Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini
Introdução
Depois de mais de 8 (oito) anos que a OIT não aprovava uma convenção internacional, no ano em que a Organização Internacional do Trabalho – OIT completava 100 anos, na 108a Conferência anual de membros, ocorrida em 21 junho de 2019 em Genebra, foi aprovada a Convenção nº 190 contra a violência e o assédio no local de trabalho.
A Convenção foi acompanhada pela aprovação da Recomendação nº 206, que trata sobre a forma como convenção pode ser aplicada por cada Estado Membro, indicando, por exemplo, quais medidas devem ser adotadas para que sua finalidade seja atingida.
A OIT já havia publicado importantes convenções relativas a direitos fundamentais, tais como sobre questões de discriminação (a Convenção de n. 111, em 1965, ratificada pelo Brasil em 1968, relativa à discriminação em matéria de emprego e profissão) e questões de gênero (a Convenção de n.100 em 1951, ratificada pelo Brasil em 1957, relativa ao princípio de igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra feminina por trabalho de igual valor, e a Convenção de n. 156, que trata da igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores e trabalhadoras com encargos de família, nunca ratificada pelo Brasil), contudo, até 2019 não havia sido publicada nenhuma convenção específica sobre violência e assédio.
A Convenção nº 155 sobre segurança, saúde dos trabalhadores e meio ambiente, ratificada pelo Brasil em 1992 prevê em seu artigo 3º que "saúde” no trabalho abrange não só a ausência de afecção ou doenças, mas também os elementos físicos e mentais diretamente relacionados ao meio ambiente do trabalho. Nesse contexto, se o assédio nada mais é do que uma violência psicológica dos trabalhadores, a nova Convenção nº 190, inicialmente atinge os propósitos de garantir o direito fundamental à saúde pregado pela Convenção nº 155.
O texto da Convenção de nº 190 foi aprovado por 439 votos a favor e sete contra, sendo os países que votaram contra seu texto: Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Malásia, República Dominicana e Singapura. Estes números são relevantes e demonstram o consenso da maioria dos países membros da importância que esta convenção conseguiu obter na OIT e no mundo.
Houve 30 abstenções da votação da Convenção, incluindo de um representante empresarial brasileiro, o presidente da Federação Brasileira dos Bancos – Febraban, muito embora o Brasil seja um Estado que possui milhares de casos já julgados de assédio moral na Justiça do Trabalho.
Apesar da nova convenção ainda não esteja em vigor, uma vez que é necessário decorrer o prazo de 12 meses da sua aprovação com a ratificação de dois Estados-membros, pergunta-se: “Qual seria o impacto da sua ratificação pelo Brasil para o estudo do conceito de assédio no Direito do Trabalho brasileiro?”
Definição de assédio adotada pela Convenção 190: conceito único e amplo
Preliminarmente, embora, o movimento #MeToo, criado por Tarana Burke em 1996 e os assustadores números de morte por excesso de trabalho (karoshi) no Japão tenham influenciado o texto na Convenção de n. 190 da OIT, não podemos afirmar que o seu teor seja um produto exclusivo de proteção de tais grupos. Na verdade, o texto da Convenção 190 da OIT foi proposto, de forma mais ampla, protegendo diversos outros grupos atingidos nos locais de trabalho (negros e negras, comunidade LGBTQI, dentre outros).
Nesse sentido, é importante analisar o conceito de assédio e violência previsto no primeiro artigo da Convenção 190 da OIT transcrito a seguir:
Para os efeitos da presente Convenção:
a) a expressão «violência e assédio» no mundo do trabalho designa um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de ameaças de tais comportamentos e práticas, ainda que se manifeste de uma vez só ou de maneira repetitiva, que tenham por objeto, que causem ou sejam suscetíveis de causar, um dano físico, psicológico, sexual o econômico, e inclui a violência e o assédio em razão de gênero e
b) a expressão «violência y assédio por razão de género» designa a violência e o assédio que sejam dirigidos contra as pessoas em razão de seu sexo ou gênero, o que afetem de maneira desproporcionada a personas de um sexo ou gênero determinado, e inclui o assédio sexual.
