As paixões democráticas e os impactos para o meio ambiente

30/09/2018

Introdução.

A propósito do período eleitoral vivenciado no Brasil, imerso em contradições e repleto de indefinições, surge a necessidade de discutir a interface entre as paixões democráticas e os impactos para o meio ambiente.

Bertolt Brecht ao escrever sobre o analfabeto político, contextualizou o que vamos denominar por impactos das paixões democráticas no meio ambiente. No realismo atualizadíssimo de Bertolt Brecht, o analfabeto político é o cidadão que ignora a importância da política para o meio ambiente em que vive. 

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais
.[1]

A politiké, conhecida inicialmente como a ciência dos negócios do Estado, atualmente assume dimensões afetas ao diálogo e a alienação, significando muito mais que a arte ou ciência de administrar ou governar. O diálogo representa a oportunidade do contraditório, da opinião adversa, do reconhecimento das diferenças em um mundo globalizado e culturalmente em transformação. O diálogo é intrínseco à busca do consenso mínimo, à solução pacífica e à determinação do melhor modelo de gestão social, visto que proporciona a participação dos diferentes atores sociais no processo de tomada de decisões. A alienação, por sua vez, traduz a diminuição da capacidade do individuo de pensar ou agir por si próprio diante dos fatos e dos acontecimentos da vida. Para a psicologia, a alienação assume a proporção da despersonalização do indivíduo, estágio em que os sentimentos e a consciência da realidade estão fortemente diminuídos.

Nestes tempos da pós modernidade, locus de relativização dos valores elementares à vida em sociedade; de descompromisso com a história da humanidade e, sobretudo, de um retorno ao medievalismo, o alienado se transforma em um analfabeto político perigoso à democracia, às liberdades civis, à dignidade humana, aos direitos humanos e ao meio ambiente social.

A questão que se indaga neste contexto de sociedade dividida entre o diálogo e a alienação, entre o respeito às liberdades civis e o retorno ao medievalismo, é qual ou quais sentimentos (paixões) estão movendo a massa social em uma ou outra direção e os seus impactos no meio ambiente de toda a sociedade.

As paixões democráticas.  

Segundo Luc Ferry[2], Maquiavel, por mais paradoxo que possa parecer, foi um dos fundadores do pensamento político moderno e um dos primeiros grandes teóricos da democracia. FERRY (2015, p. 44) explica que Maquiavel recomendava ao Príncipe assentar o poder, não no exército, na polícia ou nos ricos, pois todos poderiam trai-lo. Ao contrário, sugeria que o poder fosse firmado nas paixões mais comuns encontradas no meio do povo. FERRY (2015, 45), atualiza as paixões democráticas para os tempos de pós modernidade e firma a existência de no mínimo quadro sentimentos que dominam as correntes políticas e, por sua vez, interferem no processo de cidadania, aumentando ou diminuindo o diálogo ou a alienação. O filósofo francês identifica as quatros paixões como sendo o sentimento de indignação, o sentimento de medo, o sentimento de ciúme e, por fim o sentimento de cólera. Para melhor compreensão do pensamento de FERRY, transcrevo na integra as observações lançadas acerca das quatro paixões democráticas.

