BRASIL, país da impunidade?

04/06/2016

Por Danielle Mariel Heil – 04/06/2016

É cediço que o Direito Penal é o ramo mais severo do ordenamento jurídico brasileiro, posto que o mesmo, através de suas penas privativas de liberdade, atingem um dos bens jurídicos mais importantes do homem: a sua liberdade de ir e vir. E como diria Streck “todos tem de ter igualdade ao nascer e liberdade ao viver”.

Os brasileiros costumam reclamar sobre a impunidade que assola o país e as leis pouco “duras” e rigorosas de nosso sistema jurídico. No entanto, há um contra-senso em todas essas assertivas, como declara o Ministro Barroso do STF “a população brasileira tem a percepção da impunidade, porém, no Brasil se prende muito e prende mal”.

Essa percepção dos brasileiros sobre a impunidade é de certa forma falaciosa, vejamos a seguir.

A população carcerária brasileira, conforme números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça, no mês de junho do ano de 2015, constatou que o país possui 715.655 presos. Com tais estatísticas, o Brasil passa a ter a terceira maior população carcerária do mundo, segundo dados do ICPS, sigla em inglês para Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King’s College, de Londres. As prisões domiciliares fizeram o Brasil ultrapassar a Rússia, que tem 676.400 presos[1].

O Estado de Santa Catarina conta (na data da realização da pesquisa) com 16.366 presos, sendo 30% de presos provisórios e com capacidade de vagas para até 11.589, ou seja, com um déficit de 4.777 vagas[2].

No seu discurso no XII Simpósio Nacional de Direito Constitucional da ABDConst., o referido ministro ressaltou que o país não atende as grandes demandas da sociedade brasileira, e muitas vezes acabando prendendo o rapaz com pequena quantidade de maconha.

No mais, destacou que é necessário um sistema penal igualitário para todos “o rico não pode ter imunidade para assaltar os cofres públicos”, disse Barroso, referindo-se implicitamente à Operação Lava Jato.

Segundo Marcelo Gomes Silva, é compreensível essa percepção dos brasileiros de que o nosso país e o país da impunidade, isso porque a cultura do medo que se criou em torno da criminalidade provoca um generalizado desejo de punição, uma intensa busca por repressão e obsessão por segurança, pois a lei passa a ser a “tábua de salvação” da sociedade e, quanto maior for a sua dureza, mais satisfeita ela estará[3].

De igual forma, Barroso pontua que o direito penal tem uma função relevante no Estado Democrático de Direito, mas o que muda efetivamente uma nação é a educação de seu povo. Para ele, o sistema penal é relevante, pois desestimula as pessoas de delinqüirem, por essa razão, registra que o Supremo Tribunal Federal mudou a sua jurisprudência para permitir a execução da pena após a condenação criminal em segunda instância.

Não tecendo juízos de valor sobre o entendimento do STF sobre a condenação em segunda instância, mas analisando o que se refere à desestimulação da prática de crimes com sanções rigorosas, é preciso registrar, conforme se vislumbra do Relatório Mundial dos Estados Unidos da América, que este país conta com a maior população encarcerada no mundo e, de longe, a taxa de encarceramento mais elevada. No final de 2011, 2,2 milhões de pessoas estavam presas em prisões ou cadeias para adultos[4].

Contudo, não obstante a cota de encarceramento dos Estados Unidos ser a mais elevada do mundo, isso não produz qualquer efeito significativo na redução da delinquência[5].

Daniela Almeida Bittencourt destaca acerca da ineficácia da pena capital (a sanção mais grave em qualquer regime jurídico do mundo) em reprimir os impulsos criminosos:

Em nenhum dos países que adotaram a pena capital no passado ou adotam ainda no presente, atuou ela como fator de inibição da criminalidade. O exemplo clássico desse caso é o dos Estados Unidos. Lá, apesar do espectro ameaçador da câmara de gás, da cadeira elétrica e, mais recentemente, da injeção letal, os índices de criminalidade nunca diminuíram por causa do temor supostamente inspirado pela pena de morte. Tanto assim é que vem diminuindo o número de estados que ainda insistem em mantê-la e, mesmo nestes, o número de execuções é cada vez menor. É fato cada vez mais evidente para os especialistas que o criminoso não se intimida com a severidade das penas[6]. 

