Aspectos destacados da teoria da argumentação jurídica aplicados no Tribunal do Júri - Por Alexandre Carrinho Muniz

06/10/2016

Por Alexandre Carrinho Muniz – 06/10/2016

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo conciliar determinados aspectos da teoria da argumentação jurídica com a instituição do Tribunal do Júri.

O Tribunal do Júri é o único momento em que um cidadão passa a fazer parte (ainda que efêmera) do Poder Judiciário, exercendo os poderes de julgar, tendo suas decisões maior legitimidade social, aproximando cidadão e poder.

No plenário, quando os jurados se encontram presentes, deflagram-se os debates entre a acusação e defesa, com possível uso da réplica e tréplica, permitindo, assim, a dialeticidade na argumentação, que ocorre, também, nos apartes.

Assim, muitos dos aspectos da argumentação jurídica – que, por óbvio, não se serve apenas para isso, mas também – são aplicados no plenário.

Os argumentos expostos no Tribunal do Júri objetivam convencer terceiros – os jurados – a acolher o raciocínio do orador e, não raras vezes, desconstruir os argumentos do oponente de forma até mesmo de desestimulá-lo a sustentar determinada tese, no todo ou em parte.

Balizados nos vários conceitos que Manuel Atienza[1] nos apresenta, além de outros juristas, a ideia é analisar argumentação jurídica destinada a aplicar normas jurídicas à solução de casos concretos, cujos problemas a serem resolvidos por órgãos judiciais são concernentes a fatos ou ao Direito (nos casos de problemas de interpretação).

Se o objetivo da argumentação jurídica é a resolução de problemas (no nosso caso concretos), por meio de métodos e racionalização, fixando premissas necessárias a uma conclusão e respectiva inferência, sua aplicação é perfeitamente compatível com o objetivo de persuasão dos jurados quanto à tese sustentada.

Dentre as concepções de argumentação jurídica existentes, interessa-nos a pragmática, considerando a pertinência entre ela e o instituto do Tribunal do Júri, com o uso da retórica ou dialética, a depender de quem e para quem se argumenta (orador-auditório e proponente-oponente).

Assim, num primeiro plano, os aspectos gerais – alguns deles, como dito alhures – da argumentação jurídica é que serão alvos de uma breve análise, com a definição de conceitos, categorias, provas, bem como a correição, solidez e persuasão dos argumentos, inclusive os que assim se parecem, as denominadas falácias.

Após, pretender-se-á expor a argumentação no Tribunal do Júri brasileiro, com um brevíssimo retrospecto histórico e sua contemporaneidade, além posição da retórica e da dialética no decorrer do procedimento, em especial no plenário, quando não só os jurados são alvos da persuasão mas também o proponente/oponente, o que demonstrará a característica do argumento pragmático.

A seguir, será cotejada a técnica da argumentação jurídica – aspectos teóricos – com a prática no plenário do Tribunal do Júri, a fim de que os jurados possam dizer se se convenceram da ocorrência do crime e quem foi o autor, bem como se a conduta foi justificada ou não, e se ela se amolda àquela norma exposta pelo orador ou não, sendo, assim, comum que sejam instados sobre questões de fato.

Por fim, analisar-se-á a argumentação jurídica como decisão dos jurados que, por determinação constitucional, não podem revelar seus votos – de caráter sigiloso – e, via de consequência, não podem fundamentar suas decisões, mas sim aderem ao argumento que lhes convenceu, tornando ainda maior a responsabilidade das partes (oradores/oponente/proponente).

1. ASPECTOS DESTACADOS DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

A complexidade da vida em sociedade traz, necessariamente, a existência de conflitos e divergências que demandam soluções adequadas e justas.

A oposição de um indivíduo a outro, ou de um indivíduo a um grupo, ou de grupos entre si, e ainda mesmo do Estado a indivíduos ou grupos, ou vice-versa, acaba por redundar na formulação de discussões, a fim de se concluir quem apresenta os melhores argumentos para demonstrar sua afirmação.

Tais discussões fazem parte do cotidiano humano, e se apresentam como uma forma comunicativa, dotadas de informações e questionamentos, com a finalidade de se convencer a parte contrária, ou a terceiro(s), com relação ao acerto de suas formulações (ou erro do oponente).

Assim, a argumentação ocupa espaço nas mais diversas camadas sociais e é multidisciplinar, dela ocupando um sem número de ciências.

Argumentar é discutir, alegar, objetar, (des)construir, convencer e desencadear premissas que possam levar a uma conclusão, no intuito de convencer ou persuadir o destinatário dela. A qualidade da argumentação e a finalidade a que se destina, de outro lado, demanda métodos específicos, conforme o âmbito em que ela ocorre.

O que nos interessa, nesse artigo, é a argumentação jurídica produzida nesse contexto.

Manuel Atienza[2] nos ensina que há três campos de atuação na argumentação jurídica, a saber: 1) a produção ou estabelecimento de normas jurídicas, dividida em duas fases, consistentes na fase pré-legislativa, quando problemas sociais demandam a adoção de medidas legislativas, com um viés moral e político, e na fase propriamente legislativa, quando se assume uma característica técnico-jurídico; 2) a aplicação de normas jurídicas à solução de casos concretos, cujos problemas a serem resolvidos por órgãos administrativos ou judiciais são concernentes a fatos ou ao Direito (nos casos de problemas de interpretação), e 3) a dogmática jurídica, ocupando-se de resolver casos abstratos, fornecendo-lhes critérios à produção e aplicação do Direito, ordenando e sistematizando um setor do ordenamento jurídico.

O objetivo da argumentação jurídica é a resolução de problemas (concretos ou abstratos), por meio de métodos e racionalização, fixando premissas necessárias a uma conclusão e respectiva inferência.

A teoria da argumentação jurídica cuida de recusar o raciocínio jurídico utilizando somente a lógica formal, não a excluindo, mas considerando-a um elemento necessário mas não (sempre) suficiente da argumentação jurídica.

