Aspectos conceituais da justiça restaurativa – Por Jonathan Cardoso Régis e Clair Jucerlei Mendes

05/07/2016

Inicialmente, importante frisar que a Justiça Restaurativa tem funcionamento há cerca de 10 (dez) anos no Brasil[1], tendo como objetivo a satisfação das partes envolvidas em conflitos, é apresentada como uma forma moderna de justiça.

Compreende-se que surgiu para proporcionar espaço para a adoção de mecanismos autocompositivos, alternativos ao processo, disponibilizando às partes, um tratamento mais adequado às suas necessidades, visando solução mais humana aos conflitos[2].

Busca-se aqui abordar o tema proposto, qual seja, a Justiça Restaurativa, sob a perspectiva teórica e crítica, bem como identificar aspectos positivos e negativos quanto a sua aplicabilidade.

A Justiça Restaurativa pode ser conceituada como a proposta metodológica por intermédio da qual se busca, por adequadas intervenções técnicas, a reparação moral e material do dano, por meio de comunicações efetivas entre Vítimas, ofensores e representantes da comunidade voltadas a estimular: i) a adequada responsabilização por atos lesivos; ii) a assistência material e moral de vitimas; III) a inclusão de ofensores na comunidade; IV) o empoderamento das partes; V) a solidariedade; VI) o respeito mútuo entre Vítima e ofensor; VII) a humanização das relações processuais em lides penais e, VIII) a manutenção ou restauração das relações sociais subjacentes eventualmente preexistentes ao conflito[3].

O conceito de Justiça Restaurativa é algo inconcluso, que só pode ser captado em seu movimento ainda emergente e, para compreendê-la é preciso usar outras lentes, que não precisa resolver todos os problemas, mas pelo menos os mais prementes, e deve indicar a direção a seguir[4].

Conforme a Resolução 12/2002, da Organização das Nações Unidas (ONU), através do Conselho Econômico e Social, descrevendo os seguintes conceitos básicos sobre Justiça Restaurativa:

1. Programa Restaurativo: se entende qualquer programa que utilize processo restaurativo voltados para resultados restaurativos.

2. Processo Restaurativo: Significa que a Vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, participam coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime, geralmente com a ajuda de um facilitador.

3. Resultado Restaurativo: Significa um acordo alcançado devido a um processo restaurativo, incluindo responsabilidades e programas, tais como reparação, restituição, prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e logrando a reintegração da vitima e do infrator[5].

Desta forma, os conceitos básicos da Organização das Nações Unidas dão norte para todos os programas restaurativos que estão em funcionamento, além de normas institucionais próprias do local de aplicação, atendendo assim a necessidade local da comunidade.

A Justiça Restaurativa é uma perspectiva de soluções de conflitos que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das Vitimas e dos ofensores e envolve a aproximação entre Vítima, agressor, suas famílias e a sociedade na reparação dos danos causados por um crime ou infração[6].

Renato Sócrates, conceitua a Justiça Restaurativa como um modelo consensual da tentativa de reconstrução de uma relação que foi quebrada entre transgressor e ofendido, em consequência de um delito ou ato infracional, para curar os traumas e as feridas deixadas, envolvendo a família e a comunidade em círculo de solução[7].

Para Giamberardino, a Justiça Restaurativa em sentido amplo é definida como conjunto de princípios normativos que, assim como outras teorias, visa responder a questão de que como deve uma sociedade reagir diante do conflito[8].

Jaccoud citado por Pallamolla define Justiça Restaurativa como “uma aproximação que privilegia toda forma de ação, individual ou coletiva, visando corrigir as consequências vivenciadas por ocasião de uma infração, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes ligadas a um conflito[9].”

Apesar da amplitude do conceito de Justiça Restaurativa observa-se um consenso por parte da doutrina na definição de Tony Marshall, é “um processo onde todas as partes ligadas de alguma forma a uma particular ofensa vêm discutir e resolver coletivamente as consequências práticas da mesma e as suas implicações no futuro[10].”

Sendo assim, entende-se que a Justiça Restaurativa constitui, portanto, um conjunto de princípios, técnicas e ações, bem como há um consenso no entendimento de que é meio alternativo de solução de conflitos, desse modo tem como objetivos, proporcionar crescimento, reorganizando e redirecionando o convivo social, colaborando com a solução de conflito de forma pacífica, fundamentada em princípios e valores.

Importa observar a existência e disposição de princípios e valores inerentes a Justiça Restaurativa, os quais não serão aqui destacados por não se tratar de objeto da presente reflexão, os quais encontram-se expressos em documentos brasileiros assinados em conferências sobre o tema, a exemplo da Carta de Araçatuba de 30 de abril de 2005[11],  Carta de Brasília de 17 de junho de 2005[12], Carta do Recife sobre Justiça Restaurativa de 12 de abril de 2006[13] e na Carta de São Luís sobre Justiça Juvenil Restaurativa de 9 de julho de 2010[14].