A indignação, para começar, é a mola mais constante de uma extrema esquerda cuja depuração contínua muito superior ao número de seus eleitores. Todas as manhãs, é claramente o principal combustível das estações de rádio. Assim que levantamos somos obrigados a nos indignar com urgência contra esse escândalo, aquele atentado aos bons costumes, à dignidade humana, uma determinada frase, ou um determinado desvio de verba. E o pior é que, todas as manhãs, cedemos sem pensar a essa permanente solicitação. O medo, em seguida, que é o fundo de comercio corrente da ecologia política, como comprovam os filmes sobre catástrofes ambientais que nos infligem ininterruptamente. Ele pode alimentar excelentes reportagens ou bons editoriais. Logo em seguida vem o ciúme (ou a inveja) que é, se não o apanágio, pelo menos o primeiro alimento de uma esquerda dita ‘moderna’ ou a que ‘não gosta dos ricos’ (...)[3], mas sonha mesmo assim em fazer parte deles. Herdeira de um certo catolicismo social ela considera que o escândalo não é a pobreza, mas a riqueza (dos outros, é claro) – sem compreender como já dizia Aristóteles, que o verdadeiro inimigo é a miséria, e que é melhor ser rico para ser generoso. Aí se toca num assunto quase que universal. Finalmente, a mais poderosa de todas as paixões continua sendo a cólera. Em oposição a uma analise absurda, embora repetida ate a saciedade pela esquerda bem-pensante e pela direta mole, é ela, e de modo algum o medo, que incita a Frente Nacional. Basta observar os lideres de extrema direita para ver que eles são tudo, salvo medrosos. Ao contrário, eles manifestam em qualquer circunstância verdadeira coragem, começando em se fazer detestar pela maioria dos seus concidadãos. Prontos para enfrentar os mais violentos e dolorosos debates, os lideres da Frente não têm nem vergonha, nem covardia de espécie alguma. Em compensação a cólera ferve neles como se o fogo que os anima ardesse dia e noite. O mesmo acontece com seus eleitores, que uma determina imprensa pode acariciar agradavelmente. Exasperados com a pequena e média delinquência, pelas incivilidades que se desenvolvem com toda a impunidade, eles se revoltam não sem razão, de resto, contra a atmosfera de indolência e laxismo generalizado.    

Os cidadãos, submersos em meio as paixões democráticas, perplexos com o estado de desordem administrativa e social (corrução degenerada, sonegação de impostos como regra, desobediência civil com depredação de bens públicos, decisões judiciais ao gosto do cliente), vitimizados pela violência (material, psicológica e física) e torpedeados por informações rasas, mentirosas e assustadoras; acabam desenvolvendo um processo de alienação em oposição ao diálogo. Não sem alguma razão, o cidadão aliena-se a posturas ou filosofias conservadoras, acreditando que a resolução dos problemas da sociedade passa, necessariamente, pela implementação de uma ordem baseada na força ou na demonstração de força, na restrição da democracia, dos direitos e das liberdades.  

As paixões democráticas constituem uma mola propulsora da alienação política e, consequentemente, da promoção do analfabeto político; um Ser Humano individualista e fora do contexto social que promove a ascensão de políticos que, ao contrario do analfabeto político, estão conscientes e preparados para assumir o Poder do Estado e implantar o neomedievalismo, o neototalitarismo ou a neoditadura.

Ao que parece, também, quanto mais o Estado decai, deixando de organizar e efetivar as políticas públicas de ordem administrativa, social, econômica e ambiental, tanto mais a sociedade é impactada (envolvida) pelas paixões democráticas. A decadência do Estado não se afasta do processo globalizante e liquido do capitalismo moderno (que por sua vez não se afasta do processo de alienação do cidadão), capaz de promover sucessivas inovações descomprometidas com o Ser Humano, com o Meio Ambiente, com a qualidade de vida das sociedades, com a garantia dos direitos e com as liberdades humanas. A lógica do sistema capitalista desfragmenta a cultura e a estabilidade social, conduzindo a sociedade ao constante processo de autofagia social e de ansiedade pelo consumo desmedido – consumo sem sentido e sem necessidade -, uma roda econômica insustentável sob o ponto de vista dos recursos naturais e insustentável sob a perspectiva humana, pois, é responsável por produzir a exclusão socioeconômica de uma grande parcela da sociedade, gerando a cólera social – todos contra todos, tendo como resultado a vitória do mais forte, do mais esperto, do mais rico e do mais influente -, uma vitória sem ganhadores em uma guerra infinita.   

As paixões democráticas e os impactos para o meio ambiente.

O processo de alienação pelas paixões democráticas atenta diretamente contra o meio ambiente. É comezinho que o estudo e a aplicação do meio ambiente decorrem da transversalidade, não se fixando apenas no universo biológico e, ao contrário, aplicado em todas as dimensões da vida social. Acontece que a sociedade, embora tenha um sentimento de indignação em relação aos problemas ambientais, não discute e não realiza ações práticas em favor do meio ambiente.

