Introdução[1]
Não é redundante ou demasiado errado dizer que o mundo é dos economistas. Desde o âmbito local até o universo global, tudo é econômico ou tudo é mensurado pela ou para economia. Embora a afirmação seja uma verdade (mesmo que relativa), o debate econômico é unilateral e acadêmico. É unilateral por que retrata apenas a perspectiva do mercado (um dos componentes dos fatores reais de poder que governam as relações políticas, legislativas e judiciárias) e é acadêmico pelo fato de que é inalcançável (em sua interpretação e compreensão) pela maior parte de toda a população, mesmo para a parcela com educação em nível de graduação.
Os Seres Humanos e o planeta estão submetidos ao horror econômico[2] que, a partir da lógica do neoliberalismo e da globalização, despreza as políticas sociais e aproxima a humanidade de um verdadeiro holocausto; responsável pela geração de uma massa de trabalhadores desempregados e excluídos.
O horror econômico, inicialmente consumptivo dos direitos sociais e trabalhistas, em um dado pais ou região do globo, agora, amplificado, passou a operacionalizar o meio ambiente e a ecologia, justificando a opção pelo desenvolvimento econômico através da preferência por valorar o Produto Interno Bruto – PIB no lugar da natureza.
A escolha do PIB, no lugar da natureza, é plenamente justificada pela concepção da economia neoclássica, que retrata a economia como um sistema fechado (independente), envolvendo apenas produtores e consumidores, e considerando a natureza com um “ser” externo ao sistema (uma externalidade). A concepção neoclássica, quando aplicada ao meio ambiente, é devastadora, uma vez que desconsidera o bem-estar humano e a importância do planejamento sustentável.
O presente artigo apresentará os aspectos gerais da economia aplicada ao meio ambiente a partir dos conceitos de microeconomia, de macroeconomia, de economia ambiental e de economia ecológica.
Microeconomia versus macroeconomia.
Para compreender a dinâmica da economia no meio ambiente é elementar apreender, mesmo que de forma rasa, a aplicação dos conceitos de micro e macroeconomia.
A microeconomia (ou a teoria dos preços) é o estudo do comportamento econômico tomado em consideração o indivíduo, sem incluir na análise o conjunto geral da economia. Trata-se, na prática da análise da formação de preços no mercado a partir da verificação da interação ocorrida no universo das relações de consumo (sociedade empresária e consumidor). A microeconomia alcança o estudo da formação do preço e os fatores que induzem a produção, considerando (a) o consumidor, (b) a sociedade empresária e, (c) a produção.
A macroeconomia, por sua vez, inverte o ângulo da análise, tomando em consideração os fatores do sistema econômico de uma região ou país com o objetivo de estudar (a) o desenvolvimento do crescimento econômico, (b) a geração de empregos, (c) a redução da inflação, (d) o comercio internacional e (e) a estabilidade de preços. Portanto, os estudos relacionados com a macroeconomia estão voltados para a análise da renda e dos produtos produzidos em um território ou pais, ou seja, com o Produto Interno Bruto – PIB.
O PIB é um sistema de medição de atividade econômica geral de um país, baseado no (i) valor adicionado aos bens e serviços produzidos sobre um determinado período e (ii) na renda gerada ou (iii) nas despesas realizadas pelos atores econômicos em um pais (Valor adicionado é igual ao Valor mercado menos o valor de produção). Foi uma medida elaborada nos anos 30 por Simon Kuznets para permitir a aferição do impacto de medidas contra cíclicas no período de depressão. Atualmente, em razão da preocupação da economia convencional com o crescimento e a maximização do consumo, passou a ser utilizado como sinônimo de medida de estar da população.
Ocorre, entretanto, que o PIB não é uma medida de bem-estar, pois, (a) considera apenas as transações ocorridas no mercado formal e, portanto, com valor monetário e valoradas pelos preços vigentes no mercado, excluindo as transações econômicas informais; (b) contabiliza como positivo transações que diminuem ou refletem queda do bem-estar da sociedade, como os gastos com cigarros ou acidentes de transito e, (c) ignora na conta ambiental e de bem-estar os custos da degradação ambiental e da depleção dos recursos naturais
A economia ambiental versus a econômica ecológica.
A aproximação da economia com o meio ambiente ocorreu, resumidamente, em razão do fator poluição (aumento da poluição e as consequências da impropriedade da poluição para a saúde humana e para a fauna e flora); do fator preço do petróleo (debate sobre o recurso mineral, a sua finitude e a dependência da indústria) e do fator crescimento econômico versus sustentabilidade (discussão acerca dos limites dos recursos ambientais e a voracidade do mercado).
A ciência econômica começou a retratar o problema ambiental sob dois enfoques distintos. Inicialmente, a preocupação ambiental foi estudada por meio da disciplina de economia ambiental. A disciplina introduziu, a partir da perspectiva da finitude (escassez) dos recursos naturais, teorias e modelos de mensuração do capital natural para criar indicadores capazes (a) de maximizar o valor dos recursos naturais, (b) de verificar de forma detalhada os efeitos da exploração ambiental e (c) de gerar índices capazes de manter/justificar o desenvolvimento/crescimento econômico sustentável.
Ballestero[3], sustentando a aplicação da teoria econômica clássica, explica que a economia ambiental atua sobre o nível (a) macroeconômico, enfatizando o desenvolvimento ambiental e social, com proteção dos recursos naturais e o desenvolvimento de tecnologias para promover a substituição do capital natural; no nível setorial (empresarial), considerando que no universo internacional a competitividade das empresas perpassa pelas questões ambientais, incluindo gastos com sustentabilidade; no nível microeconômico, com a utilização de regras como a do poluidor pagador e no nível global, com vistas a evitar os desastres ambientais.