Da análise da redação do artigo acima, é possível concluir que a proteção preconizada pela OIT é extremamente ampla, não se limitando a tratar somente às formas de assédio (sexual e moral), pois inclui também uma grande preocupação com a violência e assédio em razão de gênero, que abrange as práticas que são dirigidas a pessoas em razão do sexo ou gênero ou que afetam de maneira desproporcional as pessoas de um sexo ou gênero determinado.
Portanto, assédio para a Convenção 190 da OIT não é conceito único, pelo contrário, é amplo e inclui atos de violência e discriminação. A escolha por um conceito amplo pela OIT teve por objetivo atender as definições distintas de vários países sobre o tema, já que não existe um padrão linguístico e semântico universal do assédio[1].
Importante ressaltar que houve um consenso entre os Estados Membros que a violência e o assédio no mundo do trabalho incluem aspectos não somente físicos, mas psicológicos e sexuais[2].
O artigo 2º da convenção admite que as legislações nacionais poderão definir conceitos separados de assédio moral, exatamente pela existência de diferenças conceituais entre os países integrantes da OIT.
No Brasil, a tradição legislativa é desenvolver conceitos separados de discriminação, assédio moral e assédio sexual, como podemos perceber abaixo com esta breve retrospectiva legal abaixo.
No âmbito penal, o Código Penal, no art. 216-A, trata do crime de assédio sexual. Quanto ao assédio moral, está em trâmite no Senado, o projeto de lei de crime de assédio moral no. 4.742/2001.
No âmbito trabalhista, não há legislação específica aplicável a iniciativa privada sobre assédio sexual tampouco assédio moral, contudo, há a Lei 9.029/1995 que trata da proibição da discriminação no ambiente do trabalho.
A fim de combater o bullying nas escolas, foram aprovas duas leis (13.663/2018 e 13.185/2015).
Em 16 de junho de 2009, a Medida Provisória n. 453/08 foi convertida na Lei n. 11.948/09, que versa sobre a constituição de fonte adicional de recursos para ampliação de limites operacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dá outras providências. Dentre estas, nota-se a disposição contida no seu art. 4º, que veda “a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente”.
Desta forma, entendemos que a tendência brasileira será continuar adotando conceitos separados de discriminação, assédio moral, assédio sexual e outros tipos de violência no ambiente de trabalho, com base na permissão do artigo 2º já citado acima da convenção.
Desnecessidade de repetição ou sistematização para configuração de assédio na Convenção 190 da OIT
Da análise do conceito trazido no artigo 1º da Convenção 190 da OIT, podemos concluir que a proteção da OIT não se limita a danos repetidos e continuados, pois está expresso no referido artigo que se configura assédio “ainda que se manifeste de uma vez só”.
No Brasil, diante da lacuna legislativa, a doutrina e a jurisprudência trabalhista majoritária têm entendido que para se configurar assédio moral o ato de violência psicológica deve ser continuado e repetitivo, portanto, não se configuraria assédio moral o ato isolado de perseguição no ambiente de trabalho.
A primeira jurista brasileira que escreveu sobre o tema foi a juíza do trabalho baiana Márcia Novaes Guedes em sua obra intitulada de "Terror Psicológico no Trabalho" e definiu como conceito de assédio moral individual: “todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, da direção da empresa, de gerente, chefe, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais da vítima[3].
Márcia Novaes Guedes[4] defende que não é qualquer espécie de conflito no trabalho que pode ser classificado como assédio moral, pois a violência psicológica deve ser regular, sistemática e durar no tempo.
Posteriormente, Margarida Barreto, médica do trabalho do Sindicato dos Químicos de São Paulo em sua tese de doutorado assim definiu o assédio moral:
“Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ‘pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ‘perdendo’ sua autoestima”[5].
Cláudio Armando Couce de Menezes: “destarte, assediar é submeter alguém sem trégua, a ataques repetidos. O assédio moral, requer, portanto, a insistência, ou seja, condutas que se repetem no bojo de um procedimento destinado a atentar contra a dignidade, a saúde e o equilíbrio psíquico da vítima”[6].
