Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
O ano de 2019 está sendo regido por Ogum. Há que não acredite, mas os que acreditam ensinam que é o ano dos nervos à flor da pele e do fim das sociedades. Ora, quer quem acredite ou não, inegável é que alguns fins batem à porta. Do caso Neymar à Vaza Jato, a semana foi intensa, mas também foi intensa a investida em corações que quase nos engoliram entre as vitrines da cidade e as publicidades nas redes sociais.
Logo, fazendo jus ao que se destina esta coluna: consumo! Atei-me às publicidades e ao que resta sobre amar na véspera do dia dos namorados.
No Brasil, o dia dos namorados, ao contrário de todo o resto, não ocorre em fevereiro e sim no famoso 12 de junho. O dia é uma das datas comemorativas mais relevantes para o comércio, momento em que as marcas se organizam para surpreender os consumidores e os amantes com publicidades comoventes.
Há corações e promoções por todos os lados e as publicidades reiteram: é hora de comemorar e demonstrar amor.
O país justifica que comemora o dia dos namorados em junho em razão da proximidade do dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro. No entanto, a explicação não religiosa, contada pela IstoÉ e outras revistas, diz que, por essas bandas e desde 1948, a data foi escolhida pelo enfraquecimento das vendas no mês de junho.
E foi João Dória (pai) que lançou a campanha das lojas Clipper com o fim de atrair os consumidores para as compras de junho. A rede de lojas lança a publicidade, que estampa esta coluna, afirmando: “Não é só de beijos que se prova amor”.
Ocorre que, uma frase nunca é só uma frase quando inserida em uma publicidade. Muito menos é só amor que representa uma publicidade do dia dos namorados, pois ela é também o meio de influenciar nossas ações.
Importa destaque ao uso do termo publicidade, visto que os termos publicidade e propaganda são tratados, na maioria das vezes, indistintamente. No nível do senso comum eles não oferecem precisão conceitual, inclusive consta no dicionário Aurélio conceitos quase que sinônimos. No âmbito jurídico o uso indiscriminado é comum, o próprio código de Defesa do Consumidor não traz uma definição do termo publicidade e não se refere ao termo propaganda.
Assim, deve-se levar em conta que os meios de comunicação são os responsáveis por mediar à informação entre os consumidores de informação e o acontecimento, como fornecedores de representações, de modo que todo o acontecimento pode ser moldado como projeto narrativo que não oferece mensagens, mas define a própria mensagem (NETO, 2004).
Tão logo, necessário é considerar que os veículos de comunicação são sustentados por grupos econômicos, que obviamente visam a obterem lucros e, esses lucros, só poderão ser obtidos com a venda de produtos nos espaços de publicidade, a partir de discursos persuasivos.
Então, quando as lojas Clipper afirmam que não é só de beijos que se prova amor, corroboram tanto com o impulsionamento das datas comemorativas e da mercantilização dos afetos, quanto com a ideia de que o consumismo é a forma única de expressar sentimentos.
O presente, o ato de abrir a embalagem, a necessidade vazia de que tudo vale um preço. A publicidade comovente e atrativa que se materializa na vida comum.
Nesse sentido, ensina Tavares (2006, p. 119) que “a publicidade nada mais é o financiamento de uma transmissão nos meios de comunicação (mídia) com o fim de fazer vender um produto ou serviço de uma marca para consumidores utilizando recursos linguísticos e estilísticos de ordenação, persuasão e sedução através de apelos racionais e emocionais”.
A publicidade, então, deve ser compreendida como entrada em cena da marca no mercado de trocas simbólicas, como representação da lógica de si – apesar de a identidade da marca ser mais ampla – no diálogo com as apreensões desenvolvidas por seus vários públicos. A proposta dos mundos possíveis da marca utiliza o trabalho como figurativização das formas como a marca quer ser vista, expondo sua lógica para consumo simbólico de seus públicos de consumo (BARBOSA, 2004, p. 68).
Já dizia Baudrillard (2000), que a linguagem publicitária é conotação pura, há um jogo de palavras sutil, mas estrategicamente hábil para a venda de uma idéia (produto). Ou seja, neste caso, trabalha-se com o indicativo publicitário. É, sem nenhuma dúvida, uma forma de dominação simbólica (Bourdieu, 2001) a serviço da ideologia do consumo.
A publicidade capta o consumidor e o induz à compra, de forma que no período que antecede o dia dos namorados, as marcas investem em publicidades cada vez mais abrangentes, realizadas com base nas expectativas do comércio.
Peço licença à crítica, pois preciso destacar que a premissa de publicidades inclusivas não se aplica em todas as cidades. Da terra de onde veio (“as aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá”), após repercussão, uma loja ijuiense retirou as fotos de um casal homossexual que estampava sua publicidade do dia dos namorados. A loja retirou a campanha que não ia ajudar nas vendas, e os meios de comunicação, que veicularam a notícia, omitiram o nome da loja.[1]
Voltemos aos dados e à capital: Para 2019, de acordo com a pesquisa encomendada pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL), o valor médio a ser gasto em presentes será de R$ 217,00.[2] Assim, estima-se um volume de 2,8% a mais do que registrado no ano passado, que segundo pesquisa veiculada pelo Jornal do Comércio, injetaria R$ 80 milhões no comércio da cidade.[3]
Por fim não se está aqui para dizer que as publicidades devem ser banidas por não representarem o amor, só se está a informar que além de uma bela, inclusiva (falta muito) e criativa publicidade se encontram os objetivos primeiros do mercado: vender e lucrar.
Então, sob esta perspectiva, deixo a reflexão, pois se “não apenas de beijos que se prova amor”, com produtos é que não será.
Notas e Referências
BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
BAUDRILLARD, J. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 2000.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
NETO, Antonio F. A Deflagração no sentido. Estratégias de produção e captura da recepção. In: SOUZA, Mauro Wilton de. Sujeito, o lado oculto do Receptor. São Paulo: Brasiliense, 2004.
TAVARES, F. Publicidade e consumo: a perspectiva discursiva. Comum. Rio de Janeiro. V.11. N 26. 117-144. Jan/Jun, 2006.