O uso da lógica formal, ou silogismo, como elemento exclusivo da argumentação, não confere as respostas mais adequadas, em especial nos casos mais complexos, pois ela não cuida de inferir as premissas, senão a de constatar as premissas, a conclusão e sua inferência.

A justificação interna, de caráter lógico-dedutivo, cuida da passagem das premissas à conclusão, enquanto a justificação externa o estabelecimento das premissas em si.

Conforme Atienza[3], há três formas de interpretação dos elementos comuns definitivos do conceito de argumentação jurídica, a saber: formal, material e pragmática.

A formal tem como essencial o resultado, concatenando-se as premissas das quais se chega à conclusão, privilegiando, assim, o silogismo, desprezando-se como se argumenta. O formal prevalece sobre o material.

Por sua vez, a concepção material se preocupa com a correção ou verdade dos enunciados, deixando-se de lado a inferência (embora não totalmente, mas ficando em segundo plano) e questionando o foco das premissas, atendendo ao que se chama de lógica material.

Finalmente, na concepção pragmática, a argumentação jurídica visa a persuasão de um auditório ou interação com uma ou mais pessoas, tendo como foco a atividade linguística e necessariamente social (diferentemente das concepções formal e material, que podem ser realizadas solitariamente). Na concepção pragmática a atividade é voltada a convencer uma plateia ou um oponente.

Quem argumenta procura persuadir produzindo argumentos com premissas aceitas, ou seja, com uma atividade além da concepção formal e material, não bastando a mera interpretação dos enunciados ou tampouco interpretá-los como verdadeiros ou corretos, privilegiando sua aceitação.

No caso de argumentação dirigida a uma plateia, o orador procura persuadir por meio do discurso, assumindo um papel estático, sendo esse um dos enfoques da pragmática, qual seja, a retórica.

Quando a argumentação é dirigida a um oponente, o proponente com ele interage, assumindo um papel dinâmico, caracterizando, assim, a dialética.

A concepção pragmática não despreza a formal e material, apenas não as considera suficiente ao processo de argumentação.

Interessa-nos, dentre as concepções apresentadas, e para o fim a que se destina o presente artigo, a análise da pragmática, considerando a pertinência entre ela e o instituto do Tribunal do Júri.

Pois bem, na concepção pragmática da argumentação jurídica vimos que a linguagem pode ser retórica ou dialética, a depender de quem e para quem se argumenta (orador-auditório ou proponente-oponente).

Aristóteles, na obra Arte Retórica[4], distinguiu dois tipos de provas: as técnicas, obtidas mediante o discurso, e as extratécnicas, existentes de antemão, como as provas propriamente ditas.

Dentre as provas técnicas, importante se destacar que a persuasão pode ser dar por meio das seguintes: logos, ethos e pathos.

O logos é a persuasão pelo próprio discurso, utilizando-se do silogismo retórico (ou entinemático) ou da indução retórica. O entinema é a inserção implícita de uma premissa, ou seja, quando ela se presume na inferência dos enunciados.

Ethos é o caráter (credibilidade) ou talento, ou ambos, de quem constrói o discurso.

E pathos é a predisposição do auditório (destinatário do discurso) em ouvi-lo e compreendê-lo.

Aristóteles ainda tratou de dividir a retórica em deliberativa, quando se pretende discutir situações futuras (discursos sobre projetos de lei, por exemplo); judicial ou jurídica, quando se discute situações passadas (se um crime foi cometido, quem o fez, e se merece ser condenado), e epidíctica ou demonstrativa, quando há elogio ou crítica a determinado tema atual e conhecido pelo orador e auditório, que por sua vez não se incumbe de julgar, ou seja, não havendo que ser persuadido ou convencido.

Interessa-nos a retórica judicial ou jurídica, pois ao Tribunal do Júri cabe conhecer de casos passados (e não futuros ou presentes), e será ser convencido de um discurso ou de outro.

A tradição posterior da retórica de Cícero[5], centrada na judicial, distinguiu cinco fases, a saber: inventio, dispositio, elocutio, memoria e actio.

O objetivo da inventio é fixar o estado de causa encontrar argumentos a serem usados para provar ou refutar. Quintiliano divide o estado de causa em dois gêneros (melhor seria denominá-los espécies), quais sejam: a) o racional (atualmente conhecido como questão de fato), que se subdivide em conjectural (existência do fato – por exemplo, se houve ou não homicídio); definicional (se o fato caracteriza homicídio ou não), e qualitativo ou justificativo (se o homicídio estava ou não justificado); e b) legal (questão de Direito), baseados em um texto legal.

A dispositio é a ordenação dos argumentos a serem expostos, começando pela introdução; a narratio (exposição dos fatos da causa); a divisão do discurso, distinguindo-se dentre a partitio (fixação dos pontos controversos e incontroversos) e a distributio (pontos que serão tratados); a argumentatio da qual se distingue a apresentação das provas favoráveis e a refutação das contrárias; e a peroratio ou conclusão.

A elocutio que consiste na atratividade do discurso visando o convencimento.

Por memoria se entende o estudo de técnicas de memorização.

Finalmente, a actio o estudo de regra para controle da voz e corpo, ou seja, a expressão corporal, a representação, como elemento adicional na persuasão.

Os argumentos[6], do ponto de vista formal, podem ser corretos ou não; material, sólidos ou inconsistentes; e pragmáticos, persuasivos, conforme a regra de argumentação infringida.

Seja qual for a perspectiva, atestar se um argumento é bom ou ruim não parece tarefa difícil, senão quando constatamos uma categoria intermediária de argumentos, os quais, embora ruins, revestem-se de argumentos bons, com a aparência de correto, como se refere aquele ditado popular, “o lobo em pele de cordeiro”.

O argumento que, embora ruim, tenha a aparência de bom, caracteriza o que se denomina como falácia.

Uma falácia do ponto de vista lógico ou formal ocorre quando desobedece as regras de inferência, passando de uma premissa a outra de maneira incorreta.

