As políticas públicas ambientais à luz da influência neoliberal

31/03/2019

Introdução.

As transformações de ordem ambiental, vivenciadas por todo o mundo contemporâneo, vem provocando a redução drástica na qualidade de vida e impactando, diretamente, o meio ambiente natural, construído, cultural e do trabalho.

As diversas “soluções” que são apresentadas à sociedade, com o intuito de mitigar os impactos das transformações provocadas pelo Ser Humano no meio ambiente, provém do poder público através da implantação de políticas públicas, frequentemente associadas ao tríplice fator: (a) estatística; (b) economia e (c) direito.

Nesse contexto, a estatística, (ciência que se utiliza das teorias das probabilidades para explicar a frequência da ocorrência de eventos), fornece ao Poder Público e ao setor produtivo a análise de dados circunspetos aos eventos humanos e industriais/comerciais incidentes na natureza e as probabilidades de saturação do meio ambiente; direcionando as ações estratégicas destes e daqueles. A economia (ciência que estuda, dentre outros aspectos, a contenção ou moderação nos gastos), por sua vez, quando aplicada ao setor público, disciplina o orçamento e regula os investimentos na governança do meio ambiente. Por fim, o direito (em meio ao dissenso acerca de sua cientificidade, pois é reconhecido como uma ciência ou como uma arte ou, ainda, como uma técnica), é responsável por organizar as normas de conduta que deverão ser observadas na relação entre os Seres Humanos e a natureza.

A discussão que se coloca, no presente artigo, é saber de que forma a inter-relação entre os três fatores é utilizada pelo sistema capitalista neoliberal (vigente) para “justificar” as ações atuais de intervenção na natureza, com a saturação ou esgotamento dos recursos naturais, sem provocar a necessária repercussão sobre o debate ideológico que envolve a preservação, a conservação e a restauração; ou também, através do engodo do crescimento socioeconômico sustentável.

A política neoliberal aplicada ao poder público através do princípio da eficiência.

O discurso liberal aplicado ao serviço público no Brasil procura disseminar a pecha da ineficiência e da improdutividade, contaminando, de forma rasa, toda a sociedade. Por regra, a sociedade não se insere no universo da administração pública, e por isso, não compreende a complexidade das instituições públicas e das regras jurídicas que orientam a atuação do setor público na coordenação das atividades inerentes ao Estado. De forma geral, subliminarmente, o sistema liberal introduz um certo consenso de que as políticas públicas (vista pela sociedade apenas como serviços públicos) são caracterizadas (a) pela descontinuidade; (b) pela ineficiência; (c) pela carestia; (d) pela corrupção e (e) pela burocracia.

Os cidadãos e os atores políticos do Brasil, incluindo até mesmo os representantes da diga esquerda, geralmente são enganados pela retorica liberal; reproduzindo o discurso (ou a receita pronta) de que o poder público é ineficiente, letárgico e incompetente na gestão dos recursos públicos. Nesse sentido, incluem na conta do poder público a responsabilidade exclusiva pelos problemas relacionados com o crescimento econômico; fazendo acreditar que o subdesenvolvimento do País decorre de uma ação unilateral do Estado; quando na verdade, o comando da economia e do fluxo de capital não obedece a regras de fronteiras ou a mesmo a uma regra ética mínima, capaz de orientar o respeito aos Seres Vivos ou minimamente aos governos e as suas respectivas políticas nacionais.

O discurso encantador do liberalismo, que apregoa o estado mínimo, eficiente e competente; pode ser visto no Brasil através do princípio da eficiência, incluindo na Constituição Brasileira no caput  do art. 37, pressupondo uma gestão pública pautada na busca da “qualidade total”. Para o Estado alcançar a suposta qualidade no serviço público, segundo a perspectiva liberal, deve reduzir os investimentos em áreas sociais, abster-se de interferir na regulação econômica e desregulamentar protocolos normativos que possam gerar “dificuldades” para o desenvolvimento das atividades industriais e comerciais.

A abordagem liberal é silenciosamente imposta à sociedade através de técnicas que misturam linguagem, retórica e persuasão como chaves para uma compreensão direcionada e limitada sobre as políticas públicas e sua importância no contexto de uma democracia. Em última análise, o sistema provoca o afastamento da população do debate político a partir dos pressupostos básicos: (a) a manipulação da análise política, fixando o entendimento que a política não é e não pode ser objeto de reflexão, compreensão e dialogo pelo cidadão comum e, (b) que a política é uma coisa suja, corrompida e ruim; sendo imprópria para os cidadãos de bem.

As diversas políticas públicas ambientais e a falta de proteção do meio ambiente.           

Embora possa parecer um paradoxo, o subtítulo “as diversas políticas públicas ambientais e a falta de proteção do meio ambiente”, expressa a realidade das políticas públicas do Brasil em matéria ambiental.

A federação brasileira, quando a matéria é ambiental, é marcada por uma regra teratológica, pois, todos podem fazer gestão e política ambiental e ao mesmo tempo, poucos ou quase nenhum dos entes federativos exercem o efetivo papel na formulação e execução de políticas ambientais. A maior prova da falta de atenção às políticas públicas ambientais pode ser vista a partir do fato de que o Brasil levou, desde a edição da Constituição Federal de 1988, 23 anos para editar a Lei Complementar n.º 140/2011, responsável por disciplinar as competências administrativas em matéria ambiental entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

No universo político, entretanto, a questão federativa já não ocupa o centro da atenção, pois, atualmente, um dos maiores problemas (se não for o maior), reside no fato de que não é possível identificar, com precisão, quem são os atores políticos em uma era neoliberal. A construção de um Estado mínimo resultou na mutilação das funções do Estado através da privatização, uma forma de garantir “eficiência” na execução de políticas públicas. Nessa toada, por exemplo, o Estado vem optando pela prática da concessão das unidades de conservação, em todo o território, para exploração turística pela iniciativa privada.

