Canhoteiro: o Garrincha que driblava para os dois lados - Mais que um herói são - paulino, um mito da Paulicéia

28/03/2016

Por Luiz Ferri de Barros  - 28/03/2016

"Canhoteiro, o homem que driblou a glória" (Ediouro) foi o décimo-sexto livro do veterano escritor e jornalista Renato Pompeu, com Prêmio Esso de Jornalismo na bagagem, entre outros, e 40 anos nas redações dos mais importantes jornais e revistas do País.

Traçando breves paralelos entre as histórias de Canhoteiro, Garrincha e Zagallo, o autor narra o que foi a vida do jogador e aquilo que ela não foi. Trata-se de narrativa mítica, mais do que biográfica, do ponta-esquerda maranhense que jogou pelo São Paulo de 1954 a 1963, incluído pelos cronistas em escalações da "seleção brasileira de todos os tempos", embora nunca tenha jogado uma Copa do Mundo.

A dimensão mítica de Canhoteiro é atestada pelo célebre estribilho de um samba de Chico Buarque retratando um ataque dos sonhos: "Para Mané para Didi para Mané/ Mané para Didi para Mané para Didi/ Para Pagão para Pelé e Canhoteiro".

Canhoteiro era driblador insuperável, um Garrincha que driblava para os dois lados e que ao pegar na bola posicionava o corpo de tal forma que o marcador nunca sabia para qual lado ia sair.  Matava a bola com o bico da chuteira, jogada que só Pelé também sabia fazer. Fora do campo, era capaz de fazer embaixadas com moedas e fazê-las pousar com a cara ou a coroa virada para cima, no pé esquerdo ou direito, conforme o gosto do freguês.

O estilo agressivo do ponta foi decisivo para que se fixasse no São Paulo o esquema tático 4-2-4 adotado pela seleção de 1958, superando o WM (2-3-5 ou 2-3-3-2) europeu. Depois, Zagallo jogando recuado transformou o 4-2-4 no 4-3-3 tricampeão em 1970.

O livro, ilustrado, não trata apenas de futebol. O mito Canhoteiro simboliza a promessa paulistana irrealizada pela cidade dos tempos em que se dizia "São Paulo não pode parar". Da mesma forma que o craque não foi quem conquistou o futebol mundial para os brasileiros, a cidade não exerceu a liderança esperada.

A era de Canhoteiro confunde-se com diversas outras eras e todas são referidas no livro. O rádio e os jornais esportivos, os bares de calçada, a democracia nacionalista, os bondes, os ônibus. Por isto, como não poderia ser diferente, o estilo é desigual.

É antológico o capítulo em que o autor descreve minuciosamente quase todos os tipos de ônibus de São Paulo dos anos 50 (faltou o ônibus elétrico). Também encantam diversas cenas do cotidiano de uma época em que as travessas da Teodoro Sampaio não tinham ainda calçamento. 

BATE-BOLA COM RENATO POMPEU

Luiz Barros -  De que tratam seus outros livros sobre futebol (o romance "A Saída do Primeiro Tempo" e o ensaio "Memórias de Uma Bola de Futebol"? Há relação entre eles e "Canhoteiro"?

Renato Pompeu - "A Saída do Primeiro Tempo" tem como personagem central um fantasma, o espectro da Ponte Preta, que é a alma da Ponte Preta vagando pela cidade de Campinas e provocando pequenas mudanças na vida das pessoas. Uma dessas mudanças é levar um professor a escrever uma tese acadêmica sobre futebol, que ocupa metade do livro. "Memórias de Uma Bola de Futebol" são episódios de 20 mil anos de história documentada do futebol, narrados por uma bola como se ela tivesse participado de todos os episódios. O que há de comum entre esses dois livros e o "Canhoteiro" é que os três estão baseados na mesma visão teórica do futebol, descrita em detalhes no "A Saída".

Luiz Barros - Por falar em Ponte Preta, por que, mesmo morando em São Paulo, você nunca deixou de torcer para a Ponte e nem declara ser torcedor de qualquer outro time?

Renato Pompeu - Na verdade, além de para a Ponte Preta, eu torço para diferentes times em diferentes situações. Quando a Ponte ainda não estava na Primeira Divisão do Campeonato Paulista, eu torcia para o Palmeiras, mas apenas para ter a quem torcer nesse campeonato, tal como eu torcia para times específicos em campeonatos em outros países e outros Estados. Hoje torço sempre para a Ponte Preta, mas quando a Ponte não está em jogo eu torço para o espetáculo e posso perfeitamente, durante o jogo, mudar o time para o qual estou torcendo, pois se um abre muita diferença o jogo fica desinteressante e eu torço para o outro fazer gols. 

Luiz Barros - Logo no início da internet no Brasil, em 1996, você lançou o primeiro livro interativo no País. Você poderia relatar esta experiência?

Renato Pompeu - O meu não foi o primeiro livro interativo brasileiro na internet. Houve pelo menos um antes, não me lembro de quem. Em 1986 eu havia lançado um livro interativo na rede de videotexto, em que o leitor podia escolher a continuação do capítulo. O livro de 1996 permitia a opção pela navegação segundo o país, o século, o tema, o personagem, etc. Teve muito mais repercussão a versão em inglês do que a em português; em inglês chegou a haver mil acessos diários; em português não atingiu mais de vinte por dia. Não fui adiante nesse projeto por eu não dominar a tecnologia e por não ter encontrado uma pessoa com formação em informática que tivesse interesse em hipertexto. Também não tive uma idéia nova que fosse diferente do primeiro projeto que apresentei, um tanto tosco perto das possibilidades técnicas que existem.


Originalmente publicado no Diário do Comércio. São Paulo, 2003.


. Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.

Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.                                        

E-mail para contato: barros@velhosguerreiros.com.br 


Imagem Ilustrativa do Post: Futebol // Foto de: Alexandre Machado // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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