Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos
Pelos 100 anos da Semana de Arte Moderna
Mário de Andrade esteve em Porto Velho – Ro, cidade onde vivo, e isso diz bastante sobre a ideia de brasilidade contida no movimento artístico intitulado Modernismo que muda não apenas a maneira de fazer arte no Brasil como também a maneira de nos pensar – brasileiros. A viagem do artista à Amazônia deixou traços marcantes em suas obras e corporifica algo significativo para o movimento, a busca deste Brasil profundo, desconhecido, fora do eixo, periférico, selvagem.
Há uma placa em um ponto turístico da cidade que anuncia sua passagem por ali na década de 20 munido de uma câmera Kodak registrando tudo o que era possível dado o tamanho do equipamento e o acidentado do terreno. Eu entendo Mário, moro à beira daquele rio e sob as árvores da floresta e me encanto de novo todos os dias, faço centenas de imagens e nunca é a mesma paisagem, é sempre novo o sentimento de encanto e, também, de pequenez.
Muitos ali são como eu, adotados por aquela terra, amados por ela com seus sabores e suas paisagens, repelidos pela fumaça das queimadas, pelos sucessivos ciclos exploratórios que lhe roubam as riquezas, a saúde, e um pouco da vida. Viver o Norte requer coragem e um olho treinado para ver belezas diferentes das que nos ensinou nosso passado colonial. É preciso saber admirar um dos nossos muitos brasis em estado de natureza tal qual Macunaíma.
Ao celebrar os 100 anos desta semana tão importante que desloca nosso olhar da Europa para nós mesmos, em busca de nossas belezas, nossas riquezas, nossa essência, do belo brasileiro, nosso jeitinho; que inaugura maneiras novas e possibilidades infinitas de fazer e viver arte, penso eu, uma escritora do Norte, na oportunidade bonita de estar aqui falando do que me encanta e do que vivo para vocês e isso me traz alguma inquietação.
100 anos depois, qual seria o nosso compromisso com as brasilidades, a diversidade, o Brasil fora do centro? Para além de ler o Mário, que visitou a Amazônia, que bom seria se lêssemos os autores da Amazônia. As micro histórias dentro da História que nos conta Márcio Souza, as cores com que nos pinta Milton Hatoum, o íntimo dos poemas de Pâmela Filipini, a ancestralidade na escrita de Márcia Mura, os versos de Olga Savari para falar do peculiar de nossas estações e das águas abundantes e que eu tomo emprestado aqui:
Caiçuçáua
Sempre o verão
E algum inverno
Nesta cidade sem outono
E pouca primavera
Tudo isto te vê entrar
Em mim todo inteiro
E eu em fogo vou bebendo
Todos os teus rios
Com uma insaciável sede
Que te segue às estações
No dia aceso.
Em tua água sim está meu tempo,
Meu começo. E depois nem poder ordenar:
Te acalma, minha paixão.
As águas, o rio – que comanda a vida – como diria Leandro Tocantins, são uma constante na prosa e na poesia produzidas na região Norte. Penso, nesse caminho, também na Maciary a nós contada pela pena de Hélio Rocha quando descreve “aquela comunidade humana conformadamente perdida no seio da Selva. Maciary, uma cidadezinha fincada ali na margem direita de uma das inúmeras curvas daquele rio, fervilhava e chorava”.
Trago aqui neste texto uma pequena pincelada da literatura produzida no Norte para provocá-los e para que pensemos o nosso compromisso ao celebrar o centenário da Semana de 22. Leiamos o que nos deixou Mário, um visitante da Amazônia, mas conheçamos também a escrita de seus habitantes.
Meu desejo ao celebrarmos os 100 anos da Semana de 22 é que abracemos o compromisso com a brasilidade, conheçamos os diversos brasis, que nossos olhos se debrucem sobre as leituras “fora do eixo”.
A literatura é o espaço do dizer, do ser, do conhecer e do sonhar. Nesse caminho, o meu sonho é: Conheçamos a partir de dentro. Nós, do Norte, não precisamos que ninguém nos conte – não mais.
Imagem Ilustrativa do Post: 2015 // Foto de: Jonathan Gross // Sem alterações
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