Break on Through... To the other side

23/03/2015

Por Germano Schwartz - 23/03/2015

No ano de 2014, eu lancei uma obra que utilizava o rock brasileiro dos anos 80 do século passado para conectar as expectativas normativas da Constituição de 1988 com as Jornadas de Junho de 2013. O interessante é que a repercussão do livro se deu muito mais pelo uso do estilo musical citado do que pela análise sociológica da atual Constituição brasileira, objeto do livro em comento. Têm sido várias as palestras abordando o tema. Em muitas delas expliquei minhas intenções com bandas de rock me acompanhando. Os locais foram os mais diversos (auditórios, praças, pubs, entre outros). Finalmente, eu pude usar as camisas das bandas de que gosto (minha tríade sagrada é Purple/Rainbow/Whitesnake) ao invés de ternos nos congressos jurídicos. As reações das plateias foram as mais variadas. Nunca me esqueço, todavia, das crianças de Concórdia (SC) e de Cachoeiro do Itapemirim (ES) que, com seus pais, lá estiveram e bateram cabeça. Creio que elas terão uma relação interessante com o Direito no futuro. Boas memórias.

Não sou um best seller (um luhmanniano jamais o será) da literatura jurídica brasileira. Mas o fato é que, de alguma maneira – para mim inexplicável-, o tema tomou relevo e sua repercussão me faz chegar hoje a um campo em que eu jamais pensei ter espaço (uma coluna na internet).  Sou Germano até no nome. Meu textos são duros em seus formatos e em seus estilos. Evidente que eu só posso creditar essa aposta – temerosa, eu diria - aos laços de amizade que me unem ao Alexandre Morais da Rosa e ao Salah. Muito obrigado aos dois.

Talvez a pergunta que mais ouvi no último ano, tirando os comentários de soslaio que ouvi mencionando a respeito de minha suposta juvenil demência, foi a seguinte: “como assim, Direito & Rock?”. Ela é um congênere de uma fala de um querido ex-professor de meu Doutorado em Direito que, em aula, referiu que hoje em dia tudo se pode escrever, pois até com o rock já estão conectando o Direito. Tentarei explicar.

Jim Morrison, frontman do The Doors, escreveu a letra da música que intitula a apresentação dessa coluna. Ela é a faixa que abre o primeiro disco (The Doors) da banda californiana. Uma gravação de alta influência até os dias de hoje. O ano era o de 1967. Contracultura, subversão, puritanismo, entre outros, faziam parte de uma sociedade que se encontrava em uma encruzilhada. Era a hora ou de manter o status quo ou de romper e avançar com as mudanças sociais. Em qual direção? Para o outro lado. Break on through to the other side!

Mas que lado é esse (1) ? E o que, afinal de contas, o Direito tem a ver com o rock (2)? E, mais, por que a opção pelo rock (3) e não por outro estilo musical para se estabelecerem as conexões – todas elas, adiante-se, procurando relacionar o Direito com a sociedade - pretendidas? A resposta não é fácil. De qualquer sorte, como adiantava o Queen (I want it all.... and I want it now), um leitor ávido deseja algumas explicações antes de mergulhar nos textos.

O Direito ignora seu Dark Side of the Moon (Pink Floyd) por meio de ficções das normas hipotéticas fundamentais (Kelsen) e das regras de reconhecimento (Hart) como se vivesse em uma Matrix (1). Suas teias de argumentação e de legitimações internas promovem uma realidade que Warat de há muito referia ter profanado o sagrado no Direito. Tornam-se cúmplices do fato de o tempo da sociedade diferir em demasia do tempo do Direito (Ost).

Aliás, Warat se intitulava como um filho do Maio de 68, movimento pelo qual Jim Morrison, aquele que escreveu a letra-mote dessa primeira coluna, nutria admiração (foi em Paris que ele faleceu e está sepultado até hoje no Père Lachaise). O Direito aprisiona, segundo o maior jurista (autoproclamado) baiano-argentino de todos os tempos. Mas o que lhe liberta, libertando-nos, não se encontra, por evidência, no Direito. Contudo, a ele resta conectado.

Nesse sentido, o rock se apresenta como um fenômeno social que possui alta conexão com o Direito, seja como instrumento de contestação do status quo (normas jurídicas), seja como catalizador das ambiências sociais. Como parte do sistema da arte, possui suas próprias características e suas comunicações específicas. Tais comunicações, em grandes linhas, são de ordem subversiva, como um American Idiot (Green Day) em plena Guerra do Iraque.