Para a economia ambiental, de matriz neoclássica, o meio ambiente não é valorizado pelas condições e qualidades intrínsecas, mas sim pelo valor econômico (pelo dinheiro) e, os recursos naturais, compreendidos como fontes inesgotáveis, disponíveis e utilizáveis segundo às necessidades do mercado. Portanto, segundo a concepção de economia ambiental, é possível manter o crescimento econômico sustentável, não havendo qualquer possibilidade de limitação ou condicionamento do crescimento econômico em razão dos recursos naturais ou os estoques de recursos naturais não são considerados fisicamente (escassez, redução ou mesmo da extinção).
Já a economia ecológica, diferentemente, busca o bem-estar humano por meio do seu desenvolvimento. Embora a economia ecológica considere os elementos da economia ambiental, diferencia-se desta (a) pela condição ética, afastando-se da visão antropocêntrica e (b) pela radicalidade na sustentação da ideia de crescimento econômico zero em benefício do meio ambiente.
Assim, no artigo de ROMEIRO, Ademar Ribeiro. SAES, Beatriz Machione. AGGIO, Gustavo. ANDRADE, Daniel Caixeta e GARCIA, Junior Ruiz [4] há uma simbiose entre o estudo da economia ecológica e com a visão econômica da macroeconomia ecológica, tratando-se de uma investigação que considera o ponto de vista qualitativo e quantitativo; as perspectivas teóricas e práticas (políticas) de compatibilizar o metabolismo socioeconômico com a escala sustentável do sistema ecológico em nível global.
Os autores (pg. 235) explicam que desde a perspectiva teórica de Peter Victor e Tim Jackson, a visão neoclássica da econômica mostrou-se insuficiente para garantir a sustentabilidade sócio, ambiental e econômica, notadamente em razão do crescimento haver se mostrado insuficiente para proporcionar prosperidade para a sociedade, em parte pelo simples fato de que os benefícios do crescimento estariam sendo distribuídos de maneira desigual e os custos, especialmente os custos sociais e ambientais estariam sendo ignorados.
Ainda, segundo os autores (pg. 235), a análise macroeconômica ambiental resulta na constatação de que a realidade global é desigual e que a busca da prosperidade social ampla encontra limites ecológicos e exige a revisão do conceito de prosperidade, atualmente, vinculado a ideia de consumo material – haverá prosperidade quanto maior for o nível de consumo de bens, produtos e serviços.
A partir de Jackson, os autores (pg. 236) apresentam uma tentativa de revisão do conceito de prosperidade desvinculada da ideia de consumo material. Explicam que a ideia de referência é vincular ao bem-estar humano ao consumo de produtos tangíveis à sobrevivência física (alimentos) e intangíveis à sobrevivência cultural (educação). Retratam que a transição para a macroeconomia sustentável seria factível, desde que certas e determinas condições; tais como estabilização da produção material/energética e do emprego.
Dessa forma, Jackson desenvolveu um modelo teórico de transição para uma sociedade sustentável, na perspectiva macroeconômica, que passaria por três fases e três ações, a saber:
1ª Fase: constrição de uma macroeconomia sustentável.
Ações da 1º fase:
- Desenvolver a capacidade macroeconômica;
- Investir em infraestrutura e ativos públicos,
- Aumentar a prudência financeira e fiscal;
- Reformar a contabilidade macroeconômica.
2ª Fase: Proteger a capacidade para a prosperidade.
Ações da 2ª fase:
- Compartilhar o trabalho disponível para melhorar o balanço entre o trabalho e o lazer;
- Enfrentar a desigualdade sistêmica;
- Mensurar a capacidade e a prosperidade;
- Fortalecer o capital humano e social;
- Reverter a cultura do consumismo.
3ª Fase: Respeitar os limites ecológicos do planeta.
Ações da 3ª fase:
- Impor limites para o uso dos recursos naturais (extrações);
- Implementar uma reforma fiscal para a sustentabilidade;
- Promover a transferência tecnológica e proteção dos ecossistemas na esfera internacional.
Conclusão.
É possível concluir, dentro dos limites do presente ensaio, que o mundo precisa da economia, porém, não da economia neoclássica apenas; precisa de uma ciência econômica que seja capaz de dialogar com a sociedade e de colaborar para a transição de uma economia ambiental para uma economia ecológica.
Restou demonstrado que a economia ambiental e a microeconômica não respondem adequadamente aos problemas ambiental e, ainda, que a análise de bem-estar de uma sociedade não pode ser medida pelo Produto Interno Bruto.
O texto caracterizou, por fim, que para alcançar a sustentabilidade global é necessária certa radicalidade nas ações relacionadas com o crescimento econômico e com o conceito de prosperidade, enfatizando a urgente reversão da posição antropocêntrica da sociedade em relação ao meio ambiente; implementando, em especial nos países desenvolvidos, a ideia de crescimento econômico zero e dissociando prosperidade de consumo, em razão de serem conceitos distintos.
Notas e Referências
[1] Artigo escrito a partir das provocações oriundas da disciplina economia e política de recursos naturais e meio ambiente, ministrada pelo Professor Peter H. May, no programa de pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
[2] FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo. Ed. Universidade Paulista, 1997.
[3] BALLESTERO, M,H. Economía ambiental y economia ecológica: um balance crítico de su relación.Economía y Sociedad. Costa Rica, V. 13, n. 33-34, p. 55-65, dez. 2008. Disponível em: Acesso em: 10 maio 2018.
[4]MAY, Peter H. Economia do meio ambiente: teoria e prática. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevir, 2018.
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