Bandido bom é bandido morto!? Uma frase da década de 80 que renasce como ditado popular

07/11/2016

Por Antonio José F. de S. Pêcego – 07/11/2016

De algum tempo para cá, o que mais se lê na rede social do facebook são pessoas que defendem a máxima “Bandido bom é bandido morto!”, sem que sequer saibam a sua origem e tudo mais que representa, não parando para pensar. O pensamento (a razão) está cada vez mais automatizado, instrumentalizado em virtude da facilidade de acesso à informação diversificada que cada vez mais faz com que o conhecimento se torne generalizado, mas pouco aprofundado.  Fomentando pela tecnologia da produção, a superficialidade do saber impera nos descuidados para com o seu próprio Ser, porque só passam a dar atenção e valor a Ter.

Bandido bom é bandido morto!” foi o slogan de sucesso da campanha eleitoral utilizada por José Guilherme Godinho, o Sivuca, quando Delegado de Policia do Rio de Janeiro, para se eleger em meados da década de 80 (1986) Deputado Estadual, sendo que os postes públicos no centro do RJ tinham cartazes com esse slogan, como pude constatar pessoalmente.

O Delegado Sivuca foi da Polícia Especial, esta responsável pela guarda pessoal de Getúlio Vargas, mas com a extinção dessa polícia com a criação do Estado da Guanabara em 1960, passou com outros, como Detetive, a integrar a Polícia Civil do Novo Estado que por meio do Secretário de Segurança Pública Luís França passou a fazer parte dos “doze homens de ouro” da polícia carioca com o objetivo de “limpar a cidade”. Com a morte do Detetive Milton Le Cocq pelo famoso bandido Cara de Cavalo, criaram a Escuderia do Detetive Le Cocq que era simbolizada por uma caveira com dois ossos da tíbia cruzados por baixo, e a sigla E.M. que, na verdade, simbolizava Esquadrão Motorizado que outrora o próprio Delegado Sivuca integrou quando da Polícia Especial.

Reza à lenda que o bandido Cara de Cavalo foi morto à época (década de 60) com mais de 50 tiros, tendo entre os seus executores os policiais Sivuca e Luís Mariano, este que, de certa forma, foi nosso vizinho próximo no RJ durante anos e seu filho foi meu aluno de karatê quando comecei a dar aulas em casa no início da década de 80.

Muitos dos integrantes da Escuderia Le Cocq, que tinha como objetivo a repressão ao crime, executaram bandidos ao longo do tempo o que ocasionou passarem a ter a sigla EM, no popular, como referente a esquadrão da morte, produzindo uma imagem negativa da escuderia na época da ditadura que até hoje os seus integrantes procuram apagar.

Essa estória é uma de outras existentes sobre esses fatos, mas o que afinal pode-se afirmar que significa, na essência, o agora ditado popular “Bandido bom é bandido morto!”, em pleno Estado Democrático de Direito?

Significa grave retrocesso histórico e humano, este que se sentindo incapacitado e aviltado com tanta violência na atualidade, vê como solução a violência policial, o restabelecimento do Estado Policial, acreditando inocentemente que essa é a solução, mas isto enquanto não for vítima desse nefasto sistema alguém próximo ou parente, ou seja, enquanto for o outro, tudo bem.

Simbolicamente se está prestando segurança pública enquanto o número de criminosos aumenta, afinal matar alguém sem que esteja acobertado por uma norma penal permissiva, torna o assassino um outro bandido que cegamente e de forma paradoxal passa a se ter, implicitamente, como “bandido bom”, num ciclo de “bondade” que não tem fim, afinal se violência gera violência, não se pode combate-la racionalmente com o que a incrementa, sob pena de continuarmos a tratar só dos efeitos e não das causas de forma interminável, como o próprio sistema alimenta.

O Mapa da violência aponta a morte de 42.000 (quarenta e duas mil) pessoas em 2015 por arma de fogo[1], o que dá uma média um pouco superior a 115 mortes por dia, sem computarmos as mortes com facas e outros instrumentos, afinal, quem mata é o homem com a utilização de diversos objetos. Noticia-se agora, que em 2016, já se ultrapassou o recorde de 59.627 homicídios de 2014.[2]

Esses dados estatísticos aliados ao fato noticiado pelo CNJ que em 2014 tínhamos uma população carcerária de 711.463 presos, atrás apenas da China e dos EUA, desses, cerca de 42% composto de presos provisórios, nos faz pensar que é uma grande falácia se dizer: 1) que o Brasil é o país da impunidade; 2) que mais mortes de bandidos solucionam o problema da criminalidade; 3) que novas tipificações de crimes, inclusive os denominados hediondos e penas privativa de liberdade mais altas, amenizam ou solucionam a alta criminalidade; 4) que a prisão é a solução.

A solução está numa nova, séria e mais humana política criminal e prisional que possam tentar justificar a pena de prisão em pleno século XXI, esta que, nessa qualidade – pena de prisão - surgiu em meados do século XIX e logo se viu se tratar de um sistema falido em que o Estado exclui do convívio social, colocando em ambientes insalubres, desprovidos de higiene, pessoas amontoadas em depósitos para tentar sobreviver, retribuindo o mal não só com a falta de liberdade, mas também com a falta de humanidade, uma vez que a palavra de ordem é pena privativa de liberdade que cada vez mais se torna definitiva aquela que deveria ser provisória, portanto, a exceção, num sistema que é custeado por todos nós para um dia saírem os excluídos dos porões, outrora da ditadura, pior do que entraram.

Depois disso tudo que colocamos acima, vc ainda acredita que “bandido bom é bandido morto!?”. Se ainda advoga esse malfadado ditado popular, como fica o bandido ruim?? Como fica o bandido que mata “bandido bom”? Seria um salvador, um justiceiro? É isso que realmente queremos? E se amanhã ou depois esta ação estiver batendo à sua porta, como reagirá? Continuará a favor dessa prática? Quem, afinal é “bandido bom”, o que mata ou o que morre? Existe bandido bom ou ruim, ou apenas pessoas que ocasionalmente ou reiteradamente violam as regras do livro?

A responsabilidade é toda do Estado que é omisso com a questão desde o século retrasado e se preocupa apenas em maquiar a realidade sobre aquele que cada vez mais tem a razão instrumentalizada e passa a ser massa de manobra de muitos que têm interesses inconfessáveis. O sistema é desumano, mas não podemos esquecer a razão de existir do Estado e a nossa essência para não nos tornarmos cidadãos servos.


Notas e Referências:

[1] Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2015/05/13/mapa-da-violencia-2015_n_7276494.html>. Acesso em: 04 nov. 2016.

[2] Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/mapa-da-violencia-2016-mostra-recorde-de-homicidios-no-brasil-18931627>.  Acesso em: 04 nov. 2016.


Antonio José PêcegoAntonio José F. de S. Pêcego é Mestre em Direito pela UNAERP. Especialista em Ciências Penais pela UNIDERP/REDE LFG. Especialista em Direito Público pela PUCMG. Graduando em Filosofia pela UFU. Professor da Graduação e Pós-Graduação em Direito. Diretor de Comunicação do ICP (2014/2016). Pesquisador junto ao Grupo Modernas Tendências do Sistema Criminal do Prof. Dr. Paulo Cesar Busato (FAE/CNPq). Juiz de Direito de Entrância Especial do TJMG. Email: antoniopecego@hotmail.com


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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