Até quando a sociedade apoiará o genocídio da periferia?

04/01/2016

Por Thiago M. Minagé - 04/01/2016

Quem nunca ouviu a expressão preso cheira como um preso? Eis o slogan das penitenciárias na América. Humilhar, encarcerar para fazer mal, punir por punir. Mas quando o público se dá conta do custo financeiro desse teatro do sofrimento penal, já não fica mais seguro em deseja-lo.

Estamos, na verdade, imersos naquilo que chamamos de verdadeira crise do penal contemporâneo, e não sairemos dela sem nos engajarmos em uma reflexão de fundo político, no sentido nobre do termo, sem freios nem tabus, sobre o sentido da pena, e, portanto, do encarceramento.

Os objetivos da implantação de penas privativas de liberdade em larga escala no Brasil e os afetados por essa medida são claros: a criminalização marginal é política de Estado e atua como componente gestor da pobreza não só no Estado brasileiro, mas na grande maioria dos Estados neoliberais, em especial em países periféricos.

Suas consequências podem ser positivas para uma elite minoritária, uma vez que mantém o status quo da distribuição do poder e reafirmam sua hegemonia, no entanto, para a grande maioria da população, criminalizada, os efeitos são devastadores.

Hoje, vemos um Estado de polícia que mata mais do que impede mortes. Como afirma Zaffaroni, vivemos um genocídio em marcha: matamos muito em nome de poucas vidas e danificamos psicológica e fisicamente centenas de milhares – em sua grande maioria, jovens, negros, pobres.

Uma nova concepção do sistema penal e da política de encarceramento precisa ser delineada para que o Estado passe a realmente tutelar toda a sua população e cumpra com o seu dever de garantir direitos de forma igualitária. A produção e perpetuação da miséria e da desigualdade social geram transtornos gravíssimos à ordem social que não podem ser combatidos com políticas imediatistas que nada resolvem esses problemas, pelo contrário[1].

Como sugere Nilo Batista, precisamos ter como premissa o fracasso histórico da prisão em suas funções de controle de criminalidade e reinserção e porque não, verdadeira inserção pela primeira vez, dos que praticam atos criminalizados na ordem social. Há de se fazer uma batalha cultural e ideológica por uma consciência alternativa no campo das condutas desviantes e da criminalidade, invertendo-se, assim, as relações da hegemonia cultural com um trabalho de crítica ideológica e produção da informação[2].

É necessário analisar os impactos sociais da intensa criminalização seletiva e caminhar objetivando o fim do encarceramento, é preciso um pensamento abolicionista que dê cidadania àqueles que estão às margens do poder, que lhes faça ter direitos.

E, se o fim deve ser a abolição, podemos tomar os ensinamentos de Zaffaroni para constituir o meio[3]: descriminalizar certas condutas, avaliando os benefícios de políticas tão violentas de Estado (como a guerra as drogas) e seus custos materiais e humanos, despenalizar certo delitos ao invés de majorar suas penas, alcançar penas não punitivas, e intervir minimamente.

O extermínio periférico a cada dia cresce, periodicamente nos deparamos com pedidos de maior rigor e manutenção da ordem, desde que não afete a classe proponente, eis que, a prática de um crime sempre será repudiada, lógico, quando o outro for o autor da conduta.


Notas e Referências:

[1] WACQUANT, L. Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

[2] BATISTA, N. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

[3] ZAFFARONI, E., PIERANGELI, J. Manual de Direito Penal Brasileiro, Volume I  Parte Geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.


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Thiago M. Minagé é Doutorando e Mestre em Direito. Professor de Penal da UFRJ/FND. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor de Penal e Processo Penal na Graduação e Pós Graduação da UNESA. Advogado Criminalista.

E-mail: thiagominage@hotmail.com


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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