Maria José Giannella Cataldi[7] caracteriza o assédio moral como uma: “degradação deliberada das condições de trabalho onde prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação aos seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos emocionais para o trabalhador e a organização”.
Maria Aparecida Alkimin[8] conceitua assédio moral como:
É uma forma de violência psíquica praticada no local de trabalho, e que consiste na prática de atos, gestos palavras e comportamentos vexatórios, humilhantes, degradantes e constrangedores, de forma sistemática e prolongada, cuja prática assediante pode ter como sujeito ativo o empregador ou superior hierárquico (assédio vertical), de um colega de serviço (assédio horizontal), ou um subordinado (assédio ascendente), com clara intenção discriminatória e perseguidora, visando eliminar a vítima da organização do trabalho.
A autora[9] defende o critério temporal como imprescindível para a caracterização do assédio moral:
“Para que a conduta degradante e humilhante se caracterize como assédio moral, casuisticamente, não pode se apresentar como fato isolado, portanto, o comportamento, gestos, palavras e atos direcionados contra o assediado e que visam desestabilizá-lo, afetando sua dignidade e direitos de personalidade, devem ser praticados de forma reiterada e sistemática, ou seja, com certa frequência. O que importa é a regularidade e repetição sistemática da conduta, apta a degradar o ambiente de trabalho e causar danos à vítima”.
Nesse sentido, Amauri Mascaro Nascimento[10] discorre o seguinte:
A diferença entre agressão moral e assédio moral está na reiteração da prática que configura esta última e no ato instantâneo que caracteriza aquela. É uma forma de violência no trabalho que pode configurar-se de diversos modos (ex. o isolamento intencional para forçar o trabalhador a deixar o emprego, também chamado, no direito do trabalho, de disponibilidade remunerada, o desprezo do chefe sobre tudo o que o empregado faz alardeando perante os demais colegas deixando-o em uma posição de constrangimento moral, a atribuição seguida de tarefas cuja realização é sabidamente impossível exatamente para deixar a vítima em situação desigual à dos demais colegas).
Pois bem, como se percebe, a doutrina trabalhista trilhou o entendimento no sentido majoritário de que o assédio moral para ser caracterizado precisa ser um ato repetitivo e continuado. Já a Convenção 190 da OIT, pelo contrário, foi expressa no sentido de que o ato isolado pode configurar assédio.
Quanto à jurisprudência trabalhista, o leading case da matéria no Brasil é oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região – Estado do Espírito Santo e foi publicado em 2002, vejamos a ementa:
"ASSÉDIO MORAL - CONTRATO DE INAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer trabalho, fonte de dignidade do empregado." (Tribunal Regional do Trabalho, 17ª Região, RO nº 1315.2000.00.17.00.1, Ac. nº 2.276/2001, Rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio, DJ de 20/08/2002, publicado na Revista LTr 66-10/1237).
Embora neste primeiro julgado, não se discuta o critério temporal do assédio moral, posteriormente a jurisprudência foi se consolidando no sentido de somente reconhecer o assédio moral quando comprovada a repetição e continuidade, vejamos:
ASSÉDIO MORAL. ATOS ISOLADOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. Configura assédio moral a conduta abusiva do empregador ou de seus prepostos, mediante a qual o empregado fica exposto, de forma reiterada, a situações vexatórias, humilhantes e constrangedoras, violadoras de seus direitos da personalidade, e que, em última análise, atentam contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Atos isolados, como uma bronca desmedida, uma agressão verbal ou escrita, ou uma exposição indevida de fragilidade do trabalhador podem caracterizar-se como ilícito trabalhista, mas não como assédio moral.(TRT-17 - RO: 00004409220175170004, Relator: JAILSON PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 13/08/2018, Data de Publicação: 30/08/2018). Grifos nossos
ASSÉDIO MORAL. PRÁTICA DE ATO ISOLADO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Mesmo diante da confissão do preposto acerca do desconhecimento do fato, tem-se que a conduta do representante da reclamada não foi passível de configurar o assédio moral, pois teria ocorrido de forma isolada e por uma única vez. Via de consequência, não restou caracterizado o propalado assédio moral, não havendo o dever de indenizar. Recurso do reclamante não provido. (TRT-23 - RO: 1385200902123004 MT 01385.2009.021.23.00-4, Relator: DESEMBARGADOR JOÃO CARLOS, Data de Julgamento: 03/08/2011, 2ª Turma, Data de Publicação: 10/08/2011). Grifos nossos
Desta forma, ao nosso ver se o Brasil ratificar a referida convenção, será necessária uma adaptação da doutrina e jurisprudência trabalhista brasileira quanto a este aspecto da exigência de repetição ou continuidade para caracterização do assédio moral, já que o artigo 1º da convenção não deixa dúvidas que ainda que seja um ato isolado deverá haver proteção do Estado.
