa e valente, que acompanha os meninos em suas aventuras mais assustadoras e com eles defende o pai nas mais perigosas situações, de sorte que tanto o filme como o livro em que se baseia são obras para todas as idades.
O filme, dirigido por Robert Mulligan, é rodado em branco e preto, com pouco contraste, numa intensidade de luz nítida, porém um tanto esmaecida, em harmonia com a narrativa de memórias longínquas da infância.
“O sol é para todos” é uma obra de arte. Baseia-se no romance de Harper Lee de igual nome (“To kill a mocking bird”, no original em inglês) publicado em 1960, uma das principais obras da literatura americana do século 20. O livro, de inspiração autobiográfica, escrito despretensiosamente segundo a autora, rendeu um Prêmio Pulitzer à escritora, foi traduzido para mais de 40 idiomas e vendeu 30 milhões de cópias.
Nas memórias de infância, a menina Scout está sempre acompanhada de seu irmão Jem e de Dill, um amiguinho da mesma idade e companheiro indispensável para todas as traquinagens. Dill, na vida real, ninguém menos foi que Truman Capote, que quando criança passava o verão na casa de uma tia que morava nas vizinhanças de Harper Lee.
Permanecendo amigos na vida adulta, após a filmagem de “O sol é para todos”, Harper Lee dedicou-se a ajudar Truman Capote na pesquisa que ele empreendeu para escrever “A sangue frio”, sua obra prima. Ela também é conhecida do público americano por isto.
O filme pode ser visto na Netflix.
Originalmente publicado na Revista da OAB/CAASP. Nº 29 – Ano 6. São Paulo, junho/2017.
Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.
Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.
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