Do ponto de vista material pode haver uma falácia quando ocorre a transgressão a alguma regra metodológica com o estabelecimento das premissas, não tratando da inferência em si, mas do próprio enunciado.

Já a falácia pragmática, na perspectiva dialética, ocorre no descumprimento de alguma das regras do discurso racional. Na perspectiva retórica, ganharia alguma relevância quando, para obter êxito na persuasão, houvesse a infração de regras não de natureza técnicas, mas éticas, não sendo levado em conta apenas sua eficácia, mas também a validade do discurso em si.

Outrossim, as falácias podem ser conduzidas de forma intencional ou por imprudência, numa analogia aos atos ilícitos, que podem ser culposos ou dolosos.

A falácia introduzida dolosamente é denominada de sofisma, ou seja, o argumento ruim, revestido de argumento bom, inserido na argumentação de forma intencional, com o propósito de induzir em erro.

Outrossim, há também a falácia introduzida de boa-fé, sem a consciência do engano que ela traz, assim chamada de paralogismo. O raciocínio falso se estabelece involuntariamente, como numa interpretação equivocada impressa pela jurisprudência, tida como correta pelo argumentador.

Quanto à classe de argumentos[7], podemos definir algumas: a contrario sensu; a símile ou por analogia; a fortiori; da plenitude do ordenamento jurídico; da coerência; histórico/psicológico (mens legis); ad absurdum (por redução); teleológico; econômico; de autoridade; sistemático; topográfico; terminologia; dogmática; baseado na natureza das coisas; da equidade; generalidade; universalidade; e a partir de princípios.

O argumento a contrario sensu é usado para inverter a interpretação daquilo que não se encontra previsto na norma, ou seja, é válido ou permitido aquilo que é o contrário do proibido ou limitado.

Atendendo situações similares, o argumento a símile ou por analogia visa demonstrar que situações iguais ou parecidas mereçam o mesmo tratamento.

Com a finalidade de reforçar um argumento prévio, o argumento a fortiori é utilizado para mostrar que determinada conduta merece específico tratamento, então com muito mais razão uma conduta com efeitos mais amplos mereça o mesmo tratamento. Há o oposto, quando a proibição visa determinada conduta para evitar certos efeitos, qualquer conduta que possa causar efeitos mais amplos, ainda que não prevista na norma, será por ela abrangida.

O uso do argumento ad absurdum (por redução) serve para mostrar que, se determinada interpretação fosse levada a efeito, concluir-se-ia algo absurdo, ou seja, mostrando-se que tal conclusão seria certamente negada.

A ideia central é que a argumentação jurídica venha a resolver problemas, que podem ser relacionados às premissas normativas (questões de direito), seja de interpretação (sabendo-se qual norma deva ser aplicada, diverge-se sobre seu entendimento), seja de relevância (dúvida sobre a existência de norma a ser aplicada, ou quando existente qual delas deva sê-lo), e premissas fática (questões de fato), seja quanto à prova (se o fato ocorreu e quem fora o autor) ou qualificação.

Tais distinções serão importantes quando se tratar do Tribunal do Júri, pois nele verificar-se-ão presentes tanto a retórica quanto a dialética, dadas as devidas proporções.

2. A ARGUMENTAÇÃO NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO

No ordenamento jurídico brasileiro, o Tribunal do Júri é órgão do Poder Judiciário, previsto no artigo 5º, XXXVIII, alíneas “a” a “d”, da Constituição da República, a quem compete julgar os crimes dolosos contra a vida[8].

Embora, ao longo da história brasileira, tenha-se visto o Tribunal do Júri ser configurado e reconfigurado (chegou a se pensar extinto pela Constituição de 1937, conclusão refluída pelo seu aparecimento no Decreto-lei n. 167/38), o fato é que, desde 1822, sempre se manteve presente no ordenamento jurídico brasileiro.

O Tribunal do Júri se constitui no único momento em que a sociedade dele participa direta e ativamente.

Nos demais poderes constituídos (Poder Executivo e Poder Legislativo), a população exerce o poder que dela emana por meio do sufrágio universal (exercendo-o indiretamente, por meio da representação – direito político ativo) ou da participação direta quando se candidata e se elege a cargo eletivo (direito político passivo), independentemente de formação específica, bastando que se preencham alguns requisitos gerais.

No Poder Judiciário, a população não pode integrá-lo senão após se graduar em Direito; exercer o período de prática forense; lograr êxito na aprovação de concurso público e tomar posse como magistrado. Incomparável com a possibilidade de exercício de poder previsto no legislativo e executivo.

Outrossim, a sociedade não possui qualquer ingerência no Poder Judiciário que, ao contrário dos Poderes Legislativo e Executivo, não tem seus membros sujeitos ao crivo de aprovação popular. A sociedade não elege juízes, seja de que instância for, e tampouco tem poderes para de lá retirá-los.

A participação, então, no Tribunal do Júri, passa a ser o único momento em que um cidadão passa a fazer parte (ainda que a participação possa ser efêmera) do Poder Judiciário, exercendo os poderes a ele inerentes.

Passam, portanto, as decisões oriundas do Tribunal do Júri a ter maior legitimidade social, e a participação popular aproxima cidadão e poder.

Definida por duas fases[9], os processos do Tribunal do Júri se deflagram após o oferecimento de denúncia, seguido pela defesa do réu e instrução probatória. Após, as partes oferecem alegações finais e o juiz decide se o caso deva ser submetido ao Tribunal do Júri ou não, ou seja, admitirá ou não a acusação.

Caso positivo, é marcada sessão de julgamento, sendo oportunizada às partes o arrolamento de testemunhas e a produção de outras provas.

Na sessão de julgamento, as provas são produzidas, por meio a oitiva de testemunhas e interrogatório do réu.

