Por Rogério Zuel Gomes - 04/02/2015
A sociedade de consumo demanda dos fornecedores de produtos e serviços alternativas variadas de pagamento de modo a facilitar a vida consumidor. Dentre as mais comuns está a modalidade de pagamento por cartão de crédito. Tal facilidade, no entanto, traz consigo alguns ônus pesados em desfavor do consumidor,[1] nomeadamente no que diz respeito às taxas de juros praticadas nesse mercado.
Durante algum tempo a jurisprudência vacilou no que diz respeito aos limites das taxas de juros praticadas. Isso porque muito embora as administradoras de cartões de crédito não se enquadrassem exatamente no conceito de instituições financeiras, estavam elas sujeitas à fiscalização do Banco Central, por força do disposto no art. 10º, da Lei 4.595/1964.
Assim, se tecnicamente não eram equiparadas às instituições financeiras, estavam, então, sujeitas ao limite de juros de 12%a.a. previsto no Dec. 22.626/1933.[2] Todavia, em julgado ocorrido em 20/04/1999, a 4ª Turma do STJ decidiu, de forma unânime, no RESP nº 202.373/RJ, ao equiparar as administradoras de cartões de créditos às instituições financeiras, que nas operações realizadas por instituição integrante do sistema financeiro nacional, não se aplicam as disposições do Decreto n° 22.626/33 quanto à taxa de juros. É dizer; a partir do precedente citado, as administradoras de cartões de créditos estariam autorizadas, igualmente aos Bancos, a praticar taxas de juros superiores a 12%a.a.
Fixado o entendimento acima, a questão que se colocava era a seguinte: há algum limite de juros razoável a se impor às administradoras de cartões de crédito? Uma possível resposta seria aquela arbitrada pelo próprio STJ quando apreciou a limitação de juros praticados por instituições financeiras em mútuos bancários (cheque especial) no RESP nº 971.853/RS,[3] da relatoria do Min. Antônio de Pádua Ribeiro. Nesse julgado restou decidido de forma unânime que constitui abusividade a cobrança do triplo da taxa média de juros praticada nos contratos de cheque especial pelo mercado revelada pelo Banco Central.
Durante muito tempo o STJ entendeu que, a par da referida equiparação, muito embora não houvesse uma limitação legal de juros expressa, a taxa média praticada pelo mercado serviria de referência ao apreciar recursos de consumidores onde pugnavam pelo reconhecimento da abusividade das taxas de juros praticadas nos contratos de cartão de crédito.[4] Com relação à taxa média praticada pelos Bancos em contratos de cheque especial, a par de sua parcialidade, eis que calculada a partir de dados fornecidos pelos próprios agentes do mercado, ela está disponível para consulta no sítio do Banco Central, servindo de referência para aferição da abusividade, ou não, da taxa praticada pelos Bancos nos casos concretos.
Ocorre que em julgado mais recente, o STJ decidiu que a taxa média dos empréstimos bancários (cheque especial) não serve como parâmetro para as ações de revisão de contrato de cartões de crédito.[5] Assim se decidiu porque a taxa praticada nas operações de cartão de crédito é superior àquela relativa ao cheque especial, não sendo adequada a equiparação das operações.
No entanto o sítio do Banco Central não informa qual é a taxa média de juros praticada pelas administradoras de cartões de crédito. Isso implica enorme dificuldade ao consumidor, eis que não pode ele ter a certeza de que a taxa a que foi submetido é lícita, ou não, porquanto isso somente será aferido por ocasião de uma perícia judicial. Ainda que se considere a possibilidade de inversão do ônus da prova, lançando o ônus dessa prova sobre a administradora, existe o risco de o consumidor, ao final de uma demanda eventualmente julgada improcedente arcar com ônus de custas judiciais, periciais e honorários de sucumbência. Isso sem considerarmos, ainda, a dúvida acerca da proposição, ou não, de uma ação judicial revisional, dada a falta de publicidade da taxa média em determinado período de tempo.
É consabido que vários órgãos públicos estão inseridos na Política Nacional de Relações de Consumo (Art. 4º, CDC). De forma bastante incisiva o Banco Central também atua como órgão na implementação, manutenção e garantia dessa política, como, aliás, consta do seu Plano de Ação para Fortalecimento do Ambiente Institucional.[6] Se assim é, nada mais razoável do que a publicação das taxas médias de juros praticadas pelas administradoras no sítio do Banco Central, medida essa que traria maior transparência ao mercado de cartões de crédito e, sobretudo, informaria adequadamente os consumidores, vindo ao encontro do disposto no arts. 4º, incisos IV, VI, VII e 6º, incisos II, III, IV, VII e X, todos do CDC. Importante ressaltar, em complemento, que todo o conteúdo do CDC decorre da garantia constitucional de promoção, pelo Estado, da defesa dos consumidores (CF, Art. 5º, inciso XXXII).
A prevalecer a omissão do Banco Central, necessária será a provocação de tal providência por parte de órgãos responsáveis pela defesa dos consumidores, bem como pelo Ministério Público.
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ROGÉRIO ZUEL GOMES é Advogado e Sócio do Escritório Gomes, Rosskamp e Sá Advogados Associados. Especialista em Direito Civil pela Universidade de Salamanca (Espanha) e Mestre em Ciência Jurídica pela Univali/SC.
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Notas e Referências:
[1] Sobre os riscos da utilização do cartão de crédito atualmente e o crescimento da sua utilização, considerando a ascensão econômica da população brasileira a partir de 2003, veja-se: LIMA, Clarissa Costa de. O cartão de crédito e os riscos de superendividamento: uma análise recente da regulamentação da indústria do cartão de crédito no Brasil e nos Estados Unidos. Revista de direito do consumidor. V. 81. Jan./2012. p. 239 e ss.
[2] Essa tese era reforçada pela redação original da Constituição de 1988 que, em seu art. 192, parágrafo 3º., estabelecia a limitação dos juros em 12% ao ano. Este parágrafo foi revogado pela Emenda Constitucional nº40/2003.
[3] REsp 971.853/RS. Min. Antonio de Pádua Peixoto. J. em 6/9/2007.
[4] Veja-se, por exemplo, o REsp nº 450.453/RS. Min. Aldir Passarinho Junior. J. em 25/06/2003, por maioria de votos.
[5] REsp 1.256.397–RS. Min. Nancy Andrighi. J. em 17/09/2013. Da mesma forma se decidiu no REsp 1.487.562. Min. Isabel Gallotti. J. em 25/11/2014.
[6] Disponível em http://www.bcb.gov.br/nor/relincfin/Plano_de_Acao_PNIF.pdf. Acesso em 29/01/2015.
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