Breves considerações sobre o Projeto de Reforma da Lei 11.101/2005: a Fazenda Pública e a necessidade de amadurecimento das discussões do empresário em crise

05/07/2018

Coluna João Carlos Adalberto Zolandeck com Direito Empresarial e Análise Econômica / Coordenador João Carlos Adalberto Zolandeck

            Como de há muito reconhecido, a Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, inaugurou um novo paradigma no ordenamento jurídico brasileiro ao buscar conferir novo tratamento à crise econômico-financeira do empresário. Sob a égide do princípio da preservação da empresa (art. 47), a legislação de 2005 reconhece a importância da atividade empresarial como indutor do desenvolvimento nacional, pela geração de negócios, empregos e riquezas.

            Não é demais lembrar que Marcia Carla Pereira RIBEIRO e Marcelo M. BERTOLDI abordam a mudança de perspectiva estabelecida pela Lei 11.101/2005 sob o enfoque da proteção jurídica do mercado. Isto é, o agregado empresarial deve ser mantido e preservado sempre que possível e viável ao bom funcionamento do mercado[1].

            Passados mais de 10 (dez) anos de sua promulgação, é possível estabelecer que a Lei 11.101/2005, não obstante sua acuidade teórica, ainda é pouco efetiva e não tem contribuído com a recuperação das empresas, como inicialmente se imaginava. A recente crise econômica que assolou o Brasil – cujos efeitos ainda são experimentados pela conjunta deterioração do quadro político – foi ilustrada como o “grande teste” da legislação recuperacional, ante os sucessivos recordes de pedidos de recuperação judicial realizados e de falências decretadas[2].

            As teses submetidas aos Tribunais e o resultado dos rotineiros embates interpretativos sobre a Lei em comentário têm acarretado decisões criativas, sobre as rumorosas travas bancárias, bem como sobre a exigência do artigo 57 no que diz respeito à apresentação das Certidões Negativas de Débitos Tributários (CNDs), e, mais recentemente, a respeito da necessidade ou não de perícia prévia, como se fosse uma das fases da recuperação judicial, de criação doutrinária e jurisprudencial não uniforme, considerando-se o tratamento diferente em diferentes Estados da Federação.

            A par desses cenários (estatísticos e de interpretação jurisprudencial), em maio de 2018, o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 10.220/2018, que objetiva reformar a Lei 11.101/2005. Dentre os diversos pontos (polêmicos) abordados, pretende-se, brevemente, ater-se à proposta de redação do art. 94-A, que faculta às Fazendas Públicas requerer a falência do devedor no período de recuperação judicial ou durante o período de vigência do plano em caso de inadimplemento das obrigações tributárias.

            A atuação junto ao empresário em crise econômico-financeira permite observar que, no momento de dificuldade, a primeira obrigação que deixa de ser adimplida diz respeito aos tributos. E não é porque o empresário está de má-fé ou imbuído de intenções ilícitas, mas porque o empresário se vê diante de uma escolha: ou deixa de recolher os impostos ou deixa de efetuar o pagamento de fornecedores e empregados.

            Sabe o empresário que, diferentemente do fisco, o não pagamento de fornecedores e de empregados lhe acarretará o encerramento das atividades, de modo que sua escolha, numa lógica de racionalidade, se mostra consequencial. Típica situação de análise de custo-benefício (trade off).

É possível afirmar, portanto, que, se a redação do art. 94-A do Projeto de Lei 10.220/2018 for aprovada nos seus exatos termos, a significativa maioria das empresas em recuperação judicial terão que responder a um pedido de falência formulado pelas Fazendas Públicas, as quais, como notadamente se sabe, defendem o apetite de um Estado cada vez mais pesado e custoso para a sociedade.

            A assertividade do acima exposto permite conduzir ao raciocínio que se pretende encampar no presente ensaio: o embate envolvendo o fisco e o empresário em crise não pode ser resolvido sem ampla discussão com os principais players envolvidos.

            Suscitar a mera alteração legislativa, em completa dissonância com a realidade do empresariado, pode gerar resultados menos eficientes e deletérios aos avanços que foram conquistados ao longo dos últimos anos, ainda mais quando se leva em conta o combalido ambiente de negócios brasileiro. Afinal, a decretação de falência tão somente pelo inadimplemento tributário, sem a análise do complexo empresarial e das efetivas necessidades para se preservar o empresário viável, acarretará o encerramento das atividades, a dispensa de empregados e, inevitavelmente, o não recolhimento de novos tributos.

Quer-se dizer que a alteração de uma legislação com a envergadura econômica e jurídica da Lei 11.101/2005 não pode vir desacompanhada do exaustivo debate e do necessário amadurecimento do texto legislativo. Assuntos complexos não se resolvem com deliberações simplistas.

Veja-se, como exemplo, que a promulgação da Lei 13.043/2014, que regulamentou o parcelamento de débitos tributários junto à Fazenda Nacional do contribuinte em recuperação judicial, editada sob a ânsia compulsória de arrecadação e ao arrepio da realidade enfrentada pelo empresário em crise, já encontra inúmeras resistências doutrinárias e jurisprudenciais, como inclusive já abordado em recente artigo publicado nesta coluna[3].

Neste sentido, tem-se que a solução dos problemas econômicos do empresário e mesmo do déficit fiscal das Fazendas Públicas não está na simples alteração da legislação recuperacional e falimentar, mediante a concessão de uma verdadeira carta branca ao Estado. Ao contrário, inicia-se pela construção de um ambiente favorável para realização de negócios, com pilares econômicos e jurídicos bem definidos para que empresário e o Estado se beneficiem dos notórios efeitos positivos decorrentes da atividade empresarial.

Em outras palavras, a Lei 11.101/2005 deve estar inserida em um ambiente institucional que favoreça sua aplicação, induzindo a boas práticas e comportamentos positivos dos agentes, criando-se uma sedimentada Matriz Institucional, conforme a lição de Douglas NORTH[4].

Notas e Referências

[1] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; BERTOLDI, Marcelo M. Curso Avançado de Direito Comercial. 9ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 495.

[2] Neste sentido, ver: Número de recuperações judiciais sobe 14,8% em fevereiro, revela Serasa Experian. Disponível em <https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/numero-de-recuperacoes-judiciais-sobe-148-em-fevereiro-revela-serasa-experian>  Acesso em 03. jul. 2018.

[3] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto; CARAMÊS, Guilherme Bonato Campos. A desnecessidade de comprovação da regularidade tributária para fins de homologação do plano de recuperação: uma reflexão sobre a conduta do Fisco. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/a-desnecessidade-de-comprovacao-da-regularidade-tributaria-para-fins-de-homologacao-do-plano-de-recuperacao-uma-re> Acesso em 03. Jul. 2018.

[4] NORTH, Douglas. Institutions, Institutional Change and Economic performance. Cambridge University Press, Cambridge, 1990.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Faculdade de Direito de Santa Rita // Foto de: Rafael Vianna Croffi // Sem alterações

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