A lacuna jurídica quanto ao assédio moral institucional
Apesar de todo o avanço trazido pela Convenção 190 da OIT na proteção e prevenção da violência e assédio no trabalho, o seu texto legal não tratou do assédio ligado ao trabalho (“work related bullying”). Lamentavelmente, a Convenção 190 da OIT deixa esta lacuna jurídica, talvez até pelo desafio do estudo do tema em cada país.
No Brasil, o termo assédio moral institucional é também conhecido como sinônimo de assédio moral coletivo, assédio moral organizacional, gestão por stress ou straining na jurisprudência trabalhista brasileira.
O assédio moral pode ser estudado de forma subjetivista (assédio moral interpessoal) ou objetivista (assédio moral institucional).
No assédio moral interpessoal há sempre envolvidas pelo menos duas partes, ou seja, o agressor (assediador) e a vítima (assediado). Os assediadores podem ser múltiplos (por exemplo: equipe contra o chefe) ou os assediados podem ser múltiplos (por exemplo: o chefe contra a equipe toda). Esse último tipo de assédio de grupos é conhecido nos EUA como gang bullying.
Qual seria a primeira diferença entre o assédio moral interpessoal e o institucional?
Em primeiro lugar, pode-se apontar como critério diferenciador o autor do ato de assédio moral. No assédio moral interpessoal, como o próprio nome já explica, o agressor é uma pessoa natural – indivíduo ou grupo.
No assédio moral institucional, o agressor é a própria pessoa jurídica (acionistas) que, por meio de seus administradores (conselheiros e diretores), utiliza-se de uma política de gestão desumana para aumentar os seus lucros, criando uma verdadeira cultura institucional de assédio.
O primeiro caso de assédio moral institucional reconhecido no Brasil foi da Ambev (Companhia Brasileira de Bebidas S.A.), no qual o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte teve reconhecido o seu pedido de danos morais coletivos perante o Tribunal da 17ª Região em 23/08/2006.
No direito comparado, pode-se citar a obra de Einarsen et al.[11] trazendo a visão europeia do assédio moral. Nesta obra, é apresentada uma importante distinção entre o conceito de bullying interpessoal e bullying institucional (termos utilizados pelos autores: work related bullying versus person related bullying).
Gosdal e Soboll, explicam a seguir que a expressão assédio moral interpessoal foi utilizada por tais autores somente para diferenciar do assédio moral institucional (chamado pelos autores de organizacional):
“o assédio moral interpessoal normalmente tem como alvo pessoas, ou pequenos grupos de indivíduos específicos. Já o assédio moral organizacional, orienta-se a alvos que não são específicos, mas são determináveis, podendo alcançar grande parte dos trabalhadores da empresa”.[12]
Einarsen, Hoel, Zapf e Cooper chegam a afirmar que “no assédio moral institucional não é dirigida nenhuma tarefa para um indivíduo específico, por isso se trata de uma forma despersonalizada de assédio”[13] (grifo nosso).
Nessa linha de pensamento, Gosdal e Soboll ressaltam que no assédio moral institucional as interações são indiretas: “há situações em que os administradores, individual ou coletivamente, executam estruturas e procedimentos organizacionais que podem atormentar, abusar ou até mesmo explorar os empregados. Portanto, bullying, nesses casos, não se refere estritamente a interações interpessoais, mas antes a interações indiretas entre o indivíduo e a administração da empresa”.[14]
Gosdal e Soboll definem o assédio moral institucional como: “um processo contínuo de hostilidades, estruturado via política organizacional ou gerencial, que tem objetivo imediato aumentar o lucro da empresa. Pode ser direcionado para todo o grupo indiscriminadamente ou para alvos determinados”[15].