Após, deflagram-se os debates, com o Ministério Público fazendo a acusação (ressalvadas as hipóteses em que entenda deva o réu ser absolvido) e, em seguida, o réu, por meio de seu advogado, exercendo a defesa. É possível que, após o discurso da defesa, o Ministério Público faça uso da réplica, e depois a defesa a tréplica, permitindo, assim, a dialeticidade na argumentação. Outrossim, nesses debates, é permitido que uma parte possa apartear a outra, o que enfatiza ainda mais a referida dialeticidade.

Portanto, já na primeira fase os argumentos são expendidos, um no sentido de que a acusação mereça ser admitida, e outro no sentido oposto, a depender da peculiaridade do caso concreto, e cujo destinatário é o juiz, que admitirá ou não a acusação.

Importante ressaltar que em épocas passadas o Direito Brasileiro admitia que houvesse um Júri para admissão da acusação e outro para condenar ou absolver, a exemplo do que ocorre no Direito Norte-americano.

Na segunda fase, ou seja, em plenário, as partes passam a, novamente, argumentar, agora um pela condenação e outro pela absolvição (ou por uma condenação mais tênue), cujo destinatário dos argumentos é Conselho de Sentença, ou seja, os jurados escolhidos para julgar o caso.

O que nos interessa é a argumentação feita na segunda fase do procedimento, qual seja, aquele feito em plenário, privilegiando a oralidade e permitindo eventuais e breves intervenções, chamadas de apartes.

Cada parte estabelece uma linha de raciocínio tendente a convencer cada um dos jurados a, no momento do veredito, decidir conforme sua tese apresentada.

Os jurados permanecem em posição passiva, só recebendo os argumentos expostos pelas partes, sendo a possibilidade de intervenção legalmente restrita (apenas para indicar em que parte do processo se encontra a peça pelo argumentante lida ou citada, ou lhe pedir algum esclarecimento sobre questão de fato).

Como as argumentações são postas, no mais das vezes, de forma diametralmente oposta (condenação versus absolvição; autoria versus negativa de autoria; etc.), e é possível que cada uma delas esteja baseado em provas e interpretações mais ou menos razoáveis, cabe aos jurados decidir quais dos argumentos lhe convencem.

Assim, de acordo com a argumentação despendida pelas partes, os jurados optam por uma ou outra versão.

E a escolha de uma das versões representa o convencimento do jurado decorrente da persuasão bem aplicada com bons argumentos, entendendo ser aquela a resposta correta, adotando-a como justificação ao seu voto, já que os jurados, em obediência ao princípio do sigilo do voto, não podem dizer como votaram ou tampouco fundamentar sua escolha, a não ser pela dedução de que, se acolheram determinado argumento, é porque a ele aderem.

Isso não significa que, inevitavelmente, não possam os jurados optar por uma decisão com fundamentos diversos daqueles apresentados pela parte cujo argumento aparentemente fora acolhido, mas é certo que decisões tais têm pouco lugar nos julgamentos cotidianos e, certamente, tiveram influência em algum fator não atentado pelas partes, que se deixaram golpear sem sequer saber o que passou pela cabeça dos sentenciantes.

Dito isto, é possível, assim, afirmar-se que a argumentação jurídica tem lugar no Tribunal do Júri, em especial no plenário – objeto deste artigo – e em essência a argumentação pragmática, tanto na retórica quanto na dialética.

Por certo, dentre as classificações de retórica, a que se apresenta adequada ao estudo presente é a judicial, pois trata de casos passados, resolvendo-se um problema quanto ao fato, sua autoria e qualificação.

Se de um lado, a persuasão, que tem como alvo os jurados, é o objetivo do orador que discursa, expondo seus argumentos (sejam bons ou ruins, corretos ou falaciosos), de outro, a dialeticidade é estabelecida no momento em que o discurso não é de apenas um orador, mas de dois – proponente, que seria o acusador, e oponente, que seria o defensor –, que não só discursam aos jurados, mas também debatem entre si, quando da réplica e tréplica e também quando dos apartes.

Tanto que, embora seja inarredável o argumento de que o destinatário da persuasão sejam os jurados, nada obsta que proponente e oponente possam, entre si, restarem convencidos, ainda que parcialmente, dos argumentos um do outro.

E isso não é raro, posto que é possível que a acusação venha a abrandar o pedido inicialmente feito (ou quem sabe até mesmo dele desistir, pedindo absolvição) após a apresentação da defesa, no momento da réplica, ou a defesa desistir de emplacar argumentos que antes se propunha a fazer, após restar convencido pela acusação da insustentabilidade de discursos que poderiam estar embasados em falácias.

Por isso a característica do argumento pragmático, não só quando o orador discursa a um auditório – acusador ou defensor aos jurados –, procurando persuadi-lo, mas também quando proponente e oponente – acusador e defensor – debatem entre si e, ainda que em segundo plano (e mesmo que inconscientemente), um deles procura convencer o outro de seus argumentos.

Não só a estática do discurso, característica da retórica, mas também a dinâmica da dialética se encontram presentes quando dos debates no Tribunal do Júri.

3. CONCEITOS DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA APLICÁVEIS NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO

Como já demonstrado no item anterior, tanto a retórica quanto a dialética estão presentes nos debates apresentados pelas partes no plenário do Tribunal do Júri, pois enquanto os argumentos são dirigidos, primordialmente, aos jurados, na forma de discurso, há, também, a interação entre os oradores, como proponente e oponente que são, inclusive até mesmo com a possibilidade de convencimento um do outro, pretendendo algum efeito prático.

Se por um lado a argumentação jurídica procura resolver problemas relacionados a questões de direito e de fato, os processos relacionados ao Tribunal do Júri enfrentam tais questões.

Procuram, numa apertada síntese, dizer se se convenceram da ocorrência do crime e sua autoria, bem como se a conduta foi justificada ou não, e se ela se amolda àquela norma exposta pelo orador ou não, sendo, assim, comum que sejam instados sobre questões de fato, pois as questões de direito devem ser dirimidas pelo juiz togado.

