Por Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes – 06/05/2016
“Se você quer brigar E acha que com isso estou sofrendo Se enganou, meu bem Pode vir quente que eu estou fervendo”
O Código de Processo Civil de 2015 inova aos trazer no capítulo dos procedimentos especiais a previsão das Ações de Família. O artigo 693 da referida lei dispõe que são aplicadas as regras especiais para os processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Tal rol é exemplificativo, há a possibilidade de outros processos serem submetidos a este procedimento, como é o caso da ação de investigação de paternidade, ação negatória de paternidade, ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva, entre outras.
Para estes casos, diz o legislador, que “todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação”. Com o fito de alcançar a solução consensual do conflito será designada audiência de mediação e conciliação, que poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias. Em outro momento já escrevi acerca da mediação nas ações de família (veja aqui). Como entusiasta do Novo Código de Processo Civil vejo na mediação uma tentativa de verdadeira solução de um conflito que, por muitas vezes, pouco tem de jurídico. A possibilidade de as partes conversarem, falarem do que as aflige em um ambiente neutro, mediadas por profissional habilitado para tal fim, pode ser o início da cura para algo que nenhuma sentença de mérito pode sarar.
O processo de mediação visa promover o diálogo entre as partes, propiciar a escuta diferenciada dos pontos de vista e razões da outra parte, num ambiente de respeito, levando à conscientização do realismo das próprias exigências. Tal conscientização gera responsabilidade, aumentando o compromisso com o acordo. Leva os envolvidos na disputa a saírem do círculo vicioso de vítima e bandido, da busca de culpados, e envolverem-se na tarefa de encontrar soluções, criando alternativas e chegando a acordos criativos para satisfazer as necessidades de todos os envolvidos no processo. Do padrão adversarial, no qual para que um ganhe é necessário que o outro perca, passa-se a um padrão cooperativo, no qual todos saem ganhando, ou seja, de uma negociação distributiva, de ganhar X perder, passa-se a uma negociação integradora, de ganhar X ganhar.[1]
Mas, e se as partes não quiserem conversar? E se as partes não quiserem mediar?
Para as ações de procedimento comum, o legislador instituiu audiência de mediação e conciliação obrigatória (art. 334). A audiência não será realizada somente no caso de ambas as partes manifestarem, EXPRESSAMENTE, desinteresse na composição consensual.
Ao tratar das ações de família e a audiência de mediação e conciliação que nelas ocorrerá, o legislador não previu a possibilidade de não ocorrência. Ou seja, ao contrário do que foi previsto nas ações de procedimento comum, nas ações de família, não há previsão de as partes manifestarem o desinteresse na mediação. Assim, nas ações de família a audiência de mediação é obrigatória, não havendo possibilidade de as partes se manifestarem em sentido contrário.
Importante ressaltar que o não comparecimento injustificado em audiência de mediação é considerado ato atentatório a dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
Ao impor a audiência de mediação às partes envolvidas no conflito o legislador acabou por ferir princípio básico da Mediação. Entre os princípios embasadores da Mediação encontra-se o Princípio do Consensualismo Processual. Por este princípio se estabelece que somente deve haver mediação se as partes consentirem espontaneamente com esse processo. É elemento fundamental à autocomposição: autonomia de vontades ou consensualismo processual.
Portanto, para mediar deve haver interesse das partes. Não pode o legislador impor, como se pai autoritário fosse, que as partes se apresentem coagidas para dar um abraço forçado no irmão depois da briga. Abraça senão vai pagar multa!, diz o pai (juiz).
Notas e Referências:
[1] PADILHA, Rosemary Damaso. Mediação sistêmico-integrativa: família e escola construindo uma cultura de paz. Curitiba: Amanapaz, 2004.
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Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes é graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2002) e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Doutoranda pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente é professora do Instituto Catarinense de Pós Graduação, advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e professora da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
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