Zabala, psicólogo e administrador de RH, afirma que o assédio moral não é somente um problema do indivíduo, mas um problema da organização do trabalho (a toxidade organizacional). Nesse sentido, essas empresas são consideradas tóxicas, uma vez que trabalhar nelas prejudica a saúde dos trabalhadores[16].
Araújo foi pioneira na seara jurídico trabalhista a trazer uma definição de assédio moral institucional, nomeado pela autora como organizacional[17]. O conceito proposto por Araújo é inovador no sentindo de ser baseado na obra de Focault e defender que o assédio moral é uma sanção normalizadora da sociedade disciplinar empresarial:
o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercício de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa e seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos.
Quanto à forma de manifestação do assédio moral organizacional, Araújo defende que este pode ser manifestar nas mais diversas formas:
Longe do que pode fazer crer, o assédio moral organizacional não se restringe à modalidade do assédio moral vertical descendente, ele também se expressa nas mais diversas direções, apresentando-se sobre a roupagem do assédio moral horizontal e vertical ascendente. Essa situação decorre da pulverização do exercício do poder em todos os níveis da empresa. Os colaboradores, se colocados diante de um membro da equipe improdutivo ou de baixa produtividade, podem assumir condutas abusivas com a finalidade de pressionar o dissidente a assumir os níveis de produção e qualidade exigidos pela administração. Esse é o grande êxito dos Círculos de Qualidade Total e da divisão do trabalho em equipes. O grupo de trabalhadores é levado a se colocar na posição do verdadeiro empreendedor, crendo-se realmente participante das decisões da empresa. Pelo mesmo motivo, pode-se originar um assédio moral vertical ascendente, em que a empresa omissa em relação ao problema nada mais faz que se aliar aos subordinados agressores e pressionar o chefe imediato para que assuma o comprometimento por ela exigido, demonstrando liderança (mesmo que não tenha recebido qualquer treinamento para esse fim) e atingindo as metas da administração.[18]
Gosdal e Soboll também entendem que o conceito pioneiro acima proposto por Araújo é amplo e não deveria ser adotado para configurar o assédio moral institucional:
É importante o conceito trazido pela autora, que intitula sua dissertação de mestrado de “assédio moral organizacional” e destaca sua dimensão coletiva de modo conceitual pela primeira vez em pesquisas brasileiras. Contudo, entendemos muito amplo o conceito proposto. Para a autora todo assédio que não for meramente interpessoal, é organizacional, o que inclui situações que não há uma política deliberada da empresa que configura assédio, mas a empresa permite o assédio, porque escolhe chefias e líderes assediadores. De acordo com o conceito da autora, todo assédio que não seja fundado em questões totalmente alheias a empresa, é organizacional. O que inclui no conceito situações em que não há uma política deliberada da empresa ou do gestor configuradora do assédio.[19]
Hirigoyen reconhece que a empresa pode ser autora de práticas assediantes com objetivos maquiavélicos: “quando o fim justifica os meios e ela se presta a tudo, inclusive a destruir os indivíduos, se assim vier a atingir seus objetivos”[20].
Enfim, o objetivo deste artigo não é estudar o assédio moral institucional, mas apontar que a Convenção 190 da OIT perdeu a oportunidade histórica de tratar também deste importante tema social presente na jurisprudência trabalhista brasileira, contudo, nada impede que o Brasil ao ratificar a referida convenção seja pioneiro também a regulamentar o tema.
Considerações finais
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o próximo século será marcado pelo crescimento das doenças psicológicas no ambiente de trabalho. Milhares de trabalhadores serão afastados do seu trabalho devido ao impacto do stress no ambiente de trabalho e da “Síndrome do Burn out” advindos de um mundo do trabalho em crise.
A Justiça do Trabalho no Brasil já vive cercada de milhares de processos de assédio moral (seja individual, coletivo ou institucional) e isso não é bom para ninguém: nem para os empregados, nem para os empresários e nem para o país.
