Por Rosimeire da Silva Meira – 27/05/2017
Recentemente li o artigo de um nobre colega neste respeitável site o qual falava que diante da pergunta de um aluno sobre o que seria processo penal, teve vontade de responder “pergunta lá no Posto Ipiranga”[1].
Foi exatamente o que passou na minha cabeça quando às 07h00min da manhã fui acordada com o telefonema da esposa de um cliente preso informando que acabará de chegar na Penitenciária de Florianópolis-SC para visita semanal e o mesmo não mais se encontrava recolhido naquele ergástulo, teria sido transferido. Indagava para onde teriam transferido seu esposo, “onde será que ele está doutora?”. Como meu nobre colega, mas utilizando-me de uma velha melodia, senti vontade de dizer “Talvez esteja em Jaraguá Joinville ou Blumenau Lá por Santa Catarina...”.
Pois bem, teria dito se não constituísse em fato lamentável o que acabara de acontecer com aquela despojada esposa que aguardou uma semana inteira ansiosa, no dia anterior fez as compras da “sacola da semana” (rigorosamente conforme a lista fornecida pelo estabelecimento), levantou antes das 05h00min da manhã (pois morava longe e queria aproveitar cada minuto do horário da visita com o esposo), pegou o primeiro ônibus antes do clarear do dia, em um braço carregará o filho de apenas 1 ano de idade e em outro as sacolas das compras da semana e chegando ao destino deparou-se com uma transferência do esposo, sem qualquer aviso prévio.
Certamente não é a primeira e não será a última familiar a passar por esta mortificação enquanto houver superlotação carcerária na Grande Florianópolis. E o que falar do preso que “dormiu em um local e acordou em outro”?
A Lei de Execução Penal – Lei 7.210 de 11 de Julho de 1984 - que tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado garante que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.
Compõem os direitos do preso, de acordo com a Lei de Execução Penal, entre outros: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - Previdência Social; IV - constituição de pecúlio; [...] VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes [...][2].
Como se vislumbra do próprio texto legal, nossa Lei de Execução Penal é muito majestosa, representa um dos maiores avanços jurídicos de nossa história, mas na prática está longe de ser cumprida, agravando-se ainda pela superlotação carcerária. O sistema penitenciário brasileiro hoje chega a ser mal visto desde o preso até o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). É atemorizante quando se esculpe as condições subumanas dos presídios brasileiros.
Segundo a Constituição Federal, o Estado deve garantir segurança, saúde e boas condições de vida aos cidadãos, conforme preleciona o artigo 5º, caput, inciso II e artigo 6º, caput, independente de onde estejam. Entretanto, isso não calha e o Governo usa de “modelos de penitenciárias” e de numerosos planos de melhoramentos, bem como da falta de verba, para justificar o descumprimento dos direitos fundamentais dos presos.
Na Grande Florianópolis, consoante classificação feita pelo Departamento de Administração Prisional (Deap) abrigam-se os seguintes estabelecimentos prisionais: Complexo Penitenciário do Estado (COPE) - São Pedro de Alcântara, Presídio Regional de Tijucas, Colônia Penal Agrícola de Palhoça, Penitenciária de Florianópolis, Casa do Albergado de Florianópolis, Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), Presídio Regional de Biguaçu, Presídio Masculino de Florianópolis e Presídio Feminino de Florianópolis[3].
Em quase todos os estabelecimentos se alojam mais presos do que a capacidade. Dentro dos estabelecimentos a condição é desumana, até doenças se proliferam rapidamente devido ao amontoado de pessoas e o atendimento médico precário.
Conforme notícia veiculada nos meios de comunicação social no final do ano passado, o Presídio de Biguaçu foi considerado a pior unidade prisional de Santa Catarina. Cerca de 120 presos dividem apenas 10 celas que deveriam ser ocupadas por, no máximo, 30 presos. A solução para o problema seria o projeto da Villa de Segurança anunciado pelo Governo do Estado já em 2015, todavia nunca saiu do papel e sequer tem pedido de licenciamento junto a Prefeitura[4].
O Presídio Masculino e a Penitenciária de Florianópolis já haviam sidos interditados em 2015. Os contêineres, com espaço para 200 internos, deveriam ser desativados em 15 dias. A Justiça na época proibiu o ingresso de mais presos na Penitenciária e no Presídio da Capital. Em nota, o Departamento de Administração Prisional (Deap) e a Secretaria de Justiça e Cidadania informou que a decisão judicial seria acatada e analisada juridicamente. Em que pese à informação, até hoje a estrutura permanece intacta[5].
No Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, são cerca de 200 presos além da capacidade que é de 1.050. De acordo com última inspeção realizada pelo Juiz Emerson, em março desse ano, até a água – um bem jurídico tutelado essencial - estava barrenta, não obstante ter sido investido cerca de 880 mil na estação de tratamento de água da penitenciária. Havia aplicação de "castigo coletivo" por faltas disciplinares dos detentos e a família passava por humilhação nas revistas. Os presos perpetravam greve para obterem o mínimo dos direitos que lhes são assegurados constitucionalmente[6].
