As relações suspeitas entre acusadores e julgadores no Brasil: precisamos de mais imparcialidade  

27/07/2019

 

Uma situação extremamente comentada a partir do dia 29.06.2019 foi justamente a troca de mensagens entre o juiz Sérgio Moro e alguns membros do Ministério Público. Os chats privados revelaram uma colaboração proibida entre esses juristas segundo o site The Intercept.  O vazamento do áudio que mostrava uma espécie de trama processual entre tais agentes políticos me fez lembrar sobre a tão comentada lei do retorno. Sérgio Moro já vazou documentos no passado de outras pessoas e agora foi a própria vítima da vez.

Não é de hoje que isso acontece. Peguemos o exemplo do inventor grego Perilo de Atenas, o qual foi responsável por uma invenção chamada Touro de Bronze que servia para torturar pessoas. O indivíduo era posto dentro da invenção e se acendia uma fogueira debaixo dela para que o condenado fosse queimado vivo. Depois de mostrar seu invento a Fálaris, tirano de Agrigento, na Sicília, Perilo foi colocado dentro do touro de Bronze para ser queimado vivo.

Saindo um pouco da História e adentrando o Direito, vale ressaltar que hoje é posição dominante nos principais tribunais de Direitos Humanos o reconhecimento da necessidade de se garantir um julgamento justo por um juiz ou tribunal imparcial. A corte de Estrasburgo afirma que a confiança do cidadão nos tribunais de justiça está, em grande parte, baseado no princípio da imparcialidade.[1]

Pelo fato de inexistir igualdade de armas e tratamento no Brasil, o processo penal brasileiro se apresenta como um processo primitivo. Em outras palavras, há falta de condições estéticas de imparcialidade e há uma estrutura inquisitorial que não cria as condições de possibilidade para o país ter juízes verdadeiramente imparciais.[2] De fato, a troca de mensagens entre julgador e acusador não evidenciou nenhuma imparcialidade.

Os esclarecimentos da doutrina acerca do princípio da imparcialidade são extremamente válidos. É possível conceitua-lo como a “característica essencial do perfil do juiz consistente em não poder ter vínculos subjetivos com o processo de modo a lhe tirar o afastamento necessário para conduzi-lo com isenção”.[3]

Nessa esteira, tanto o impedimento e a suspeição devem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, afastando-se de maneira voluntária de oficiar no processo e encaminhando-o ao seu substituto legal, isto é, por meio das garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios o magistrado deve atuar com isenção (o que inclui declarar-se suspeito ou impedido).[4]

Cabe ressaltar que não se está exigindo neutralidade dos magistrados, mas sim imparcialidade. A primeira diz respeito ao juiz abandonar seus valores e crenças a tal ponto de não os deixar contaminar as suas decisões. A segunda significa o agente se afastar subjetivamente do caso e dos envolvidos para não proferir decisões dotadas de favoritismo, ou seja, deve haver uma equidistância entre as partes.

Vale lembrar um caso muito famoso chamado Piersack vs. Bélgica em que o Tribunal de Direitos humanos declarou que "todo juiz em relação ao qual possa haver razões legítimas para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processo. O que está em jogo é a confiança que os tribunais devem inspirar nos cidadãos em uma sociedade democrática"[5].

Não se pode deixar ao relento ou permitir que a imparcialidade no processo penal brasileiro tenha um papel coadjuvante. Muito pelo contrário, é preciso elevar tal princípio à categoria de princípio supremo do processo, como se tem na lição clássica de Goldschmidt. Isto é, é preciso reconhecer que os juízes são seres humanos, mas ao mesmo tempo são agentes dotados de capacidade plena de decidirem conforme o direito positivo.

Para concluir vale dizer que é natural em um jogo de futebol existir anulações de gols, distribuição de cartões, marcação de faltas e impedimentos etc. Se as regras são obedecidas e os jogadores seguem as normas ditadas  pela autoridade tudo corre e ocorre às mil maravilhas. Se o impedimento é marcado contra o pior jogador, ele também deve ser apitado contra o melhor jogador. O nome disso é imparcialidade. Assim não deve ser diferente com as democracias modernas e com os Estados de Direito.

 

Notas e Referências

[1] YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. "Lava jato" gate traz à tona relação espúria entre MPF e o juiz da causa. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2019-jun-10/yarochewsky-lava-jato-gate-traz-tona-relacao-espuria#author>. Acesso em 05/07/2019.

[2] ROSA, Alexandre Morais da; LOPES JÚNIOR, Aury. Afinal, se no jogo não há juiz, não há jogada fora da lei. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2019-jul-05/limite-penal-jogo-nao-juiz-nao-jogada-fora-lei>. Acesso em 06/07/2019.

[3] TAVÓRA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 73.

[4] TAVÓRA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 73.

[5] SILVA, Philipe Benoni Melo e; LOPES JÚNIOR, Aury. Daqueles que violam direitos e garantias fundamentais, o inimigo sou eu. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2019-jun-21/limite-penal-daqueles-violam-direitos-garantias-fundamentais-inimigo-sou-eu>. Acesso em 06/07/2019.

 

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