Aspectos Administrativos do Procedimento de Dispensa de Recurso Previsto e Proposta de Alteração do Regimento Interno da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina – Por Daniel Rodrigues Teodoro da Silva

15/01/2017

Extrai-se da Lei Orgânica (LC nº 317/05) e do Regimento Interno da Procuradoria Geral do Estado - PGE (Decreto nº 3.663) bem como da praxis do órgão, três formas pelas quais a interposição de um recurso pode ser dispensada, por meio de: pedido de dispensa de recurso propriamente dito (art. 66 do RI); dispensa genérica de recursos judiciais (art. 84, §3º, do RI); portarias temáticas (art. 7º, inciso I, da Lei Orgânica e artigo 6º, inciso X, do RI).

Este artigo abordará tão somente o pedido de dispensa de recurso propriamente dito, doravante denominado PDRPD, previsto no artigo 66 do regimento interno da Procuradoria-Geral do Estado.

Como se observa da redação do referido artigo[1], trata em essência o dispositivo, da hipótese em que o procurador vinculado entendendo incabível a interposição de recurso de apelação, embargos infringentes, ordinário, revista, especial ou extraordinário, por ausência dos pressupostos de admissibilidade ou em razão da orientação jurisprudencial desfavorável, dentro do prazo de 72 horas a contar da intimação judicial, solicita autorização ao procurador-chefe para não interpor recurso, o qual, por sua vez, possui o prazo de 5 dias para se manifestar, situação em que pode acolher a arguição ou a recusar. Nesta última hipótese, o procurador-chefe pode devolver o processo ao procurador vinculado para interpor recurso, avocar os autos do processo para ele mesmo recorrer ou designar outro procurador para fazê-lo.

É importante verificar que este procedimento possui a finalidade de controle. Funciona como uma instância revisora da decisão do procurador do estado vinculado – verificação das hipóteses de dispensa previstas na lei orgânica e no regimento interno, ao mesmo tempo que permite ao procurador-chefe tomar ciência de questões que estão sendo ventiladas dentro de uma determinada área. Pode-se dizer, de outro lado, que o PDRPD tem servido para uniformizar procedimentos e corrigir eventuais equívocos/omissões cometidos pelos procuradores vinculados.

Pois bem, em que pesem as boas intenções do procedimento, necessário dizer que ele não atinge a finalidade para a qual foi concebida.

Em primeiro lugar, tem-se que a previsão de PDRPD induz ao recurso porque é um procedimento mais complexo para o procurador vinculado do que a simples interposição do Recurso. Com efeito, o procedimento de consulta e autorização ocorre durante o prazo em curso e eventual resposta negativa, importa em menos prazo para a interposição do recurso. Além disso, exige-se do procurador vinculado dedicação semelhante a destinada ao processo judicial, visto que se trata de um mesmo trabalho de convencimento. Mais fácil, portanto, recorrer.

Na prática, o que tem ocorrido de forma absolutamente corriqueira é que não havendo motivos para recorrer, o próprio procurador vinculado se autodispensa do recurso, encerrando a pendência judicial “por responsabilidade”, sem submeter tal questão a análise do procurador-chefe, em flagrante desrespeito ao procedimento estabelecido no regimento interno.

De outro lado, o procedimento de PDRPD é pernicioso para o procurador-chefe porque ele toma conhecimento do processo no momento em que recebe a arguição e tem um curto espaço para análise e resposta ao Procurador vinculado. Todas as arguições são direcionadas apenas a ele e o volume não é pequeno. Além disso, em diversas situações, o procurador-chefe analisa a opinião jurídica do procurador vinculado sem ter conhecimento técnico aprofundado sobre a matéria e sobre os autos, razão pela qual o procedimento, na forma que existe hoje, faz com que procurador-chefe tenda a concordar com a manifestação do Procurador vinculado.

Neste aspecto, amostra extraída do próprio PGENET – consulta acessível a todos os usuários do sistema, permitiu verificar que nos anos de 2013 e 2014, somando-se as áreas fiscal e contencioso, constatou-se um total de 1.878 solicitações de dispensa de recurso. Deste total, apenas 178 foram indeferidas[2]. Interpostos os recursos relativos ao indeferimento da dispensa de recurso, somente 40 foram parcialmente ou totalmente providos. Deste total 23 se referiam ao recurso de apelação, 12 relativos ao recurso de embargos de declaração, 4 relativos a recurso inominado e 1 relacionava-se a pedido de uniformização.

Em suma, portanto, em relação ao total de solicitações de PDRPD realizadas pelos procuradores vinculados, apenas 2% delas foram recusadas e parcial ou totalmente providas. Em relação apenas aos PDRPD que foram indeferidos, o percentual de provimento parcial ou total de recursos atingiu o montante de 22%, destacando-se que não houve qualquer provimento de recurso relativo à PDRPD indeferido de acórdão de 2ª instância.

Ante ao exposto, cabe repensar o PDRPD, previsto no artigo 66 do regimento interno da PGE, com o fim de torna-lo menos burocrático e mais efetivo.

