AUSÊNCIA DE LAUDO PSIQUIÁTRICO EM EXAME CRIMINOLÓGICO

22/11/2018

 

Muito se tem discutido, em sede de execução penal, sobre a necessidade de elaboração de exame criminológico no sentenciado como ferramenta à disposição do magistrado para a análise dos requisitos necessários para a obtenção de diversos benefícios durante o cumprimento de pena.

Tem se discutido, ainda, se o exame criminológico vincularia a decisão do magistrado e, inclusive, se o referido exame poderia ser elaborado apenas por psicólogos, sem a participação de médico psiquiatra. Alguns sustentam, inclusive, que o exame criminológico somente poderia ser feito por psiquiatras, que teriam melhores condições de aferir a viabilidade subjetiva de concessão de benefícios ao condenado em sede de execução penal.

O exame criminológico vem referido na Lei nº 7.210/84 – Lei de Execução Penal, que, em seu artigo 8º, dispõe que “o condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução”. Esse é o chamado Exame Criminológico de Classificação.

A partir da sistemática instituída pela Lei de Execução Penal, visando o atendimento do direito constitucional à individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF) e lastreada no paradigma ressocializatório, os condenados devem ser classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

Essa classificação deve ser feita por Comissão Técnica de Classificação, incumbida de elaborar o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório. A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, deve ser presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade. A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá entrevistar pessoas, requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do condenado e realizar outras diligências e exames necessários.

Outra referência ao exame criminológico era feita no art. 112 da Lei de Execução Penal que, em sua antiga redação, estabelecia que a decisão do juiz deveria ser motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.

O art. 112 da Lei de Execução Penal, entretanto, passou a ter nova redação dada pela Lei nº 10.792/03, sendo abolido o exame criminológico como requisito para a progressão de regime prisional.

Assim, do ponto de vista estritamente legal, para a progressão de regime prisional, ante a nova redação do art. 112, bastaria ter o condenado cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento penitenciário.

Entretanto, subsistia, no meio forense, o anseio de dar ao juiz de execução um respaldo técnico-científico para avaliar as condições subjetivas do condenado no momento da concessão de alguns benefícios penais, mormente a progressão de regime.

Assim foi que o Supremo Tribunal Federal, após muitas ponderações jurídicas e muitos questionamentos jurisprudenciais, editou a Súmula Vinculante 26, tornando o exame criminológico facultativo, podendo o magistrado, a seu prudente arbítrio e fundamentadamente, determiná-lo para melhor aferir o requisito subjetivo (mérito para a progressão) do condenado. No mesmo sentido a Súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça, admitindo “o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.”

Portanto, com os referidos entendimentos sumulados das Cortes Superiores, voltou o exame criminológico ao seu protagonismo anterior.

De outra banda, vale mencionar a resistência de parcela significativa dos psicólogos em realizar o Exame Criminológico nos condenados, bastando, para tanto, verificar toda a polêmica que envolveu a edição e posterior suspensão, inclusive por decisão judicial, das Resoluções 009/2010 e 012/2011 do Conselho Federal de Psicologia.

Nesse sentido, como bem pontuam Jefferson Cruz Reishoffer e Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, em primoroso trabalho intitulado “Exame Criminológico e psicologia: crise e manutenção da disciplina carcerária” (in Revista de Psicologia, v. 29, n. 1, p. 34-44, jan.-abr. 2017), “Os magistrados, no exato momento em que solicitam a realização de um exame criminológico com intenção de obter subsídios para suas decisões, ou depositam uma crença hipócrita na eficácia da prisão como instrumento de ressocialização ou apostam em seu total fracasso e inutilidade aguardando que o sujeito tenha se regenerado a despeito das condições impostas pelo Estado. Ao juiz importa estar amparado por alguma técnica ou ciência específica que possa assegurar que o preso realmente ‘ressocializou-se’, que as situações que o levaram a delinquir foram circunstancias ou que sua personalidade possa ter sido modificada com a experiência do cárcere (pela reflexão, pelo sofrimento, pela intimidação, pela disciplina – e, quem sabe, pelas práticas de tortura). Bem como, no caso de um parecer negativo, que estejam comprovadas por um olhar especializado que o sentenciado não apresentou o mérito de progredir para um regime mais brando, seja por atos de indisciplina institucional, seja por seus antecedentes de reincidência, seja pela manutenção de certo status criminoso ou por sua suposta periculosidade.”

Mas o questionamento primordial, que é o ponto de análise central do presente artigo, diz respeito à validade do exame criminológico elaborado apenas por psicólogos, havendo inúmeras decisões de tribunais do País infirmado a validade de exames feitos sem a participação de um médico psiquiatra.

O Superior Tribunal de Justiça, em diversos precedentes, pacificou a questão, entendendo ser plenamente válido o exame criminológico elaborado apenas por psicólogos, inexistindo qualquer vício pela ausência de médico psiquiatra na elaboração do laudo.

A propósito, no AgRg no HC 440208, relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, publicado no DJe em 11.10.2018, assim ficou decidido: “é cediço nesta Corte Superior de  Justiça a possibilidade de que psicólogo nomeado pelo Juízo ateste a ausência do requisito  subjetivo do reeducando, pois o exame criminológico é dispensável e, quando elaborado,   ainda que  por referido profissional, representa um elemento no conjunto probatório apto a formar a convicção do Juízo. Portanto inexiste qualquer vício pela ausência de médico psiquiatra a atestar o exame criminológico”.

Também no AgRg no HC 451804, relator Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, publicado no DJe em 25.09.2018, foi decidido que “a elaboração do laudo criminológico por psiquiatra, psicólogo ou

assistente psicossocial não traz qualquer mácula ou ilegalidade à decisão que indeferiu a  progressão de regime com base em tal documento, mormente porque qualquer destes  profissionais está habilitado a realizar perícia técnica compatível com o que se busca saber para a concessão do benefício de progressão de regime.”

No mesmo diapasão a decisão proferida no HC 429590/MS, relator Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, publicado no DJe em 23.06.2018, no sentido de que “é cediço nesta Corte Superior de Justiça a possibilidade de que psicólogo nomeado pelo Juízo ateste a ausência do  requisito subjetivo do reeducando, pois o exame criminológico é dispensável e, quando elaborado, ainda que por psicólogo, representa um elemento do conjunto probatório apto a  formar a convicção do Juízo. Portanto inexiste qualquer vício pela ausência de médico psiquiatra a atestar o exame criminológico.”

Portanto, em conclusão, é plenamente válido o exame elaborado apenas por psicólogos, tendo o Superior Tribunal de Justiça entendido que a ausência de laudo psiquiátrico em exame criminológico não é causa de nulidade da perícia e da decisão que indeferiu benefício em sede de execução, sendo o bastante para subsidiar a decisão do juiz singular quanto ao mérito  do  sentenciado as avaliações psicológicas e os laudos de assistente social porventura existentes,  que também são consideradas perícias oficiais. Exige-se, entretanto, que a manifestação do juiz de execução esteja devidamente fundamentada em elementos concretos constantes dos autos.

 

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