Por Charles M. Machado – 31/05/2016
Uma recente decisão do TRF2a. estendeu o benefício da isenção do Imposto de Renda aos pacientes que tenham tido diagnóstico de Câncer, mesmo transcorrido o período de cinco anos após o diagnóstico da doença, e depois de apresentado o laudo oficial atestando que a paciente não padece mais de enfermidade passível, a decisão inova quando amplia o direito mesmo depois da possível cura.
O que se leva em conta é o fato que mesmo após o tratamento, e do paciente não apresentar mais os sinais e sintomas da doença, o tratamento permanece.
O art. 6°, inciso XIV, da Lei n° 7.713/1988, prevê a inexigibilidade do Imposto de Renda Pessoa Física, IRPF sobre os proventos de pensão.
Vejamos a decisão em seu inteiro teor antes de tecermos os comentários:
Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. II - Tributário
RELATOR : Desembargador Federal FERREIRA NEVES
APELANTE : UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL
ORIGEM : 04a Vara Federal de Niterói (01333320320144025102)
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL contra sentença (fls. 85-89) proferida pelo MM. Juízo da 4a Vara Federal de Niterói - Seção Judiciária do Rio de Janeiro - que, nos autos da Ação Ordinária n° 0133332-03.2014.4.02.5102 (2014.51.02.133332-1), julgou procedente o pedido declarando, com fundamento no art. 6°, inciso XIV, da Lei n° 7.713/1988, a inexigibilidade do Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF sobre os proventos de pensão da autora. Condenou, ainda, a União a restituir os valores recolhidos indevidamente, de julho de 2013 a novembro de 2014. A União (Fazenda Nacional), na apelação de fls. 93-95, requereu, preliminarmente, que seja conhecido o agravo retido interposto em razão da antecipação de tutela deferida (fls. 61-63), que concedeu a imediata isenção do IR sobre os proventos de aposentadoria da apelada. No mérito, sustenta que a isenção de IR se justifica mediante comprovação, pelo requerente, de ser portador de doença grave especificada no rol legal, atestada por laudo oficial; que o benefício em questão foi concedido à autora no ano de 2008, sendo cancelado em 2013, cinco anos após o diagnóstico; que, no caso, laudo oficial atestou que a autora não padece mais de enfermidade passível de isenção, pois embora tenha sido portadora de neoplasia maligna, atualmente não possui recidivas da doença, e nem metástase; que, para que seja mantida a isenção concedida, cabe à autora comprovar que ainda possui neoplasia maligna. Por tais alegações, requer, preliminarmente, o conhecimento do agravo retido, conforme preconizado no art. 523, caput e §1°, do CPC. No mérito, requer seja dado provimento ao recurso, confirmando-se a higidez da cobrança. Em contrarrazões (fls. 98-108), a apelada requereu o desprovimento do recurso.
Intimado, o Ministério Público Federal afirmou ser desnecessária sua intervenção no feito (fls.115-116).
É o relatório.
Inclua-se em pauta.
FERREIRA NEVES
Desembargador Federal
Relator
VOTO
Cuida-se, como visto, de remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL contra sentença (fls. 85-89) proferida pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal de Niterói - Seção Judiciária do Rio de Janeiro - que, nos autos da Ação Ordinária nº 0133332-03.2014.4.02.5102 (2014.51.02.133332-1), julgou procedente o pedido declarando, com fundamento no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988, a inexigibilidade do Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF sobre os proventos de pensão da autora. Condenou, ainda, a União a restituir os valores recolhidos indevidamente, de julho de 2013 a novembro de 2014.
Inicialmente, embora a União (Fazenda Nacional) tenha reiterado o agravo retido interposto às fls. 72/73, na forma do art. 523, §1º, do CPC, resta o mesmo prejudicado, eis que as razões declinadas no recurso são idênticas às razões constantes da apelação por ela interposta, que passo a analisar.
Como é cediço, a isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria, em razão de moléstia grave, encontra previsão legal no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988, e sua comprovação é feita através da realização de laudo pericial médico, nos termos do art. 30 da Lei 9.250/95, que dispõem, in verbis:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
....