O empregado doente psicologicamente é um problema de saúde pública, uma vez que pode nunca se recuperar e ficar descartado para sempre do mercado de trabalho, abalando suas respectivas famílias, enfim criando um prejuízo inestimável para a sociedade brasileira e para o mundo.
A 108ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho em Genebra de junho de 2019, na qual se aprovou a Convenção 190 da OIT, será lembrada como histórica para o mundo pela sua grande contribuição para a defesa de um dos direitos fundamentais dos trabalhadores mais relevantes: a saúde, especial a saúde mental.
A Convenção 190 teve o seu mérito de reconhecer pela primeira vez no plano internacional que a violência e o assédio no mundo do trabalho é uma verdadeira violação de direitos humanos e representam uma ameaça à igualdade de oportunidades de trabalho.
O próximo passo será esperar que a maioria dos países, principalmente o Brasil, ratifiquem em breve este importante instrumento internacional para dar mais um passo rumo ao trabalho decente tão almejado pela OIT.
Esperamos ter contribuído com este breve artigo para trazer reflexões jurídicas que possam auxiliar na ratificação pelo Brasil da Convenção 190 da OIT.
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https://www.bancariosjf.com.br/assedio-moral/denuncia-de-assedio-moral
Quatro a cada 10 bancários sofre assédio moral. Matéria disponível em: https://meusalario.uol.com.br/trabalho-decente/quatro-em-cada-dez-bancarios-sofrem-assedio-moral. Acesso em 29/09/2019.
Ato de cooperação para a promoção do trabalho decente no estado. matéria disponível em https://portal.trt15.jus.br/-/em-seminario-sobre-assedio-moral-orgaos-publicos-sediados-em-sao-paulo-firmam-ato-de-cooperacao-para-a-promocao-do-trabalho-decente-no-estado. Acesso em 28/09/2019.
[1] Informe da OIT sobre “Acabar com a violência e o assédio contra as mulheres e os homens no trabalho”. Disponível em file:///C:/Users/Dell/Desktop/estudo%20OIT%20sobre%20acoso.pdf. Acesso em 10/10/2019.
[2] Centro Canadense de Saúde e Segurança do Trabalho, 2016, Academia de Peritos especializados em estresse traumáticos. Chappell e Di Martino, 2006.
[3] GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2 ed., São Paulo: LTr, 2004, p. 32
[4] GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 34/35.
[5] BARRETO, Maria. Uma jornada de humilhações. 2000. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – PUCSP. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/spip.php?article1>. Acesso em: 10 ago. 2009.
[6] Art. e loc. cits.
[7] CATALDI, Maria José Giannella. O stress no meio ambiente de trabalho, p. 85
[8] ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. 1ª. ed. (ano 2005), 3ª. tir. Curitiba: Juruá, 2007, p. 36.
[9] ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. 1ª. ed. (ano 2005), 3ª. tir. Curitiba: Juruá, 2007, p. 50.
[10] NASCIMENTO, Amauri mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 136.
[11] EINARSEN, S. et al. The concept of bullying at work: the european tradition. In: ______. (Ed.). Bullying and emotional abuse in the workplace: international perspectives in research and practice. London: Taylor and Francis, 2003. p. 3-30.
[12] GOSDAL, Thereza Cristina; SOBOLL, Lis Andrea (Org.). Assédio moral interpessoal e organizacional: um enfoque interdisciplinar. São Paulo: LTr, 2009. p. 28.
[13] EINARSEN et al., op. cit., p. 3-30.
[14] GOSDAL; SOBOLL, op. cit., p. 19.
[15] GOSDAL; SOBOLL, 2009, p. 19.
[16] ZABALA, Iñaki Piñuel y. Mobbing: como sobreviver ao assédio psicológico no trabalho. São Paulo: Loyola, 2003.
[17] ARAÚJO, 2012, p. 61.
[18] ARAÚJO, 2012, p. 85.
[19] GOSDAL; SOBOLL, 2009, p. 34.
[20] HIRIGOYEN, 2003, p. 98.
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