Por Pedro Augusto Santos de Souza - 11/07/2015
Roberto Aparecido Alves Cardoso, popular e criminalmente conhecido como “Champinha” participou dos assassinatos dos jovens Felipe Caffé e Liana Friedenbach, em 2003. Atualmente ele encontra-se civilmente interditado por decisão judicial, eis que porta uma doença mental que “coloca em risco à sociedade” (sic). Assertiva, diga-se de passagem, quase tão vaga como a manutenção de prisões preventivas para a garantia da ordem pública. A rigor, se o Código de Processo Penal fizesse jus ao que realmente a dita ordem representa, teria a substituído por “opinião”, o que não afetaria em nada a real conotação do termo. Prossigo.
Champinha está com 28 anos de idade e desde os seus 21 anos é mantido interditado na Unidade Experimental de Saúde (UES), em São Paulo, em face aos reflexos penais de seus atos infracionais que, pela famigerada ordem/opinião pública, se sobrepuseram aos comandos legalmente vertidos no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. O precitado estatuto, cabe consignar, embora tenha tentado (porque não conseguiu) instituir um microssistema processual penal de maneira a melhor adequação dos atos infracionais ao sistema prisional brasileiro, ainda porta comandos de obediência, já que permanece vigente.
Entrementes, soma-se o que ora se considerou com a propagação midiática do caso àquela época, o modus operandi do ato infracional praticado por Champinha e o discurso da redução da maioridade penal. Pronto, aí está um prato cheio para toda ordem de manifestações repulsivas ao ato e à forma de puni-lo, não necessariamente nessa ordem.
Nesse eito, sem pretensão de conferir um toque de estratagemas às ações dos atores do sistema de justiça criminal, inclusive da Corte Suprema, que recentemente negou êxito a três recursos da defesa de Champinha, resplandece uma indagação estrênua: Qual seria o fundamento jurídico-penal para que o mantenha internado? Uma continuação da periculosidade (aplicando uma medida de segurança sui generis) sem que persista qualquer persecução penal acerca de ato infracional lhe imputado? Mantendo-o internado em leito psiquiátrico conforme a interdição cível (art. 1.767 c/c o art. 1.777, ambos do CC/02) em detrimento da segurança dos demais? Uma sentença perpétua no Juízo Cível?
O tratamento ambulatorial pressupõe crime/ato infracional somado à inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ao tempo do crime (no caso, ato infracional), que renderia ensejo à precitada medida. Ocorre que Champinha, ao completar 21 anos de idade ou cumprir os 03 anos de internação, deveria ter sido posto em liberdade. O ponto é: O que acontece aos atos infracionais (análogos a homicídio qualificado, sequestro, tortura e formação de quadrilha – àquela época) praticados por Champinha ao sobrevir os seus 21 anos de idade ou findar os 03 anos de internação “breve e excepcional”? São extintos? Impuníveis? Soa desarrazoado mantê-lo internado em virtude dos reflexos penais de seus atos infracionais quando há respaldo legal que lhe confere liberdade compulsória aos completar 21 anos de idade ou transcorrer os 03 anos de internação previstos no ECA.
A periculosidade advém do modus operandi de seus atos, aos quais – por medida de política criminal, talvez, ou por inocência legislativa – o sistema penal optou por punir breve, excepcional e timidamente com a internação de 03 anos. Vale dizer, ao exaurir seus efeitos penais – com periculosidade ou não – ele deveria ter sido posto em liberdade, já que ao sentir deste incipiente articulista, a continuação de sua periculosidade não é motivo para que, por si só, Champinha permaneça interditado junto com qualquer deficiente mental, ébrio habitual, viciado em tóxicos e excepcional sem completo desenvolvimento mental. O desrespeito ao ECA salta aos olhos.
Tudo isso, repisa-se, ante a massificação de informações distorcidas acerca dos utópicos efeitos da redução da maioridade penal que obriga o Estado a solucionar algumas questões por meio de “jeitinhos”. Atende aos clamores populares e mantém civilmente interditados menores que cometeram atos infracionais análogos a crimes hediondos, pela simplória razão de que a brevidade – legalmente mencionada pelo ECA – está se mostrando breve demais. Esse é o engodo que ganha auxílio da fórmula genérica “risco à ordem pública”.
Em tempo, pontuo que inexistem razões de ordem jurídica para que sua periculosidade, cuja aferição, inclusive, fora dispensável no momento de lhe internarem pela prática dos atos infracionais (uma vez que o ECA não exige periculosidade acentuada para a imposição da mais grave sanção estabelecida naquele compêndio – art. 122), seja agora suficiente para repercutir na esfera cível e mantê-lo internado em virtude de ato infracional cujos efeitos estão exauridos e não passíveis de punição.
Dessa forma, se quisessem legalizar a “artimanha jurídica”, teriam aumentado o tempo de internação e lá, na esfera penal, como o fazem com as medida de segurança, aferissem regularmente sua periculosidade para a continuação da medida, respeitado o prazo máximo de pena de 30 anos ou o que prescreve o preceito secundário do tipo penal. Mas nunca tornar a internação penal do menor infrator – que não necessita de periculosidade – em motivo aferido ao tempo em que ela findar para embasar uma questionável interdição civil.
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Pedro Augusto Santos de Souza é Advogado criminalista.
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