A ideia do alienado (analfabeto) político de um Estado forte e nacionalista desconsidera os problemas ambientais que envolvem o desenvolvimento de outras nações, com reflexo direto para problemas relacionados com ambiente natural – clima, ar, recurso hídrico -, e com problemas socioambientais – disporá de indigentes e refugiados de nações abandonadas ao interesse e a perversidade da exploração predatória de alguns poucos países. Já é de conhecimento mediando que a globalização entrelaçou as nações, dividindo problemas e soluções de ordem socio, econômica e ambiental; tornando improvável pensar que uma nação ou um país possa garantir qualidade de vida e o bem-estar dos seus cidadãos sem a colaboração, mesmo que econômica, de outras nações.

Importa destacar, também, que as paixões democráticas podem levar a degradação do ambiente democrático, relacionado com a extinção das liberdades civis e com a desconsideração dos direitos humanos. Como dito, o meio ambiente ultrapassa as fronteiras do biológico, portanto, alcançando todas as dimensões da vida, sejam físicas, naturais, materiais, ideológicas e imateriais. A vida em um ambiente social que tenha por regra o cerceamento das liberdades e o desrespeito aos direitos humanos degrada o Estado de Direito e fortalece o Estado Autoritário; abandona o dialogo e estabelece a alienação (é a volta da política do pão e do circo).

O analfabeto político acredita que meio ambiente é coisa de desocupado ou de quem é contra o desenvolvimento econômico e, por isso acredita que a solução seja a implantação de uma política de desenvolvimentista (e nacionalista) baseada na exploração dos recursos naturais de forma insustentável e no aumento inconsciente do consumo. O analfabeto político não compreende a finitude dos recursos naturais e muito menos a importância de um crescimento que respeite a vida, em especial a vida das futuras gerações – trata-se do desenvolvimento do aqui e do agora.

Outro impacto das paixões democráticas no meio ambiente é desconstrução dos valores da humanidade, talhados ao longo dos anos, apresentados pelos representantes da neodidatura como contra valores. As conquistas históricas, dentre as quais podemos destacar o direito de gênero, a igualdade racial e a igualdade entre homens e mulheres, são desconsideradas e explicadas como subversão à ordem, aos costumes e à religião. O alienado, abraçado por uma realidade descontextualizada do mundo, acredita que a solução para a virulência social passa pelo empoderamento de políticos que façam o ponteiro do relógio do desenvolvimento humano regredir ao medievalismo e ao Estado da Força.

Conclusão.

A lógica, pode parecer complexa, porém é simples. De um lado temos o cidadão encurralado, atônito e com medo; um cidadão que não acredita no Estado Democrático e muito menos no Estado de Direito. Do outro lado, existem homens que se apresentam como deuses, fortes, corajosos e vingadores, capazes de reestabelecer a ordem e os valores tradicionais.

A alienação produz o analfabeto político que, na busca da paz social, desacredita o diálogo e fortalece o retrocesso pela crença de que a banalização da vida social exige a limitação da democracia, das liberdades civis, da dignidade humana, dos direitos humanos e do desenvolvimento ambiental sustentável. O resultado se traduz no retorno ao neomedievalismo, com a revisão dos valores essenciais da humanidade, taxados como contra valores e responsabilizados pelo caos social. 

As paixões democráticas impactam o meio ambiente e o analfabeto (alienado) político não compreende que as decisões internas de uma nação podem agravar os problemas ambientais no mundo; a criação de ditadores, com o aumento da imigração e, notadamente, a extinção das liberdades civis e dos direitos humanos. O analfabeto não compreende que é o dialogo e não a força que será capaz de conduzir o mundo para um futuro sustentável.

  

Notas e Referências

[1] Disponível em https://www.pensador.com/frase/MjMzMDA5/. Acesso em 27 de set. 2018.

[2] FERRY, Luc. A inovação destruidora: ensaio sobre a lógica das sociedades modernas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015

[3] Nesse ponto, não houve corte, o texto do autor apresentar a mesma interrupção.

 

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