É bom se ressaltar que os problemas de qualificação dizem respeito às questões de fato (e não de direito), pois, como ensina Atienza:

[...] la duda surge sobre si um determinado hecho, que no se discute, cae o no bajo el campo de aplicación de um determinado concepto contenido em el supuesto de hecho o em la consecuencia jurídica de uma norma[10].

Por isso, a função da argumentação no Tribunal do Júri é, por um lado, alegar a existência de um crime e sua autoria e, de outro, objetá-la ou mesmo desqualificá-la, no sentido de considerar o ato legítimo ou mesmo que seja considerado e interpretado como um crime diverso e menos grave.

Nesses debates, a ideia é mostrar aos jurados que a resolução do problema posto (houve crime? O acusado foi o autor? O ato foi legítimo ou não, e caracteriza esse crime ou outro?) possa ser resolvido por meio de métodos e racionalização, com as premissas necessárias (obedecendo as regras de inferência) a uma conclusão.

Como já dito alhures, é possível que a lógica formal dê conta de resolver problemas mais singelas que apareçam, mas é possível que, em especial nos casos em que o desencadeamento de indícios é que leve à conclusão da autoria, a questão demande argumentos dotados de maior complexidade, não sendo o silogismo formal suficiente à argumentação jurídica.

De outro lado, não raras vezes a lógica material tem ocupado certo espaço nos debates do plenário do Júri, posto que a objeção ao conteúdo das premissas formalmente estabelecidas pode ser o caminho para se questionar a conclusão chegada por um dos oradores.

Estabelecer-se que a conclusão, decorrente da inferência de um testemunho e uma perícia, seja verdadeira pode ter seu destino alterado quando se demonstra que o testemunho é falso ou que a perícia está equivocada. Mostrar que as premissas estão corretas, não só formalmente mas também materialmente, é essencial à boa argumentação.

Mas a argumentação que realmente se constata (ou deveria se constatar) nos plenários dos Tribunais do Júri é a pragmática, tanto na retórica quanto na dialética, como já dito anteriormente.

Tem na retórica pragmática os elementos do orador e seu auditório, o discurso e a pretensão de persuadi-lo. De igual forma, o acusador e o defensor (oradores) têm nos jurados (auditório) o alvo de seus argumentos (discurso) dos quais se procurará convencê-los (persuasão).

De outro lado, na dialética pragmática a argumentação é exposta por um proponente e dirigida a um oponente, com interação e dinamismo. Acusador e defensor, embora primariamente destinem seus argumentos a quem julga (jurados), também miram seus argumentos um ao outro, porque após o discurso (argumentos) de um vem o outro, podendo continuar em mais uma etapa caso haja réplica e tréplica. E não raro um bom argumento pode desestimular o oponente (ou o proponente, conforme o caso) a manter sua linha argumentativa. Ou quem sabe até convencê-lo (ainda que não admita isso)!

No caso da retórica, ou seja, quando os contendores expõem seus argumentos aos jurados (orador-discurso-auditório), é mister que se distinga as provas técnicas das extratécnicas a que se referia Aristóteles em Retórica, tendo igualmente lugar nos debates em plenário.

Não há que somente expor as provas, na acepção da palavra, para imaginar que os jurados dela possam ser convencidos. Fosse só isso não haveria necessidade de debatedores.

O orador tem um objetivo: persuadir o auditório. Obter êxito em demonstrar que a sua tese, e não a do oponente (ou proponente) é a mais correta.

A construção de um discurso argumentativo é essencial, e deve fazê-lo de modo que convença, e convença a resolver o problema posto na forma proposta, podendo se valer, conforme o grau de complexidade, do silogismo retórico ou da indução retórica. A inferência entre as premissas (inclusive quanto ao seu conteúdo) para se chegar à conclusão pretendida é fundamental à persuasão do auditório.

O caráter, consubstanciado na credibilidade, e o talento de quem discursa são igualmente importantes, pois são elementos que integram o objetivo de persuasão num discurso, pois, no mais das vezes, o estabelecimento das premissas (e não só a inferência delas, papel do discurso em si) ganha (ou perde) adesão dos ouvintes de acordo de quem seja o orador, ou qual modo discursa. A reputação e a maneira de trabalhar podem fazer muito pelo convencimento.

A predisposição do auditório, por fim, é outro elemento necessário, e muitas vezes intrinsecamente ligado com o logos e o ethos, e trata da forma com que se discursa. A boa construção do discurso e o caráter de seu orador dão boas perspectivas de persuasão, mas a inserção da paixão na argumentação – o que implica em acreditar realmente naquilo que se fala e envolver o auditório– pode angariar adeptos não alcançados pelo logos e ethos.

A possível – e recomendável – utilização da tradição da retórica judicial (Quintiliano e Cícero), dividida em cinco fases também se torna importante quando da construção do discurso.

Veja-se: fixar o estado de causa (fato e Direito) e encontrar argumentos para provar ou refutar é o primeiro passo. Não há improviso, no Tribunal do Júri, que resista a um discurso iniciado no exaustivo conhecimento da causa.

A ordenação dos argumentos no Tribunal do Júri é importante para o logos e facilita a compreensão de quem recebe a informação – os jurados, destinatários principais do discurso.

A introdução; a exposição dos fatos; a divisão do discurso entre fixação dos pontos controversos e incontroversos e a definição dos pontos que serão tratados; a argumentação na apresentação das provas favoráveis e a refutação das contrárias; e a conclusão, são importantes para que o discurso tenha coerência e consiga ser mais facilmente assimilado pelos jurados.

Por exemplo, a fixação de pontos incontroversos auxilia a focar as argumentações no que realmente seja necessário a se discutir, não se perdendo tempo com questões em que haja consenso entre as partes.

A memoria (estudo de técnicas de memorização) é essencial no momento do discurso, pois não convence o orador que não recorda sobre aspectos – quanto mais os essenciais – da causa ou de seu discurso.

Finalmente, deve o acusador/defensor argumentar de forma a tornar atrativa sua fala, bem como controlar sua voz e expressão corporal, a fim de que tenha a atenção dos jurados; do contrário, poderá fazer cair no vazio todos os demais elementos do discurso.