Sendo assim, nota-se que a prática da Justiça Restaurativa se dá de forma voluntária e somente quando há reconhecimento de culpa por parte do ofensor. O método não exclui necessariamente o processo, que pode caminhar paralelamente à sua aplicação e não acarreta impunidade, mas busca reparar outras esferas do crime não abrangidas pelo processo judicial, por meio de um ”empoderamento da vítima”.

Sendo assim, constata-se que, a Justiça Restaurativa tem muito a colaborar com o sistema penal, devido a sua flexibilização, podendo ser aplicado nas suas múltiplas formas, adequando-se aos casos concretos, alcançando resultados positivos, não se pode afirmar com precisão os resultados alcançados, vale registrar a sugestão de novas pesquisas nos polos dos projetos para apurar sua eficiência.

Nota-se que a Justiça Restaurativa visa uma abordagem aplicada com garantias, além de um tratamento igualitário, não puramente punitivo, que tem como objetivo restaurar os efeitos adversos do crime a partir do enfoque das necessidades integrais das partes envolvidas, abrangendo a reparação de ordem material, emocional e afetiva, somado ao fato de que sustenta-se a Justiça Restaurativa em princípios e valores, fazendo uso da mediação, orientada por um procedimento voluntário, calcados no respeito, honestidade e responsabilidade, agregando ainda a promoção dos direitos humanos, da cidadania, da inclusão social e a dignidade.


Notas e Referências:

[1] Conselho Nacional de Justiça CNJ. Justiça Restaurativa: O que é e como Funciona. Matéria publicada em: 24/11/2014 Disponível <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-funciona> Acesso em: 09 abr. 2016.

[2] PINTO, Rafael Gonçalves de. Justiça Restaurativa um novo Conceito. Revista eletrônica de direito penal volume III. Disponível <www.arcos.org.br › … › Volume III> Acesso em: 13 de abr.2016. Importante ressaltar que o debate acerca da Justiça Restaurativa foi introduzido no Brasil com a carta de Araçatuba, redigida no I simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa, realizado na cidade de Araçatuba, São Paulo, nos dias 28,29,30 de abril de 2005.

[3] Conselho Nacional de Justiça, CNJ.Curso de Justiça Restaurativa e Mediação Vitima Ofensor. Disponível <www.cnj.jus.br/files/…/03/08a9294290fbd23cbaa6036a820a8489.pdf> Acesso em: 13 abr. 2016.

[4] ZEHR, Howard Trocando as Lentes, um Novo Foco sobre o Crime e a Justiça Restaurativa; tradução de Tônia Van Acker. palmas Athenas. São Paulo 2008, p.8 e 170

[5] PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In: SLAKMON, C.; DE VITTO, R.; PINTO, R. Gomes (Org.). Justiça Restaurativa. Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.  2005, p. 23.

[6] Conselho Nacional de Justiça. Disponível: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81051-cnj-servico-conceito-basico-da-justica-restaurativa>. Acesso em: 16 fev. 2016.

[7] PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça restaurativa é Possível no Brasil? in: Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília. 2005. Disponível em:< www.justiça21.0rg.br> Acesso em: 20 de fev. 2016.

[8] GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Critica da Pena e Justiça Restaurativa: A censura para Além da Punição 1° ed. Empório do direito- Florianópolis- SC. 2015 p. 153.

[9] PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça Restaurativa: da Teoria à Prática. São Paulo: IBCCRIM, 2009, p. 54.

[10] FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza, Finalidade e instrumentos. Coimbra, 2006, p. 24.

[11]  Carta de Araçatuba. Princípios da Justiça Restaurativa. I simpósio Brasileiro da Justiça Restaurativa28 a 30 de abr.2005 Disponível < jij.tjrs.jus.br/justica-restaurativa/carta-araçatuba>. Acesso em: 10 abr. 2016.

[12] Carta de Brasília. Princípios e valores da Justiça Restaurativa.Conferencia Internacional de 14   a 17 de jul.2005. Disponível <justicarestaurativaemdebate.blogspot.com/2008/10/carta-de-braslia.html> Acesso em: 10 abr. 2016.

[13] Carta de Recife. II Simpósio Brasileiro de justiça restaurativa. Recife. PE,10,11,12 de abr. 2006.  Disponível < www.justica21.org.br/j21.php?id=225&pg=0> Acesso em: 10 abr. 2016.

[14] Carta de São Luiz Sobre justiça juvenil Restaurativa. Disponível em: <www.calameo.com/books/000788872c46cd5660947> Aceso em: 10 abr. 2016.


 

 

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