A arte antecipa (Warat) e o rock é arte. Nesse sentido, o rock, assim como qualquer outra forma artística (Literatura, Pintura, Escultura) pode auxiliar a que se chegue ao outro lado da Lua, proporcionando novas formas de observação do sistema jurídico e de suas relações com os demais sistemas.

De outro lado, mas por qual razão rock e Direito (2), afinal “We fought the Law but the Law Won (The Clash)?  

As respostas, em grande parte, foram alinhadas anteriormente. Aduz-se aqui apenas um outro elemento. Das relações recíprocas entre arte e Direito exsurgem vários cenários. Um deles, a partir do rock, é típico de uma sociedade que se torna cada vez mais complexa. Dita complexidade ocorre a cada momento e é incessante. Essa característica, a complexidade, é evidenciada com maior ênfase (Habermas, Luhmann, Derrida, entre outros) em um sistema social global que se torna potencializado no segundo pós-guerra e cuja maior característica é a comunicação.

Assim, desde os anos 50 do século passado, com Elvis, Little Richard ou Jerry Lee Lewis, apenas para exemplificar alguns, passando por figuras tais como Hendrix, Janis Joplin, Robert Plant, Bono Vox, Curt Cobain, ou nosso Raul Seixas, entre outros, até chegar a figuras contemporâneas como um Marilyn Manson ou os garotos do The Ghost, o fato é que o rock se tornou um fenômeno de massa tipicamente global. Há rock cantado em qualquer língua conhecida. Depois dele, o mundo nunca mais foi o mesmo, mas sua língua corrente, a música, continua inalterada (The Song Remains the Same – Led Zeppelin): o rock.

Muito disso vem do fato de que o rock viabilizou (medium) a comunicação das expectativas sociais – correlacionadas às expectativas normativas – com os demais sistemas sociais (Direito), pois basta juntar uma guitarra, um baixo e uma bateria, com alguma pouca instrução musical (vide Sex Pistols), para se questionarem, inclusive, instituições centenárias como a monarquia inglesa (The Queen is Dead – The Smiths). É a filosofia do you too (U2), típica do rock, que alcançou aos indivíduos a autonomia nas comunicações e a possibilidade de produzir realidades para além daquela fornecida pela mídia tradicional (Castells). O rock torna provável o improvável (Luhmann): comunicar música com o Direito.

Por via de consequência, por que tentar fazer isso tudo por meio do rock (3) e não com base em outro estilo musical, como, por exemplo, a bossa nova ou a música popular brasileira? Certamente que tal intento é viável. Diga-se: o samba brasileiro, como o de Bezerra da Silva, produziria um tratado sobre as relações – e os pontos cegos – entre a sociedade brasileira e seu Direito.

A resposta vem da nascença do rock, um filho bastardo do country e do blues, segundo Keith Richards (Rolling Stones). Aquele é o canto dos pilgrim`s que vieram no Mayflower. A saudade da terra natal era superada por uma promessa jurídica: nos Estados Unidos da América todos são sujeitos de Direito enquanto na Europa isso não era verdade; este, o blues, por seu turno, é o lamento dos escravos por deixarem sua África natal, onde eram sujeitos de Direito, para morarem em uma nova terra, local em que deixariam de ter direito a ter direitos (Hannah Arendt).

Note-se: o rock nasce de promessas jurídicas cumpridas (peregrinos da América) e incumpridas (escravos). Ele é o Recht/UnRecht. A unidade da diferença. O resultado do Direito na música. Seu filho (Édipo?). Sua dualidade. Nenhum outro estilo musical possui tal DNA e por isso ele se diferencia funcionalmente dos outros. Daí, portanto, Direito e Rock!

Por fim, acaso o ponto de partida do leitor não seja, precipuamente, as ligações entre Direito e Sociedade, deixa-se, aqui, um pequeno trecho de uma música – baseada em um samba - dos Rolling Stones, dedicada a demonstrar a necessidade das unidades de diferença e da aliança com o adversário – o diabo é o pai do Rock (Raul Seixas)-. Faz-se isso para que, algum dia, tal como no caso dos movimentos sociais da contemporaneidade, esse leitor não diga: “Ninguém esperava!“ (Castells).

Pleased to meet you

Hope you guess my name....


GermanoGERMANO SCHWARTZ é Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU e Coordenador do Mestrado em Direito do Unilasalle. Bolsista Nível 2 em Produtividade e Pesquisa do CNPq. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association. Vice-Presidente da World Complexity Science Academy.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

 

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