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004) (Vide Lei nº 13.105, de 2015)
No caso dos autos, a apelada, em 2008, foi diagnosticada como portadora de neoplasia maligna (câncer de mama) e submetida à mastectomia (procedimento de retirada dos seios) – CID 10.C50.9, obtendo, naquela ocasião, a concessão do beneficio fiscal de isenção do imposto de renda, que perdurou até julho de 2013, sendo informada pela SRF que o restabelecimento dos descontos a título de imposto de renda se deu pelo transcurso de 5 (cinco) anos, após o diagnóstico da doença grave.
Submetida à nova perícia, em 10/04/2014, restou atestado, no laudo de fls. 18, que a ora apelada foi portadora de câncer de mama D, tendo feita mastectomia total em agosto de 2008; que, no momento, encontra-se sem recidivas da doença e sem metástases.
A União (Fazenda Nacional), baseada no supracitado laudo, requer o provimento da apelação e a reforma da sentença recorrida para que sejam restabelecidos os descontos do Imposto de Renda nos proventos da autora.
In casu, não merece prosperar a pretensão recursal, eis que a sentença proferida encontra-se em consonância com a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, no caso da neoplasia maligna, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988, não é necessário que apresente sinais de persistência ou recidiva da doença, pois a finalidade do benefício é diminuir os sacrifícios físicos e psicológicos decorrentes da enfermidade, aliviando os encargos financeiros relativos ao acompanhamento médico e medicações ministradas.
Nesse sentido, os precedentes:
ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO - NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO-NÃO OCORRÊNCIA-OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL-IMPOSTO DE RENDA-ART.6º, XIV, DA LEI 7.713/1988-NEOPLASIAMALIGNA-DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS-DESNECESSIDADE.
1. (...)
2. Reconhecida a neoplasia maligna, não se exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, ou a comprovação de recidiva da enfermidade, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. Precedentes do STJ
3. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.
(RMS 32061/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe 20/08/2010)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. NEOPLASIA MALIGNA. DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIADE CONTRADIÇÃO, OMISSÃO OU ERRO MATERIAL. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS.
1. (...) A Primeira Turma, ao julgar o REsp 734.541/SP (Rel. Min. Luiz Fux, DJ 20.2.2006, p. 227), enfrentou situação semelhante à dos presentes autos, ocasião em que também decidiu pela desnecessidade de prova da contemporaneidade dos sintomas da neoplasia maligna, para fins de gozo da isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88. No referido julgamento, ao afastar a Súmula 7/STJ, aquela Turma deixou consignado que "a revaloração da prova delineada no próprio decisório recorrido, suficiente para a solução do caso, é, ao contrário do reexame, permitida no recurso especial".
2. É certo que a Primeira Seção, ao julgar o REsp 1.116.620/BA, sob a Relatoria do Ministro Luiz Fux e mediante a sistemática de recursos, decidiu ser incabível a extensão da norma de isenção contida no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88, a situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o disposto no art. 111, II, do CTN (DJe 25.8.2010). A neoplasia maligna, no entanto, encontra-se relacionada no rol taxativo do art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88.
3. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que os arts. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88, e 30 da Lei n. 9.250/95, não podem limitar a liberdade que o Código de Processo Civil confere ao magistrado na apreciação e valoração jurídica das provas constantes dos autos, razão pela qual o benefício de isenção do imposto de renda pode ser confirmado quando a neoplasia maligna for comprovada, independentemente da contemporaneidade dos sintomas da doença.
4. Não há falar em contrariedade ao art. 97 da Constituição da República, tampouco em violação da Súmula Vinculante n. 10/STF, uma vez que esta Corte não declarou a inconstitucionalidade dos arts. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88, e 30 da Lei n. 9.250/95 5. Embargos declaratórios rejeitados."
(EDcl no REsp 1202820/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 02/12/2010)
Assim, faz jus a apelada à isenção tributária em questão, eis que, conforme jurisprudência do E. STJ, o intuito é de também desonerar a renda dos portadores assintomáticos dessa doença, alcançando-se, assim, o princípio da dignidade humana, tendo em vista a gravidade da moléstia de que foram acometidos.
Pelo exposto, JULGO PREJUDICADO o agravo retido e NEGO PROVIMENTO à apelação e à remessa necessária, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. NEOPLASIA MALIGNA. ART. 6º, IXIV, LEI Nº. 7.713/88. PEDIDO DE ISENÇÃO SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. DEMONSTRAÇÃO DA CONTEMPORANEIDADE DOS SINTOMAS DA DOENÇA. DESNECESSIDADE.
1. No caso dos autos, a apelada, em 2008, foi diagnosticada como portadora de neoplasia maligna (câncer de mama) e submetida à mastectomia (procedimento de retirada dos seios) – CID 10.C50.9, obtendo, naquela ocasião, a concessão do beneficio fiscal de isenção do imposto de renda, que perdurou até julho de 2013, sendo informada pela SRF que o restabelecimento dos descontos a título de imposto de renda se deu pelo transcurso de 5 (cinco) anos, após o diagnostico da doença grave. Submetida à nova perícia em 10/04/2014, restou atestado, no laudo de fls. 18, que a ora apelada foi portadora de câncer de mama D, tendo feita mastectomia total em agosto de 2008; que, no momento, encontra-se sem recidivas da doença e sem metástases.
2. A União (Fazenda Nacional), baseada no supracitado laudo, requer o provimento da apelação e a reforma da sentença recorrida para que sejam restabelecidos os descontos do Imposto de Renda nos proventos da autora.
3. Não merece prosperar a pretensão recursal, eis que a sentença proferida encontra-se em consonância com a jurisprudência do E. STJ, segundo a qual, no caso da neoplasia maligna, para que o contribuinte faça jus à isenção de imposto de renda prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/19988, não é necessário que apresente sinais de persistência ou recidiva da doença, pois a finalidade do benefício é diminuir os sacrifícios físicos e psicológicos decorrentes da enfermidade, aliviando os encargos financeiros relativos ao acompanhamento médico e medicações ministradas. O intuito é de também desonerar a renda dos portadores assintomáticos de neoplasia maligna, alcançando-se, assim, o princípio da dignidade humana, tendo em vista a gravidade da moléstia de que foram acometidos
4. Agravo retido prejudicado. Apelação e remessa necessária desprovidas.
A C Ó R D Ã O
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação e à remessa necessária e JULGAR PREJUDICADO o agravo retido, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Feito a transcrição passamos aos comentários:
É fundamental destacarmos que a decisão deu interpretação elástica ao conceito de isenção lembrando que o dispositivo que concede a isenção deve ser sempre interpretado de forma literal.
A sentença que produziu para o caso uma norma individual e concreta, ao contrário da lei que prescreve uma hipótese de incidência, para um caso hipotético, deu sentido além do literal a norma, pois estendeu o benefício à quem a Lei não previu, dando como valor à ser protegido o direito de indenização, das despesas de tratamento, medicamentos, apoio psicológico, e outras incorridas mesmo quando os sintomas da presença da doença não estejam presentes, afinal nenhum atestado pode garantir a volta da doença.
A interpretação elástica da norma, encontra respaldo na Magna Carta, no Princípio da Dignidade Humana.
O que pensamos ser um equívoco é travar o benefício da isenção apenas para as receitas pecuniárias, o que torna obrigatório a aposentadoria.
Isso não é razoável, pois desestimula o trabalho como recuperador da saúde, bem como integrador da vida social, da maneira que o texto tenta prestigiar, o benefício só seria alcançado pelos pacientes excluídos das atividades sociais, o que ao nosso ver não deve ser a intenção.
Ao mesmo tempo sob o ponto de vista econômico, representa para o agente pagador uma dupla oneração no caso dos entes públicos, pois acaba por perder o servidor, no caso dos servidores públicos, das rotinas laborais, quando que uma mera redução da carga seria suficiente, dessa maneira ele onera pela aposentaria e pela isenção, o que faz parecer a norma muito pouco inteligente.
A defesa da Dignidade Humana é fator permissivo para interpretação elástica da norma isentiva, é ela a mola propulsora das relações sociais que o a Magna Carta pretende regrar, logo o intérprete deve estender a isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, até o instante em que se poderia assegurar o não retorno da doença, o que não é o caso das previstas nesse dispositivo legal, por isso a isenção deve alcançar o paciente (contribuinte) durante e após o tratamento da doença, foi esse o sentido dado pelo intérprete na decisão, pois uma visão restritiva do Direito acaba levando a duras penas as vítimas da doença.
Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br
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