É evidente a condição precária em que se deparam os presos da Grande Florianópolis. É vidente igualmente que a superlotação viola as normas e princípios constitucionais encontrados na Lei de Execução Penal. E qual solução vem sendo aplicada no momento? A transferência do preso para outras cidades.
Diariamente os presos são transferidos para toda parte do Estado de Santa Catarina. Já não importa ser preso provisório ou definitivo, existem casos em que os presos saem da Delegacia diretamente para outra Comarca. E nessa turnê pelo Estado Catarinense o preso perde praticamente todos os direitos previstos no art. 41 da LEP, pois como “temporários” naquele local, não lhes é oportunizado trabalho e remuneração, pois além de tirar a vaga de outro preso do local, pode ser novamente transferido a qualquer momento, a família não consegue depositar o pecúlio ou fazer visitas porquanto na maioria das vezes não tem condições ou não é autorizado confeccionar a “carteirinha” já que logo será novamente transferido para outro local, raramente recebe assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, sofre de sensacionalismo por parte dos demais detentos, raramente tem entrevista pessoal e reservada com o advogado, pois a família não tem condições sequer de visitar, quem dirá de custear a viagem do advogado, e não recebem igualdade de tratamento já que o estabelecimento que o recebe está apenas “fazendo um favor” para Florianópolis. O “temor” já nem é mais o de ser preso e sim de para que Cidade será transferido.
Precisamos mudar esse cenário e a solução pode ser encontrada não só no Governo – já que o problema é de longa data e nada muda - mas também no judiciário. Aceno ao judiciário na questão dos aprisionados que já cumpriram sua pena e não são postos em liberdade em decorrência da morosidade da justiça que muita das vezes acaba colaborando para a manutenção do alto número de presos. Também aceno ao judiciário quanto à banalização das prisões cautelares que tem sido a ilusão perfeita no manejo de ousar repassar para uma sociedade uma sensação de segurança que na verdade inexiste, para dar confiabilidade ao aparelho estatal repressor, através da punição antecipada do sujeito de direitos. A realidade é que cada vez mais se retira da sociedade e amontoa-se em qualquer lugar.
Entretanto, em quaisquer das hipóteses, seja na reforma e construção de novos estabelecimentos pelo governo ou na agilidade e no cuidado do judiciário na hora de aplicar as prisões cautelares, fato é que não haverá um retorno imediato para superlotação.
Infelizmente a transferência do preso para outra cidade ainda será a alternativa imediata para o problema por algum tempo. Então, porque não sermos humanos em, no mínimo, ter por regra comunicar a família ou o advogado sobre a transferência do preso, para que não ocorra a situação descrita no início deste artigo. É um ato tão pequeno, mas tão grandioso e que evitará tantos desencontros e desconfortos. Então fica minha dica ao Departamento de Apoio Prisional: sejam prudentes, para que no ousar dizer sejam humanos, avisem a família ou o advogado de onde o preso está alojado, em caso de transferência.
E querem sabem onde estava o preso? Nem em Jaraguá, Joinville ou Blumenau, estava em Chapecó, a mais de 500 km de distância da família!
Notas e Referências:
[1] PARENTE, Fernando. Processo penal? Pergunta lá no Posto Ipiranga. Disponível em http://emporiododireito.com.br/processo-penal-pergunta-la-no-posto-ipiranga/. Acesso em 21 de maio de 2017.
[2] BRASIL. Lei 7.210 de 11 de Julho de 1984. Disponível em < www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm>. Acesso em 21 de maio de 2017.
[3] DEAP, Departamento de Administração Prisional. Unidades Prisionais. Disponível em <http://www.deap.sc.gov.br/index.php/unidades-prisionais>. Acesso em 21 de maio de 2017.
[4] G1. Presídio de Biguaçu é considerado a pior unidade prisional de Santa Catarina. Disponível em <http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/jornal-do-almoco/videos/v/presidio-de-biguacu-e-considerado-a-pior-unidade-prisional-de-santa-catarina/5488642/>. Acesso em 21 de maio de 2017.
[5] G1. Justiça manda interditar penitenciária e presídio de Florianópolis. Disponível em <http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2015/09/justica-manda-interditar-penitenciaria-e-presidio-de-florianopolis.html>. Acesso em 21 de maio de 2017.
[6] G1. Com água escura e superlotação, Defensoria estuda pedir interdição parcial em São Pedro de Alcântara. Disponível em < http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/com-agua-escura-e-superlotacao-defensoria-estuda-pedir-interdicao-parcial-em-sao-pedro-de-alcantara.ghtml>. Acesso em 21 de maio de 2017.
. Rosimeire da Silva Meira possui Graduação em Direito pela UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí. Advogada Criminal – OAB/SC 26.835, devidamente associada à AACRIMESC – Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina. . .
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