Assim, o modelo de dispensa de recurso que se propõe acolhimento é o da independência motivada, ou seja, o próprio procurador vinculado poderá decidir se é o caso ou não de interpor o recurso, justificadamente. Contudo, não se defende a adoção deste modelo se, ao mesmo tempo, não houver um controle correcional de forma e conteúdo.

A independência motivada é vantajosa para o serviço público porque não induz ao recurso. Tem-se o mesmo prazo para se decidir recorrer ou não recorrer. Além disso, é um procedimento que tende a ser cumprido, pois envolve reciprocidade. Há um ganha-ganha tanto do Procurador vinculado quanto do Procurador-Chefe.

Ademais, o Procurador vinculado ganha autonomia e se torna ao mesmo tempo o único responsável pela sua decisão. O binômio autonomia-responsabilidade leva a reflexão, cautela e engajamento. Neste aspecto, considerada a natureza eminentemente intelectual da atividade do procurador do estado, a alta capacidade técnica decorrente da aprovação em concurso público, nada impede que a liberdade de decisão seja estimulada pela administração superior da PGE.

A motivação acerca da dispensa de recurso, por outro lado, consolida o dever de prestar contas (accountability) decorrente da função pública. No caso, o que se propõe é que o próprio Procurador vinculado justifique a dispensa de recurso de forma simples, em no máximo duas ou três linhas, o que de certo modo já ocorre na realidade à revelia da instituição.

É importante verificar, também, que embora a administração pública de maneira geral esteja impregnada da noção de disciplina e formalismo, diferentemente de outras épocas, hoje existe um sem número de fontes de informação acessíveis a todos os procuradores do estado. Ademais, no caso da análise da dispensa de um recurso para instância especial, por exemplo, o processo já foi avaliado duas vezes por um agente público imparcial (juiz) e duas vezes também pelo procurador vinculado que interpôs o recurso e que foi intimado do acórdão, o qual também lhe cabe o controle de juridicidade. Assim, todas as questões já foram expostas nos autos e são passíveis de análise pelo procurador vinculado, sendo absolutamente desnecessária a quinta intervenção de um agente público (procurador- chefe) para reavaliar mais uma opinião jurídica proferida no processo.

Neste contexto, pode soar paradoxal, mas a maior parte do controle, aquele que objetiva avaliar a qualidade do trabalho desenvolvido pelo procurador do estado não é decorrente da hierarquia, mas sim do intercâmbio incessante de informações, por meio do PGENET, internet, whatsaap, Email, das conversas diárias entre os colegas e de reuniões e encontros periódicos.

Por outro lado, o controle correcional rápido e eficiente faz-se também necessário porque é recomendável uma certa dose de pressão para diminuir eventuais riscos de desvios no procedimento sugerido. No caso, o que se propõe é que a Corregedoria da Procuradoria-Geral do Estado realize um controle de forma e conteúdo a cada mês, observando um número mínimo de encerramentos de pendência por responsabilidade para cada Procurador.

Em suma, sem embargo da compreensão de que o sistema de dispensa de recurso da PGE/SC envolve adoção conjunta e simultânea de várias ferramentas, o que se afirma com a presente análise é que o excesso de controle ou o controle instituído sem levar em consideração aspectos do cotidiano e de comportamento do servidor levam exatamente ao oposto do que se pretende. Assim, faz-se necessário um novo modelo de dispensa de recurso que se preocupe precipuamente com a qualidade do trabalho desenvolvido pelo procurador do estado e que valorize sua capacidade técnica e sua autonomia funcional decorrente do seu status constitucional de função essencial à justiça.


Notas e Referências:

[1] Art. 66. Quando o Procurador do Estado vinculado entender incabível a interposição de recurso de apelação, embargos infringentes, ordinário, revista, especial ou extraordinário, por ausência dos pressupostos de admissibilidade ou em razão de orientação jurisprudencial em sentido desfavorável, suscitará a questão perante o Procurador-Chefe do respectivo órgão de execução central, motivadamente, observado o seguinte:

I - o Procurador do Estado deverá suscitá-la em 72 (setenta e duas) horas a contar da intimação judicial;

II - o Procurador-Chefe do respectivo órgão deverá decidir no prazo máximo 05 (cinco) dias;

III - acolhida ou recusada a arguição pelo Procurador-Chefe, dessa decisão se notificará o suscitante;

IV - recusada a arguição, o recurso será interposto pelo Procurador do Estado vinculado, podendo o Procurador-Chefe avocar o processo para o fim de interpor o recurso ou redistribuí-lo a outro Procurador do Estado para o fim exclusivo de interpor o recurso;

V - não havendo tempo hábil para processar a arguição, o recurso deve ser interposto pelo Procurador do Estado vinculado; e

VI - aplica-se o procedimento previsto neste artigo, no que couber, ao ajuizamento de ação, desde que jurídica ou economicamente inviável.

[2] Excluídos os indeferimentos do PDRPD decorrentes da já existente portaria temática autorizativa.


 

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