No mesmo sentido, na visão de Carlos Arruda Sousa, a pena de morte não possui nenhuma comprovação científica de exercer influência efetiva na prevenção da delinquência. Ao contrário, no estado do Texas (EUA), por exemplo, verificou-se após a adoção da medida punitiva, visível incremento nos índices de criminalidade, ao passo que na França, onde a referida medida encontra-se sem vigência, a quantidade de homicídios não sofreu impacto[7].

Sousa descreve minuciosamente sobre o caráter inócuo da adoção da pena capital:

A aplicação da pena capital não é capaz de produzir queda dos índices de criminalidade, ainda que se possa contra-argumentar favoravelmente, alegando que as penas restritivas de liberdade também não logram fazê-lo; o caráter inócuo da medida no tocante à profilaxia social é flagrante. Determinados criminosos apenas obedecem a seus impulsos, simplesmente não deixarão de agir, sendo irrelevante a sanção cominada, ainda que severa, seja reclusão prolongada ou mesmo a extinção da vida. Alguns agem em virtude da atração que o risco exerce, servindo de modo contrário, a pena, como um estimulante ao delito[8].

Pois bem, se a pena mais rigorosa (pena de morte), não produz os efeitos esperados, quais sejam: redução nos índices de criminalidade de certa localidade, como se pode esperar que sanções como restrição da liberdade, multa, advertência, prestação de serviços à comunidade possam garantir tal resultado?

Para Vera Regina Pereira de Andrade, isso tudo resulta do costume da legislação brasileira em resolver os problemas sociais com o Direito Penal, ao invés do Estado assumir seu papel, fazendo cumprir a Constituição, são comuns os recursos à dogmática penal como panacéia de todos os males[9].


Notas e Referências:

[1] MONTENEGRO, Manuel. CNJ divulga dados sobre nova população carcerária brasileira. Atualizado: 12 jun. 2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira>.

[2] MONTENEGRO, Manuel. CNJ divulga dados sobre nova população carcerária brasileira. Atualizado: 12 jun. 2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira>.

[3] SILVA, Marcelo Gomes. Menoridade penal: uma visão sistêmica. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2012, p. 106.

[4] RELATÓRIO MUNDIAL DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Resumo do País. Human Rights Watch, p. 01-13, jan. 2014. Disponível em: <http://www.hrw.org/sites/default/files/rela ted_material/ US_pt%202014%2001%2004.pdf>.

[5] GARCIA, Cláudia Viana. Sanções mais duras reduzem a taxa de criminalidade? Postado em: 26 dez. 2011. Disponível em: <http://www.fatonotorio.com.br/artigos/ver/116/sancoes-mais-duras-redu zem-a-taxa-de-criminalidade>.

[6] BITTENCOURT, Daniela Almeida. Previsão Constitucional da pena de morte no Brasil e suas implicações no atual contexto global em prol dos Direitos Humanos. Postado em: 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1e747ddbea997a1b>.

[7] SOUSA, Carlos Arruda. O debate da pena de morte: seus defensores e opositores. Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 38, fev. 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com. br/site/ index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3430>.

[8] SOUSA, Carlos Arruda. O debate da pena de morte: seus defensores e opositores. Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 38, fev. 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com. br/site/ index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3430>.

[9] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 22.

SILVA, Igor Luis Pereira. Direitos Humanos, Desconstrução e Poder Judiciário. Em Simpósio, Ministro do STF defende o liberalismo econômico e a diminuição do Estado Brasileiro. Disponível em: http://www.grupoddp.com.br/Barroso-Estado-M%C3%ADnimo.php.

ABDCONST. XII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, realizado anualmente pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. LUIS ROBERTO BARROS. Palestra com o tema Constituição e Liberdade. Disponível em: http://abdconst.com.br/novo/ e http://abdconst.com.br/novo/?menu=vernoti_26056.


Danielle Heil (1). Danielle Mariel Heil é advogada, especialista em Direito Constitucional pela Fundação Educacional Damásio de Jesus, em Direito Penal e Processual Penal pela Escola do Ministério Público de Santa Catarina e em Direito Ambiental pela Verbo Jurídico. Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. .


Imagem Ilustrativa do Post: Fotos produzidas pelo Senado // Foto de: Senado Federal // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agenciasenado/15700726215

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura