Breves notas às decisões do Supremo Tribunal Federal na longa sessã da noite de 14 para 15 de abril de 2016: para um exercício de patriotismo constitucional[1] – Por Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

15/04/2016

Compartilho deste profundo, verdadeiro e justificável sentimento de indignação, quanto às decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, na longa sessão da noite do dia 14 para 15 de abril de 2016, com as cidadãs e cidadãos que, como eu, denunciamos como inconstitucional e antidemocrático este atual processo de impeachment contra a Presidenta da República, um impeachment sem justa causa, sem crime de responsabilidade, como afirmado alhures[2]. É de causar indignação e perplexidade o modo com que o STF decidiu por não decidir, lavou as mãos, negando-se a garantir o devido processo legislativo[3], diante de questão constitucional com prováveis consequências tão graves para o sistema de governo constitucionalmente adotado e, portanto, para o conturbado presente em que vivemos, assim como para a própria história da democracia brasileira[4].

Penso, todavia, que não podemos correr o risco de ser tão positivistas a ponto de reduzirmos a Constituição àquilo que o STF diz que ela é ou não é. O STF, para usar a famosa expressão de Ronald Dworkin, “apenas erra por último”.

O STF errou, descumpriu seu papel constitucional. Mas também não podemos reduzir todo o constitucionalismo brasileiro a esse erro. Esse erro, só por ter sido cometido pelo STF, não faz desse erro o Direito. Nem destrói por si só a Constituição, embora haja de se concordar plenamente com aqueles que afirmam que esse erro pode abalar profundamente a ordem constitucional (pensemos, por exemplo, no caso eleitoral norte-americano, o caso Gore vs Bush, quando a Suprema Corte daquele País se recusou a determinar a recontagem dos votos na Flórida). Para usar o título do famoso livro sobre a eleição de George W. Bush, organizado por Michel Rosenfeld, vivemos a Longest Night do constitucionalismo brasileiro, não resta dúvida; mas nem mesmo por isso the game is over.

Assim, se algo morre nessa madrugada, o que morre é a confiança quase ingênua no STF como “o superego da sociedade órfã” (como critica Ingeborg Maus), por parte de alguns vários juristas ufanos. Cabe repetir, o STF errou, descumpriu sim e mais uma vez seu papel constitucional de garantir o devido processo legislativo e, concordo com as vozes críticas que contra esse erro se levantam, essa omissão por parte do Tribunal coloca em sério risco a Democracia brasileira.

Resta agora saber o que faremos politicamente como cidadãos na esfera pública política. Afinal, como diz Habermas, “Não há Estado de Direito sem democracia radical”. Mas também nos cabe perguntar como juristas, o que fazer diante desse erro, dessa inconstitucionalidade cometida pelo próprio STF. Uma coisa é certa: como juristas não podemos nos omitir mais, temos sim nossa parcela de responsabilidade diante do que está ocorrendo agora, como bem denuncia Lenio Streck[5], cientes inclusive de que nos caberá também a tarefa de construir a narrativa desses tempos sombrios para a posteridade. Pois o que estamos presenciando hoje é uma tentativa clara de Golpe de Estado no Brasil.

Contudo, não podemos nos iludir, a Constituição não é do Supremo Tribunal Federal, nem do Congresso Nacional, nem da Presidência da República. E, para afirmar isso, não precisamos sequer apelar, aqui, ao jusnaturalismo.

Para um exercício de Patriotismo Constitucional, cabe dizer, republicanamente, que o verdadeiro guardião da Constituição é a “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” (como diz Peter Häberle), é o povo democrático e soberano! Como, inclusive, nos lembra Juarez Guimarães em artigo memorável[6].

A Constituição, portanto, na luta política permanente pela Democracia, é das cidadãs e cidadãos deste País e/ou de mais ninguém.

Portanto, viva a Constituição! Viva o povo brasileiro!


Notas e Referências:

[1] Para Lenio Streck, Juarez Guimarães e José Luiz Quadros de Magalhães.

[2] Cf. Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Paulo Roberto Iotti Vecchiatti. Supremo Tribunal Federal deve barrar ou nulificar impeachment sem crime de responsabilidade. Disponível em http://emporiododireito.com.br/supremo-tribunal-federal-deve-barrar/. E Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Diogo Bacha e Silva, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Paulo Roberto Iotti Vecchiatti. Afinal, a quem esta OAB representa? O pedido de impeachment pela OAB e a tentativa de golpe de Estado em curso no Brasil. Disponível em http://emporiododireito.com.br/afinal-a-quem-esta-oab-representa/.

[3] Cf. Marcelo Cattoni. Devido Processo Legislativo. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

[4] Sobre as decisões, cf. Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Diogo Bacha e Silva , Emilio Peluso Neder Meyer, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Paulo Roberto Iotti Vecchiatti. Afinal, quem é o Guardião da Constituição? Supremo Tribunal Federal reconhece que relatório do impeachment ultrapassa seu objeto constitucional, mas lava as mãos ao indeferir a liminar nos MS 34.130 e 34.131. Disponível em http://emporiododireito.com.br/afinal-quem-e-o-guardiao/.

[5] Lenio Streck. Nas escutas, juristas se revelam mais moristas do que o próprio Moro. “Peço a todos os juristas que pensem no amanhã. O que hoje escrevemos e dizemos pode nos ser cobrado. Já vi tanta gente fazendo discursos apopléticos — e olha que sou macaco velho em congressos e simpósios — defendendo a Constituição e que agora os vejo dizendo “os fins justificam os meios”, “os fatos falam por si” e coisas do gênero. Prova ilícita? Ah — o que é uma transgressãozinha à lei e à Constituição, quando um valor maior se alevanta? E eu invoco o conselheiro Acácio: as consequências vêm sempre depois!” Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-mar-21/lenio-streck-escutas-juristas-revelam-moristas-moro.

[6] Juarez Guimarães. O povo soberano é o guardião da Constituição. Disponível em http://cartamaior.com.br/?/Especial/Diario-do-Golpe/O-povo-soberano-e-o-guardiao-da-Constituicao/212/35741.


 

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