ASSÉDIO SEXUAL DE PROFESSOR CONTRA ALUNO CONSTITUI CRIME?

14/11/2019

 

Em recente decisão proferida nos autos do Recurso Especial nº 1.759.135/SP, da relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a configuração do delito de assédio sexual na relação entre professor e aluno, reacendendo o debate sobre a matéria. Relator para o acórdão foi o Ministro Rogério Schietti Cruz.

O crime de assédio sexual vem tipificado no art. 216-A do Código Penal, tendo sido introduzido pela Lei nº 10.224/01. A objetividade jurídica desse crime é a tutela da liberdade sexual da pessoa, protegendo a norma, secundariamente, a honra, a liberdade e a autodeterminação no trabalho.

Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que tenha a condição de superior hierárquico ou ascendência sobre a vítima. Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que reúna a qualidade de inferior hierárquico (subordinado) ou sujeito a ascendência do agente.

Trata-se, portanto, de crime bipróprio, que exige uma qualidade pessoal tanto do sujeito ativo quanto do sujeito passivo.

Evidentemente que, pela cristalina redação do tipo penal, a superioridade hierárquica ou ascendência do sujeito ativo sobre o sujeito passivo, nas relações laborais de direito público (cargo ou função) ou privado (emprego), é imprescindível para a caracterização do crime de assédio sexual.

Portanto, respeitadas as posições em contrário, sempre entendemos que só existe o crime de assédio sexual nas relações laborais, uma vez que foi vetado, pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o parágrafo único do art. 216-A, que tratava do assédio sexual nas relações familiares, domésticas, proveniente de coabitação, de hospitalidade e com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério.

Notável parcela da doutrina penal brasileira entende que a relação entre professor e aluno não se insere no âmbito laboral, seja de direito público ou de direito privado, daí porque não haveria que se falar em assédio sexual de professor contra aluno, devendo eventual importunação de cunho sexual praticada pelo primeiro contra o segundo ser enquadrada em outros tipos penais, como a importunação sexual (art. 215-A do CP), o constrangimento ilegal (art. 146 do CP) ou mesmo a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 do Dec.-lei nº 3.688/41), podendo, inclusive, configurar infrações penais mais graves, a depender da intensidade do acossamento ou do emprego de violência ou grave ameaça.

Evidentemente que ascendência no âmbito laboral, no âmbito do emprego ou até mesmo da função, existe entre a instituição de ensino e o professor, mas nunca entre o professor e o aluno.

Segundo a ementa do acórdão proferido no citado Recurso Especial do STJ, “insere-se no tipo penal de assédio sexual a conduta de professor que, em ambiente de sala de aula, aproxima-se de aluna e, com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, toca partes de seu corpo (barriga e seios), por ser propósito do legislador penal punir aquele que se prevalece de sua autoridade moral e intelectual - dado que o docente naturalmente suscita reverência e vulnerabilidade e, não raro, alcança autoridade paternal – para auferir a vantagem de natureza sexual, pois o vínculo de confiança e admiração criado entre aluno e mestre implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa constrangida. É patente a aludida "ascendência", em  virtude  da "função" desempenhada pelo recorrente - também elemento normativo do tipo, devido à atribuição que tem o professor de interferir diretamente na avaliação  e  no  desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera, inclusive, o  receio da reprovação. Logo, a "ascendência" constante do tipo penal objeto deste recurso não deve se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Interpretação teleológica que se dá ao texto legal.”

Lamentavelmente, o venerando acórdão envereda por divagações sem qualquer nexo com o caso concreto e com a discussão científica que o caso enseja, fundamentando-se em argumentos questionáveis do ponto de vista jurídico, como “notório propósito do legislador de punir aquele que se prevalece da condição como a narrada dos autos para obter vantagem de natureza sexual”, além de, a final, negar provimento ao recurso do professor “com o escopo de proteger uma situação, lamentavelmente, comum no dia a dia de estudantes em diversos estabelecimentos de ensino no país.”

Entretanto, a nossa posição vai ao encontro do voto vencido do ilustre relator Ministro Sebastião Reis Júnior, que, com propriedade e lançando mão de argumentos sólidos e calcados na estrita interpretação da lei, deixou claro que é “impossível reconhecer a configuração do delito de assédio sexual na relação entre professor e aluno, uma vez que o vínculo de ascendência existente entre eles não se mostra inerente ao exercício de emprego, cargo ou função.”

É importante ressaltar que não se está aqui a abonar ou de qualquer modo legitimar ou justificar a conduta abjeta e reprovável de um professor que assedia aluno.

O que não se pode tolerar, a nosso ver, com o devido respeito aos digníssimos ministros do Superior Tribunal de Justiça, é o desenfreado ativismo judicial que tem se verificado no Brasil atualmente, em que as Cortes Superiores, a pretexto de conferir “interpretação teleológica ao texto legal” (como constou do venerando acórdão), ressuscitam nefasta e incabível analogia “in mallam partem”, com interpretações perigosamente extensivas do tipo penal, isso quando não “criam” tipos penais (ao arrepio do Direito Penal mínimo), criminalizando condutas não consideradas típicas pela lei, usurpando atribuição do Poder Legislativo e deslegitimando e desprestigiando o parlamento que, democraticamente, é mandatário do povo e dos anseios legítimos da sociedade.

 

 

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