Breves considerações sobre a competência pela natureza da infração nos crimes digitais

24/02/2017

Por Hugo Melo Falquer - 24/02/2017

Preliminarmente, é de suma importância dizer que a fixação da competência se apresenta como uma das maiores dificuldades para o processamento de crimes praticados com o uso da internet.

Feito o comentário acima, trarei a problemática residente em tal tema.

O artigo 109 da Constituição Federal enumera o rol de objetos processuais que terão o condão de escalar um juiz federal para ser o responsável pelo julgamento da causa, e, até agora, não consta que é competência da Justiça Federal o processamento e julgamento de crimes praticados com o uso da internet.

A Constituição Cidadã, no artigo 109, IV, fixa a competência dos juízes federais em razão da matéria, pela natureza dos delitos praticados:

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral[1].

Trazendo a baila o fato de a Internet ser um serviço público de telecomunicação, e, como tal, sujeitando-se à regulamentação da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), sendo de interesse da União sua proteção jurídica[2]

A Carta Magna, em seu artigo 21, inciso XI dispõe:

XI - Compete a União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da Lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais[3].

Dessa maneira, os processos relativos a acessos não autorizados a sistemas computacionais, quando praticados na Internet, deverão ser conhecidos e julgados pela Justiça Federal, uma vez que é serviço da União.

Porém, não é tão simples quanto parece, haja vista que há entendimento contrário tanto da doutrina quanto da jurisprudência.

O que vem gerando mais polêmica é o artigo 109, V, da Constituição Federal de 1988:

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando iniciada a execução no país, o resultado tenha ou devesse no estrangeiro, ou reciprocamente[4].

Não basta que o crime seja previsto em tratado internacional, a sua execução deve ser direcionada a produzir resultado no estrangeiro, conforme ficou estabelecido no Conflito de Competência n. 57.411, decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja relatoria foi do Ministro Hamilton Carvalhido[5], onde declarou competente o Juízo Estadual.

Todavia, conforme decisão do Conflito de Competência n. 120.999, a Ministra Alderita Ramos de Oliveira asseverou que o crime não se restringe a uma comunicação eletrônica entre pessoas residentes no Brasil, uma vez que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, poderá ter acesso, cumprindo o requisito da transnacionalidade e trazendo como competente a Justiça Federal[6].

Ainda assim, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, ao julgar Recurso Extraordinário 628.624 pela suposta prática do crime de publicação de imagens com conteúdos pornográficos envolvendo adolescente (artigo 241-A da Lei 8.069/1990), entendeu que a há três requisitos essenciais e cumulativos para a fixação da competência na Justiça Federal, quais sejam: que o fato seja previsto como crime em tratado ou convenção; que o Brasil seja signatário de compromisso internacional de combate àquela espécie delitiva; que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa praticada e o resultado produzido[7]

Diante da afirmativa narrada acima, o Ministro sustentou que o Estatuto da Criança e do Adolescente é produto de tratado e de convenção subscrita pelo Brasil, e, ainda, o tipo penal previsto no artigo 241-A decorre do artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança da Assembleia Geral da ONU. Argumento esse que, por maioria de votos, entendeu que a competência é da Justiça Federal.

Já o Ministro Marco Aurélio, relator do Recurso Extraordinário ora analisado, considerou não haver tratado endossado pelo Brasil prevendo o crime, mas apenas a ratificação do Brasil à Convenção sobre os Direitos da Criança da Assembleia Geral das Nações Unidas. Dessa forma, a ausência de tratado específico confirmado pelo Brasil impossibilita atribuir competência da Justiça Federal para julgar o fato[8].

Para finalizar a exposição ventilada, o Superior Tribunal de Justiça, no Informativo 532, define a competência para apuração da prática do crime previsto no artigo 241 do ECA assim:

Não tendo sido identificado o responsável e o local em que ocorrido o ato de publicação de imagens pedófilo-pornográficas em site de relacionamento de abrangência internacional, competirá ao juízo federal que primeiro tomar conhecimento do fato apurar o suposto crime de publicação de pornografia envolvendo criança ou adolescente (art. 241 do ECA)[9]. Grifo nosso.

Dessa forma, cabe dizer que nem todos os crimes praticados pela rede mundial de computadores será de competência da Justiça Federal, como exemplo o crime de injúria, que deverá ser julgado na Justiça Estadual se não for verificada as hipóteses previstas no artigo 109, incisos IV e V da CF/88.

Ainda que os crimes sejam aqueles dispostos no ECA e praticados entre particulares (exemplo, e-mail), sem abrangência internacional ou pública, deverá ser fixada a competência da Justiça Estadual.

O caráter residual da competência estadual, portanto, ainda permanece da mesma forma, nos exatos limites do art. 109 da CF, não sofrendo qualquer alteração - até o presente momento -, em razão da verificação de delitos praticados com o uso da internet.

A escolha entre a esfera estadual e a federal é um dos pontos que apresenta mais polêmica, mas que não carecem de nenhuma alteração, exigindo apenas um pequeno exercício de hermenêutica sem que se esqueça do inarredável referencial constitucional.


Notas e Referências:

[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. p.73.

[2] VIANNA, Túlio Lima. Fundamentos de Direito Penal Informático: do acesso não autorizado a sistemas computacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.66.

[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. p.28.

[4] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2012. p.73.

[5] BRITO, Auriney. Direito Penal Informático. São Paulo: Saraiva, 2013. p.98.

[6] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Conflito de Competência. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22665236/conflito-de-competencia-cc-120999-ce-2012-0020851-7-stj/inteiro-teor-22665237>. Acesso em: 20 fev. 2017.

[7] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 628.624. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10667081> Acesso em: 20 de fev. de 2017.

[8] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 628.624. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10667081> Acesso em: 20 de fev. de 2017.

[9] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Informativo 532. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre=@COD=%270532%27> Acesso em: 20 de fev. de 2017.


Hugo Melo Falquer. . Hugo Melo Falquer é advogado. Atuante na área de Direito Penal e Direito Digital. Pós-Graduando em Direito Digital e Compliance. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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