AS RESPOSTAS PRONTAS E O DIREITO: DA POLÍTICA AO NEOLIBERALISMO

13/01/2022

Na Grécia antiga, Aristóteles afirmava que o homem é um “animal político”, logo, que é um ser voltado para a vida na pólis (comunidade). Assim, é possível se extrair que, para Aristóteles, se o homem já nasce com predisposição a viver em sociedade, compreendida esta como a comunidade de indivíduos que vivem em uma coletividade organizada (sob alguma ordem vigente), é porque, então, esta (sociedade) antecede o homem, enquanto indivíduo.

Não obstante, é impossível se negar o fato de que a Sociedade é formada por homens/indivíduos. Assim, seguindo a lógica aristotélica, caímos no mesmo dilema do “ovo e da galinha”, nos questionando, afinal, quem surgiu antes, o indivíduo ou a Sociedade. Ou, como também se pode dizer, o que surgiu antes, o indivíduo ou o Estado? Uma vez que a resposta é imprescindível para pensar(mos) de onde devem vir as atitudes iniciais de quebra dos círculos viciosos, para a construção dos círculos virtuosos.

Pois bem. Diversamente do ovo e da galinha, a história (inclusive da evolução) já demonstrou que o homem (homo sapiens sapiens) veio antes da sociedade tal qual a conhecemos. Ou seja, fato é que não existe sociedade sem indivíduo, embora a recíproca não seja verdadeira.

Todavia, o que se vê na atualidade, no modelo democrático vigente, é uma (re)construção de um modelo democrático, a partir das bases do direito grego e romano antigos. Porém, apesar da construção pautar-se em raízes helênicas, há algumas divergências de relevo, principalmente em decorrência do pensamento iluminista antropocêntrico que não podem ser deixadas de lado.

Dessa forma, diferentemente dos direitos políticos existentes na polis grega (vivida sob a égide do pensamento aristotélico)[1], aonde os direitos eram exercidos somente para o Estado, uma vez que este (no pensamento então vigente) antecedia os sujeitos, atualmente tem-se em vigor a liberdade, pautada no paradigma kantiano, para quem o ser-humano é(ra) sempre o fim (finalidade).

Dessa forma, vige atualmente o corolário da liberdade, só podendo o Estado reprimir o indivíduo com base em um imperativo legal (art. 5.º, inciso II, da CRFB/88), que cumpra sua finalidade social (art. 37 da CRFB/88).

Pois, o ponto nevrálgico é que tal paradigma kantiano, principalmente no que tange ao princípio da moral kantiana[2], está sendo influenciado por práticas sociais pós-modernas, uma vez que os valores coletivos vêm sendo deixados de lado em prol de um individualismo próprio do neoliberalismo[3].    

Nesse sentido, afirma BAUMAN que formos, enquanto sociedade, da ágora ao mercado (porquanto só utilizamos a civilidade – direitos – para o mercado (para o individual), e não para a política – para a pólis, o coletivo)[4].

Portanto, ao invés de procurarmos respostas coletivas para problemas dos indivíduos (que podem ser, inclusive problemas coletivos[5]), passamos a buscar soluções individuais (daí, inclusive, a judicialização das políticas públicas) para problemas coletivos, como bem destaca BAUMAN:

Assim, poucas coisas estimulam as pessoas a visitar a ágora, que dirá se engajar em seus trabalhos. Deixadas cada vez mais por conta de seus recursos e sagacidade próprios, espera-se das pessoas que encontrem soluções individuais para problemas socialmente gerados, e que o façam individualmente, usando suas habilidades e capacidades. Tal expectativa coloca os indivíduos em competição mutua e faz com que a solidariedade comunal (exceto na forma de alianças de conveniência temporária, ou seja, de laços humanos atados desatados a pedido e “sem criar vínculos”) seja percebida como algo amplamente irrelevante, se não contraproducente. Se não for amenizada por uma intervenção institucional, essa “individualização por decreto” torna inescapáveis a diferenciação e a polarização das oportunidades individuais; na verdade, transforma a polarização das expectativas e oportunidades num processo capaz de se movimentar e acelerar por si mesmo[6].

Acrescente-se a isso, ainda, que vivemos em um tempo de velocidade da informação, de liquidez das relações e de impessoalidade como marcas indeléveis da pós-modernidade. Com todos estes fato(re)s, a sociedade vai perdendo a capacidade de pensar e de se pautar de forma crítica. E aí, caímos mais uma vez no neoliberalismo bem descrito por MARQUE NETO, onde há “eficiência técnica em detrimento da eficiência ética[7]. Trata-se de um momento onde o pragmatismo se une à metódica, ainda que de forma velada e discreta.

Assim, os indivíduos vêm buscando, cada vez mais, respostas e soluções prontas do Estado para problemas e questões que demandam crítica pessoal e social, daí o crescimento do direito penal simbólico, da judicialização das políticas públicas, muitas vezes insustentáveis.

O grande problema é que tais respostas prontas retiram o caráter crítico e ativo da sociedade civil, deixando os indivíduos cada vez mais longe da política, tornando, assim, o espaço da política propício para a corrupção, ante o desinteresse generalizado e a ausência de capacidade crítica por parte da sociedade.

Por fim, é que, como bem demonstrou HANNAH ARENDT[8], se deixamos de ser éticos (críticos), tornamo-nos patéticos (e hipócritas, acrescento), uma vez que perdemos, lamentavelmente, até mesmo nossa humanidade.

 

 

Notas e Referências

Arendt, Hanna. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008.

BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 26.

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 96/103.

MARQUES NETO, Agostinho. Neoliberalismo e gozo. In: A Lei em tempo sombrios. Rio de Janeiro: Cia. de Freud; Vitoria: ELPV, 2009, p. 54.

[1] BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 95 e 142/145.

[2] BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 96/103.

[3] MARQUES NETO, Agostinho. Neoliberalismo e gozo. In: A Lei em tempo sombrios. Rio de Janeiro: Cia. de Freud; Vitoria: ELPV, 2009, p. 54.

[4] BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 17/38.

[5] Direitos coletivos ou individuais homogêneos, por exemplo.

[6] BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 26.

[7] MARQUES NETO, Agostinho. Neoliberalismo e gozo. In: A Lei em tempo sombrios. Rio de Janeiro: Cia. de Freud; Vitoria: ELPV, 2009, p. 54.

[8] in Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008.

 

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