A lógica do estado liberal e das políticas que decorrem da aplicação do Estado mínimo são encruentes com as práticas de sustentabilidade ecológica que o Brasil necessita. Uma visão adequada da sustentabilidade deve ter por objetivo a economia ecológica, pois, partindo da premissa de que não é possível afastar o Estado da gestão pública, exige-se uma articulação, permanente, que seja capaz de envolver o meio ambiente, a economia e a sociedade (o meio ambiente deve conter a sociedade que deve conter a economia).      

O desenvolvimento sustentável de um pais requer a edição de políticas públicas que possam regular a imbricação entre meio ambiente, economia e sociedade; que possa congregar e consolidar (a) o capital natural, (b) o capital econômico; (c) o capital humano e (d) o capital social. No Brasil, as políticas públicas ambientais deixaram de integrar a sociedade; de produzir o protagonismo cidadão e de promover a interlocução entre diferentes atores e tecnologias, valorando unilateralmente apenas o capital econômico.

A versão autoritária e unilateral no sistema neoliberal tem, primeiro, subjugado a política pública ambiental às condições de ordem econômica, afastando o capital humano e o capital natural através do discurso social de geração de riquezas e de emprego e, segundo, influenciando a “construção” de sujeitos apáticos e avessos à política. A desvinculação do Ser Humano e da natureza das relações políticas fortalece um modelo de gerenciamento do Estado sem autoridade ou poder (todo poder emana do povo) e sem condições ecológicas de manutenção da biodiversidade dos ambientes naturais; reduzindo as questões públicas ambientais a esfera econômica.

No ambiente do Estado neoliberal, para que as políticas públicas ambientais sejam consideradas validas e eficientes (ou seja, para que não travem o crescimento econômico), é necessária certa abertura que permita a resolução dos imperativos do mercado sem grandes limitações de ordem ambiental. Logo, como regra, não se pode esperar do mercado econômico qualquer preocupação com o capital natural. 

Conclusão.

As transformações ocorridas no corpo social e natural do planeta, ao longo do tempo, não irão cessar, ao contrário, pelo ritmo do crescimento econômico, pelo modo de desenvolvimento social e pela revolução tecnológica, os processos de mudança serão cada vez mais agudos, mais rápidos e mais violentos para os seres vivos e existente no globo.

As políticas públicas deverão, antes de tudo, medir a intensidade das transformações e alertar a sociedade sobre a necessidade de organizar medidas pedagógicas e jurídicas para fomentar a cidadania e constituir um modelo de proteção dos ambientes em que vivem todos os seres vivos e existentes do planeta.

A resposta política do Estado à sociedade, mesmo estando inserido na ordem neoliberal, deve partir dos seguintes princípios: (a) que as políticas públicas não são propriedade do Estado e não permanecem inalteradas, pois quando entram em contato com os atores sociais recebem novas significações; (b) que as políticas públicas, ao contrário do que os gestores pensam, não são transferidas na integralidade dos conceitos, diferente disso, a sociedade mutatis mutandis compreende, reinterpreta e realiza a política a partir das necessidades do tecido social em que está inserida; (c) que a interpretação da política pública não é, necessariamente, racional e previsível, posto que quando em contato com o corpo social, adquire vida própria e, (d) que a política pública, mesmo que seja gerenciada por métodos de avaliação e controle estatístico, deve garantir um diagnóstico que seja útil para melhorar a qualidade de vida da população e não apenas para medir o sistema de governança e a forma de ampliação do poder.

É dentro desse processo, muitas vezes irracional e incompreensível pelos diversos atores (agentes públicos, sociedades empresárias e cidadãos), que se encontra a produção de políticas públicas ambientais. O Estado, em regra, ansioso por apresentar respostas sociais (emprego e seguro social aos trabalhadores) e econômicas (juros baixos e segurança econômica para investidores), sufoca as políticas ambientais ao patamar da insignificância política e orçamentaria dentro da gestão pública. Não é debalde destacar, também, que o Estado, mesmo nos dias atuais, ainda não destina atenção adequada às necessidades de organização e estruturação de Secretarias de Meio Ambiente nos milhares de municípios que compõem a federação brasileira.

E por fim, é visível, desde o texto do art. 225 da Constituição Federal, que as políticas públicas para o meio ambiente são da ordem (a) antropocêntrica, mantendo o Ser Humano acima da natureza e, (b) sem objetivos claros quanto a sustentabilidade, uma vez que não indica à sociedade claramente o pretende conservar, preservar e recuperar o meio ambiente para as gerações do presente e para as gerações do futuro, conciliando adequadamente o capital social, o capital humano, o capital natural e o capital econômico.

Resta perquirir (embora para o senso comum a questão já esteja resolvida), em pesquisas mais aprofundadas, a razão e os motivos para que as políticas públicas ambientais do Brasil ainda sejam voltadas exclusivamente para o setor econômico e sem objetivos de sustentabilidades social, ambiental e humano.       

 

  

 

Imagem Ilustrativa do Post: NATURE // Foto de: Ritesh Agarwal  // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/125484914@N02/14604677244

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura