Carta ao bom velhinho

24/12/2017

Querido Papai Noel,

No último Natal, assim como ocorreu outras vezes, fiz alguns pedidos aos quais o senhor não atendeu. Passei os anos me perguntando o que havia feito de errado... se não havia sido, de fato, uma boa menina. Mas concluí que não existem boas ou más meninas e que apenas agi de acordo com aquilo em que acredito. Talvez alguns pedidos o senhor apenas leve mais tempo para realizar, dado o grau de complexidade.

Diante disso, em 2017 vou reiterar pedidos de anos anteriores, na esperança de que algo seja diferente. Vou continuar seguindo minhas convicções, acreditando que o mundo possa mudar, que cada um possa pensar menos apenas em si e enxergar o “outro” como merecedor de um tratamento digno.

Por favor, Papai Noel, faça com que as pessoas entendam que os direitos humanos não admitem as exceções que frequentemente lhe são impostas, que não são aplicáveis exclusivamente àqueles que são considerados por uma sociedade conservadora e preconceituosa os “cidadãos de bem” (sempre que ouço essa expressão, lembro-me que a mais famosa publicação ligada à Ku Klux Klan se chamava justamente The Good Citizen – Cidadão de Bem).

Permita que todos consigam enxergar com humanidade o “outro”, não se pautando estritamente em interesses egoísticos e excludentes. Mostra-se imprescindível que se entenda que uma sociedade não terá um futuro promissor se continuar a diferenciar pobres e ricos, criminalizados e não selecionados pelo sistema penal, pretos e brancos etc. Faça, portanto, com que as pessoas julguem menos, agindo com alteridade e efetivamente enxergando o “outro”.

Faça com que notícias como “Homem fica preso 11 meses por posse de 0,26g de crack”[1] não se repitam. Liberte Rafael Braga e todos os que se encontram em situações semelhantes. Não admita que, em tempos de modernidade líquida[2], o encarceramento em massa seja defendido ou, até mesmo, meramente aceito. Aliás, se não for pedir demais, faça com que as pessoas percebam que o encarceramento não é solução para nenhum dos problemas da humanidade, muito pelo contrário. Não permita que o punitivismo continue a pautar as ações estatais e individuais, nem mesmo quando se trata do nosso “inimigo”.

Papai Noel, diminua a desigualdade social. Não admita que cor da pele, gênero, orientação sexual, religião e outros fatores sejam motivo para depreciar alguém, conferindo-lhe tratamento menos digno. Por outro lado, permita que se lhes atribua tratamento diferenciado, visando a atingir um mínimo equilíbrio – como é o caso das ações afirmativas – e que isso não seja visto como “favorecimento”. É necessário que as pessoas entendam que não se pode falar em “favorecimento” quando a parte que se considera “desfavorecida” gozou e ainda goza de tantos privilégios, fazendo com que se esteja muito distante de uma igualdade substancial que permita a caracterização de “benefícios”, mas sim de instrumentos de combate a uma diferenciação preconceituosa.

Eu teria tantos outros pedidos a fazer, mas já ficarei feliz se o senhor conseguir realizar 10% do que expus nesta cartinha. Por isso, restrinjo-me a estas poucas linhas, que contêm pleitos ambiciosos, mas não impossíveis. Sei, ainda, que meus pedidos dependem essencialmente de cada um de nós, de como agimos como parte de uma sociedade, como seres supostamente racionais. No entanto, do jeito como as coisas andam, acho que estamos precisando de um empurrãozinho... Talvez, só a mágica do Natal seja capaz de fazer com que a humanidade retome seu caminho.

 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2017/12/1943782-homem-fica-preso-por-11-meses-sem-processo-por-posse-de-026-g-de-crack.shtml

[2] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 

Imagem Ilustrativa do Post: Letter for Santa Claus // Foto de: Luisa // Sem alterações

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