Na maior parte das vezes, as teses apresentadas em plenário são antagônicas (autoria versus negativa de autoria; qualificação versus não qualificação, etc.), e a defesa delas por meio do discurso – retórica judicial – faz concluir que uma das proposições está equivocada, ainda que parcialmente.

Como já dito anteriormente, constatar que o argumento que está sendo exposto é bom ou ruim não parece tarefa difícil.

A argumentação que falha na regra de inferência é incorreta, por exemplo: X foi visto por Y atirando com arma de fogo contra Z; mas a arma é de Y; logo, quem atirou em Z foi Y. A inferência realizada nesse caso foi visivelmente incorreta, do ponto de vista formal.

Da mesma maneira, a argumentação que falha no conteúdo da premissa estabelecida a torna inconsistente, por exemplo: Y foi visto por W atirando com arma de fogo contra Z; logo, quem atirou em Z foi Y; mas se descobre que W mentiu sobre os fatos e que quem realmente testemunhou foi Y, que viu X atirando em Z. A premissa estabelecida inicialmente com base no depoimento de W foi falha, no seu conteúdo, ou seja, materialmente.

Os casos aparentes não são difíceis de se constatar, mas há uma categoria de argumentos que se situam como sendo argumentos ruins, mas com aparência de bons, chamados assim de falácias.

Por exemplo: a arma de Y foi utilizada para matar Z; logo, foi Y quem atirou em Z. O argumento parece sedutor, e parece formal e materialmente correto, posto que está provado que a arma que era de Y realmente fora utilizada para matar Z, ou seja, tanto o conteúdo da premissa quanto à regra de inferência parece sólida e correta, respectivamente.

Mas talvez não sejam, de fato, suficientes a dar uma resposta. Fora realmente Y quem atirou contra Z com a arma de fogo? Podemos estar tratando de uma falácia. Imaginemos que Y tenha extraviado sua arma, que fora utilizada por terceiros na prática do crime. Nesse caso, o argumento é falho, embora aparentemente, como dito no início, parece estar correto e ser sólido.

A falácia pragmática ganha contornos quando há a infração de regras de natureza ética, como, por exemplo, o ataque ao ethos do proponente/oponente, fazendo parecer crer que, se ele não tem credibilidade, logo, suas premissas não são corretas ou consistentes.

Quando na argumentação são inseridas premissas ruins (incorretas ou inconsistentes) de forma intencional – e isso não é raro –, teremos o sofisma, com a intenção proposital de induzir seu destinatário em erro, como uma apresentação, por exemplo, de que a vítima tivesse antecedentes e, por isso, viável concluir que ela tivesse agredido primeiro o réu. Embora possam servir de elementos para outras situações, quanto aos fatos os antecedentes (bons ou maus) não servem para concluir de um ou outro agiu de uma forma ou outra, por exemplo: X atirou contra Z com uma arma de fogo; Z tem maus antecedentes; logo, pressupõe-se que Z deve ter atacado primeiro X, que apenas se defendeu. Estaríamos tratando, verdadeiramente, de um sofisma, pois a premissa dos maus antecedentes, de maneira incorreta (regra de inferência), foi utilizada para se chegar à conclusão que o argumento propunha.

De outro lado, é comum também o uso do paralogismo, que é a falácia introduzida de boa-fé.

Extrai-se o exemplo do artigo de Bruno Makowiecky Salles e Denise Helena Schild de Oliveira[11], na qual afirmam ser falacioso o argumento de que uma pessoa flagrada na posse de objeto subtraído faz presumir sua autoria na subtração, e que isso já se consolidou, de certa forma, na jurisprudência. Então, a utilização de tais julgados para firmar essa presunção acabou por se tornar comum e irreflexiva (no entender dos subscritores), havendo imprudência por parte daqueles que utilizam tal argumento, embora de boa-fé, havendo, nesse caso, o paralogismo.

É possível que nos debates no plenário do Tribunal do Júri haja a utilização de paralogismo, pois nem sempre a utilização de falácias vem a ser introduzidas intencionalmente.

O objetivo da argumentação jurídica no Tribunal do Júri é persuadir os jurados e convencê-los a votar conforme a tese apresentada; secundariamente, a intimidação ou desestímulo do proponente/oponente também é um elemento adicional, mormente quando, de fato, acaba por desistir de um ou outro argumento.

Apresentar um discurso íntegro e claro, com o estabelecimento de premissas formalmente corretas, e materialmente consistentes, é extremamente importante para que se acolham seus argumentos, e a inserção de falácias, em especial os sofismas, gera dúvida até mesmo na credibilidade do orador (ethos), podendo contaminar os demais argumentos. De outro lado, a falácia pode, pela via da dialética, ser combatida pelo proponente/oponente, reforçando ainda mais a fragilidade do argumento apresentado.

No Tribunal do Júri, a retórica/dialética judicial tem lugar para resolver o problema posto pelo processo criminal: Z sofreu disparos de arma de fogo? X foi o autor desses disparos? X agiu legitimamente para se defender?

Com um argumento bom (lembrando que isso não significa ter boa oratória, pois isso é apenas um dos aspectos da argumentação) é possível se chegar a uma resposta correta, ainda que seja a da dúvida razoável.

Quando as partes encerram seus debates, pondo fim a retórica e dialética judiciais, é o momento em que os jurados se reúnem a decidem, por meio de uma votação por cédulas, se acolhem um ou outro argumento, ainda que parcialmente.

No entanto, tal voto é sigiloso, por comando da própria Constituição da República, com simetria do sufrágio universal, podendo até mesmo o jurado informar, sponte propria, que sua decisão, mas o que não significa tenha sido essa mesmo sua decisão, e não há nada que o obrigue a revelá-lo.

Tanto é que, na última reforma que sofreu o Código de Processo Penal – CPP, a tomada de votos sempre será por maioria, encerrando-se a votação quando se colher 4 votos num mesmo sentido, a fim de que a unanimidade não venha a corromper o sigilo constitucionalmente imposto.

