As três ecologias e a reinvenção do Ser Humano – Por Wagner Carmo

23/07/2017

Félix Guattari[1] na obra As Três Ecologias, propõe um pensamento reconhecidamente transversal e ecológico-filosófico. O autor analisa à relação entre o sujeito e o ambiente que o cerca, incluindo as dimensões social, ambiental e subjetiva, na tentativa de compreender o indivíduo através de sua realidade.

Trata-se, objetivamente, do rompimento com o modelo ambientalista dualística do mundo cultural e do mundo natural, passando a incluir, na discussão ambiental, além dos aspectos sociais, a subjetividade humana. A partir de tais perspectivas, a sustentabilidade ou o equilíbrio ambiental estaria dependente da prática humana e dos modos de vida dos Seres Humanos, seja pela conduta individual ou coletiva.

Desta forma, o presente artigo investigará as relações do Ser Humano sob o ponto de vista da subjetividade com o meio ambiente e a necessidade da reinvenção do comportamento ético pessoal e coletivo para uma convivência possível no planeta Terra.

O modelo de sociedade e a forma com que o crescimento econômico acontece produz um cenário atual de crise, tanto subjetiva quanto ambiental. O modelo de vida no sistema capitalista provocou o rompimento das relações sociais de solidariedade e interrompeu o processo subjetivo de reconhecimento do papel do Ser Humano no mundo. O capitalismo se desterritorializou inserindo no universo subjetivo, cultural e social do indivíduo e da sociedade: a) o discurso desenvolvimentista da indústria; b) o apelo da balança comercial pela expansão do agronegócio e c) a publicização do horror econômico em favor do crescimento da economia.

A partir deste contexto, estando o Ser Humano envolvido subjetivamente pela lógica da sociedade capitalista, o meio ambiente tende a ser um objeto de consumo e de saciedade do prazer, ocupando uma dimensão secundária sob o ponto de vista ético na vida dos indivíduos e da coletividade. Felix Guatari destaca, para tanto, que o desafio sob o ponto de vista social é a reconstrução das relações humanas, reconhecendo que o sistema capitalista se deslocou e ampliou sua atuação, chegando nos ambientes mais profundos da subjetividade humana.

O resultado da reificação da subjetividade humana, pelo sistema capitalista, é a produção do consumo massificado e o surgimento dos indivíduos mortos vivos, cujo padrão de modelagem do capital determina como devem ser e como devem viver.

Diante deste quadro, a sobrevivência do Ser Humano encontra-se na dependência do desenvolvimento de uma filosofia sócio-ambiental que considere a execução de práticas humanas voltadas à reinvenção dos modos de vida do indivíduo no meio social e no aprofundamento dos elementos intrínsecos da subjetividade humana, o que Felix Guattari explica como sendo a renovação da relação do sujeito com o corpo, em suas instâncias psíquicas individuais e coletivas.

Aliais Felix Guattari ao fixar o elemento da subjetividade entre o mundo cultural e o mundo natural, resguardou a possibilidade da recomposição das práxis humanas nos mais variados domínios, garantindo que a produção de subjetividades estivesse resguardada pela dinâmica da autopreservação.

A autopreservação, por sua vez, exige uma mudança de paradigma sócio-ambiental que considere as possibilidades de interseção entre o modelo de individuo/sociedade possível e a natureza, revendo a lógica da cultura de valorização do consumo e albergando um Ser Humano integrado aos valores éticos de sua contemporaneidade.

Os valores éticos pressupõem um ambiente saudável e constituído pela presença de Seres Humanos que tenham capacidade de compreender o sentido de estar vivo e de viver no planeta terra, especialmente diante das constantes e inexoráveis mudanças cientificas. Requer um Ser Humano que seja capaz de responder adequadamente qual é a verdadeira finalidade do crescimento econômico. Requer um Ser Humano que possa refletir e emitir sua opinião sobre os processos de opressão e marginalização de grande parte da sociedade. Requer um Ser Humano que reinvente o meio ambiente, afastando a degradação humana pelo desemprego e pela cultura do medo. Requer um Ser Humano inteligente e solidário, livre da solidão, da neurose e da angustia.

Neste sentido, segundo Felix Guattari, não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Completaria, ainda, incluindo uma verdade e autêntica revolução subjetiva.

A guisa de conclusão é possível afirmar que o futuro da humanidade não se encontra apenas na luta pela preservação da natureza, pois, no entender de Felix Guattari, a subjetividade deve ser considerada a partir do processo contínuo de ressingularização do individuo e da retomada da confiança da humanidade em si mesma para realizar a autopreservação do Ser Humano e do planeta.


Notas e Referências:

[1] GUATTARI, Félix. As três ecologias. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. São Paulo: Papirus, 1995.


 

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