Por Luiz Ferri de Barros – 14/06/2016 *
Filme estrelado por Jodie Foster ilustra as formas como nos casos de estupro a mulher pode igualmente estar sujeita à violência institucional e legal do sistema estatal destinado a protegê-la
Acusados, filme de 1988 dirigido por Jonathan Kaplan, prende a atenção do espectador. Contando com duas grandes atrizes, Kelly McGillis, em plena maturidade profissional, no papel de procuradora-adjunta, e Jodie Foster, como a vítima da violência sexual, praticada em um bar de beira de estrada no interior dos EUA, o diretor dispôs ainda de um bom elenco coadjuvante masculino e um excelente argumento para retratar o tema.
De um modo geral o que se aborda, quando se trata de violência contra a mulher, é o contexto em que se passa o episódio. As atitudes adotadas pelas mulheres, especialmente em redutos considerados essencialmente masculinos ainda no Século XXI, como no exemplo do filme – um bar de beira de estrada –; ou até mesmo em um ambiente familiar, no sentido de ser a casa que abriga a família. A vulnerabilidade feminina aumenta, potencialmente, a depender de quem ali esteja e com que propósito. E essa vulnerabilidade pode se alastrar por inúmeras instâncias ou diminuir até o desaparecimento, na medida em que ela vai precisando da tutela do Estado para o seu acolhimento e também para a defesa e o resgate da sua dignidade como ser humano, até a efetiva reparação da lesão causada à sua pessoa. É disso que trata o filme.
Já nos quesitos jurídicos, o filme retrata inúmeras situações que seriam inadmissíveis aos olhos do Direito brasileiro. Uma das situações estranhas ao nosso Direito refere-se ao fato de a procuradora adjunta, representante da vítima, ter liberdade para fazer acordos com a defesa, inclusive quanto à tipificação da conduta ilícita e a sugestão de pena a ser aplicada aos acusados.
Ainda que a primeira fosse aceitável, a segunda estaria violando a lei penal brasileira, em seu artigo 1º, em que se estabelece que não haverá crime sem lei anterior que o defina e nem, tampouco, pena sem a prévia cominação legal. Ainda que condenáveis os atos dos acusados, vale a lembrança de uma outra discrepância em relação ao que acontece no filme, se comparada ao Direito brasileiro: a Constituição Brasileira determina, em seu artigo 5º, a individualização da pena e no filme os acusados são julgados de baciada, sem que haja a individualização dos atos, ainda que todos semelhantes entre si e condenáveis aos olhos da Justiça.
No acordo entre a procuradora e os advogados de defesa, a tipificação ficou na linha de colocar outro em perigo, onde a vítima (sempre tratada por testemunha) nem sequer foi ouvida em juízo. Em uma segunda ocasião, após o reconhecimento do erro ou arrependimento por parte da procuradora perante a vítima, esta pôde relatar a agressão coletiva sofrida no bar, mas ainda na condição de testemunha. Tudo muito estranho.
Vale a pena assistir ao filme, primeiro por se tratar de um assunto que merece respeito e atenção: a violência contra a mulher, em todos os sentidos possíveis e inimagináveis; segundo, porque Jodie Foster será sempre Jodie Foster, independentemente do papel que desempenhe, sempre brilhantemente; terceiro, porque o filme é envolvente e, quarto, porque vale a pena pontuar as inconsistências do ponto de vista jurídico ou para uma análise comparativa entre o Direito de uma e outra nação. Mas, há algo que não nos permite, de jeito nenhum, qualquer margem de dúvidas. O de que o cumprimento do respeito à dignidade humana ultrapassa todas as fronteiras e ali não há distinção entre gêneros. Ela é universal.
* Colaborou Neuza Maria de Oliveira
Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.
Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.
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Imagem Ilustrativa do Post: 20 minutes of Chaplin // Foto de: Blondinrikard Fröberg // Sem alterações
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