Portanto, formalmente, saber-se-á qual a decisão dos jurados, mas não a fundamentação dele, apesar de ter escolhido um ou outro argumento, ainda que parcialmente.

Assim, não há justificação, por parte dos jurados, quanto à decisão prolatada, como ocorre em outros órgãos colegiados do Poder Judiciário, o que nos leva a outra reflexão a seguir.

4. A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DO CONSELHO DE SENTENÇA, POR ADOÇÃO

Como referido anteriormente, aos jurados é assegurado, pela Constituição da República, o sigilo do voto, no que importa em concluir que não há como fundamentar aquilo que é sigiloso.

O que existe é a adesão, no todo ou em parte, do argumento jurídico exposto por uma das partes.

E nisso implica questionar como se procede a justificação, interna e externa, da decisão levada a efeito pelos jurados.

É certo que cabe às partes, acusação e defesa, expor seus argumentos da melhor forma possível para que os jurados possam, além de compreender todo o contexto fático do problema que lhe é posto, decidir qual deles lhe parece mais dotado não só de lógica, mas de coerência e outros aspectos inerentes à argumentação jurídica.

Não podemos partir da premissa que jurados, por serem leigos, sempre decidirão errado. Aliás, pensar assim é falacioso, melhor ainda dizer que é sofismático.

O Tribunal do Júri pode não ser perfeito e pode até errar, mas tudo que é humano é passível de erro, inclusive nos demais órgãos singulares e colegiados do Poder Judiciário.

Mas há que se presumir estejam os jurados dispostos a acolher os argumentos que lhe pareçam mais adequados, não só no aspecto de prova mas também de adequação das premissas expostas (inferência).

Aliás, a inferência não decorre de uma sapiência garantida somente a quem trabalhe nas lides forenses, mas sim a qualquer pessoa que tenha um mínimo de experiência de vida, e por mais que o uso da lógica possa nos preparar armadilhas quando da formulação de um conceito sobre o caso, as partes, como proponente e oponente, estão ali para alertar o jurado disso e, ao menos, não deixá-lo ser atraído por uma falácia, ao menos não inconscientemente.

A par disso, é mister concluir que a argumentação exposta pelas partes é o que definirá a escolha feita pelo jurado, de forma a aderi-la como forma de justificação.

No procedimento do Tribunal do Júri, o juiz somente admite a acusação quando formulada em elementos mínimos que possam indicar a materialidade do crime e o réu como autor do fato, e a existência de mais de uma versão, ainda que uma ou outra possa ter mais valor probatório, ser dirimida pelos jurados.

Ou seja, cabe aos jurados essa análise acerca de qual das versões lhe parece mais plausível, utilizando-se dos argumentos expressados pelas partes como fundamentação implícita de seu veredito.

Ou seja, se o proponente traz a tese de que houve o crime e X foi seu autor, por conta das provas A e B, e o oponente a antítese de que, embora tenha havido o crime, X não foi o autor, e sim Y, porque as provas A e B não são confiáveis, mas sim a prova C, uma delas será aceita pelos jurados, e a argumentação exposta pela parte a qual acolheram os argumentos será por ele adotada como fundamentação implícita de sua decisão.

Adotam a versão que lhes parece mais crível, decidem em favor dela, e aderem aos argumentos expostos pela parte que nesse sentido sustentou.

A tese de resposta certa – algo que não encontra convergência – não se aplica em termos abstratos, mas àquela argumentação judicial com a finalidade de aplicar a lei ao caso concreto.

Na ponderação, quando da realização da justificação interna e externa – análise das inferências entre premissas e conclusão e o estabelecimento delas – é mister que se observem alguns critérios de avaliação.

O critério material, necessário para se firmar determinada premissa e fundamental na argumentação judicial, é aquele decorrente das provas apresentadas. Tem tamanha importância que a decisão dos jurados pode ser anulada quando ela não se basear em prova alguma.

O critério pragmático é o diálogo racional, igualmente utilizado nos debates do plenário do Júri. Ainda que exista provas (material), não pode o argumento levar a uma conclusão absurda ou incoerente, que fuja da racionalidade. Diversidade de interpretações não significa interpretações incoerentes.

E isso nos leva ao critério seguinte, que é o da coerência, tanto narrativa, utilizando-se das máximas de experiência, como a normativa, com a definição de valores do ordenamento jurídico. Um argumento que leve à incoerência certamente há de ser rejeitado, e se não o for, há de ser anulado, pelo menos na maior parte dos casos.

O critério da universalidade atende à aplicação de todos os casos regulados pela norma que, aplicada ao caso concreto, deve atender a todos. Mas poderão haver exceções, e então a equidade passa a regular os fatos. Se os casos regulares têm aplicação da norma universal – e assim o deve ser –, as exceções, por sua vez, merecerão idêntico tratamento. Um argumento não é bom se levar à conclusão de que X e Y, ambos coautores de um homicídio, na mesma proporção e culpabilidade – com a premissa de que há provas – receberam tratamentos absolutamente distintos (um absolvido e outro condenado). Mas se um agiu em legítima defesa, obviamente seu tratamento há de ser distinto do outro (salvo se, também, agiu em legítima defesa, caso em que, também, devesse ser absolvido).

A adequação das consequências é outro critério que pode ser considerado quando da avaliação da argumentação judicial. O que ocorrerá com a adoção de tal argumento ou outro? Pode não ser exclusivo e decisivo na tomada de uma decisão, mas pode e deve ser levado em consideração.

A moral social é aquela decorrente aos valores extraídos da opinião majoritária da população. Quando incorporada a uma norma jurídica não parece ser difícil que o jurado a reconheça e desse critério a use. A dificuldade está quando está dissociada da norma, e para apelar à moral social é mister que se esteja seguro se realmente abrange a opinião majoritária – e não pessoal.

A moral justificada, por sua vez, sofre objeções relacionadas ao dogma positivista e à própria definição do que seja moral. Embora haja propostas para utilização da moral de forma racional, não absoluta, e sujeito à críticas, alterações e redefinições. Pode parecer complicado avaliar um argumento judicial no Direito Penal com o critério da moral justificada, mas no Tribunal do Júri a moral tem um valor nada desprezível.

Finalmente, a razoabilidade do Direito, como critério avaliador do argumento jurídico para que a decisão leve em consideração o equilíbrio das questões (ainda que diametralmente) opostas, com a proporcionalidade, adequação e necessidade, interpretando-se a norma sempre no sentido de procurar derruir o mínimo possível os valores contrapostos. É possível que, no estabelecimento das premissas – lógica material –, a razoabilidade seja aplicada e, assim, venha a afetar todo o sistema argumentativo e, por consequência, a conclusão a que se chegue. É bastante comum que os jurados adotem a razoabilidade, em especial quando da análise de conceitos que, por mais matemáticos que possam parecer (uso moderado dos meios necessários, por exemplo), nos conferem uma margem de interpretação. Dizer que alguém que poderia ter atirado uma única vez para repelir a injusta agressão não significa rejeitar uma hipótese em que esse mesmo alguém não poderia atirar duas ou mais vezes.  E nem o inverso, de que com um único tiro não se pretendia matar. A razoabilidade, inferida no caso concreto, é que definirá a validade do argumento proposto.

Assim, a baliza para que uma argumentação possa ser considerada boa ou ruim, válida ou não, embora não consista em esquema imutável e condição geral para que os jurados venham a bem decidir (acolher um dos argumentos), funciona como forma de referência e, mesmo que desprovidos de tais informações, a eles podem sê-las fornecidas.

Portanto, a responsabilidade para que tomem boas decisões é das partes, proponente e oponente, ou oradores. Esse o papel da argumentação jurídica no Tribunal do Júri.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A teoria da argumentação jurídica vai muito mais além do que a retórica e dialética no Tribunal do Júri, expostas no presente artigo, e jamais foi o objetivo do trabalho científico esgotar a discussão, mas sim introduzir a teoria na prática forense, em especial realizada no plenário, e sua importância para que uma decisão seja bem tomada.

Muitos dos aspectos da argumentação jurídica são extremamente importantes nos debates em plenário do Júri, e talvez sejam desprezados ou esquecidos num fundo de baú, como se livros velhos fossem sem qualquer serventia.

Mas são os livros velhos que nos fazem lembrar que, através de seus pensamentos, chegamos onde estamos, e pensar sem uma base firme e sólida seria o equivalente a um sonho que desvanece após o despertar.

É preciso que o pensamento seja perene, e para tanto uma estrutura que o mantenha se faz necessária, como é a teoria unida à prática.

A aplicação da teoria da argumentação no Tribunal do Júri faz chegar mais perto do ideal daquilo que ansiamos sobre uma boa decisão.

Longe de exigir a perfeição de um veredito de jurados leigos, temos de lembrar que são seres humanos, e nada do que é humano é perfeito. Nem mesmo os juízes togados.

Mas a definição de técnicas mais aprimoradas, com o objetivo de melhor aparelhar os argumentos expostos na defesa de cada tese aperfeiçoa ainda mais o objetivo de se chegar às conclusões tanto irrefutáveis quanto possíveis, para que os jurados possam acolher, com muito mais segurança, a resposta que entendam mais adequada.

Cai como uma luva a aplicação da teoria da argumentação jurídica nos debates realizados no plenário do Tribunal do Júri, ao menos em determinados aspectos, como a utilização das lógicas formal, material e pragmática.

A utilização da retórica e seus componentes se mostram essenciais à realização de um bom trabalho argumentativo, em especial se pensarmos que o discurso é dirigido a uma plateia – os jurados – que deverão ser persuadidos a acolher sua sustentação de forma segura, havendo uma gama de fatores não só relativos às premissas e sua inferência, mas ao próprio discurso em si.

Além disso, a dialética também toma lugar pelo fato de os oradores se tornarem proponente e oponente, pois seus argumentos são expostos e retrucados, não só na acusação e defesa, mas também na réplica e tréplica e, por fim, nos apartes, apurando-se ainda mais as divergências existentes e consolidando as questões incontroversas.


Notas e Referências:

[1] ATIENZA, Manuel. Curso de argumentación jurídica. Madrid: Trotta, 2013.

[2] ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 2-3.

[3] ATIENZA, Manuel. Curso de argumentación jurídica. Madrid: Trotta, 2013. p. 110-111

[4] ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. p. 33.

[5] CICERO, Marcus Tullius. De inventione. Liber primus [9]. Disponível em: <http://www.documenta-catholica.eu/d_Cicero,%20Marcus%20Tullius%20-%20De%20inventione%20-%20LT.pdf>. Acesso em: 20 outubro 2015.

[6] ATIENZA, Manuel. Curso de argumentación jurídica. Madrid: Trotta, 2013. p. 370-371.

[7] ATIENZA, Manuel. Curso de argumentación jurídica. Madrid: Trotta, 2013. p. 179-181.

[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 20 outubro 2015.

[9] BRASIL. Código de Processo Penal. Artigo 406 e seguintes. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 20 outubro 2015.

[10] ATIENZA, Manuel. Curso de argumentación jurídica. Madrid: Trotta, 2013. p. 432

[11] SALLES, Bruno Makowiecky; OLIVEIRA, Denise Helena Schild de. A inversão do ônus da prova, para

comprovação da autoria do crime de furto, como argumento falacioso na classificação de Manuel

Atienza: paralogismo. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.8, n.3, 3º quadrimestre de 2013. Disponível em:

www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791.

ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito Teoria da Argumentação Jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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alexandre-carrinho-muniz. Alexandre Carrinho Muniz é Mestrando do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica – CMCJ, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Especialista em Direito Penal e Processual Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina. E-mail: amuniz@mpsc.mp.br. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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