As origens do Rock e o nascimento do Estado (e do Direito) Moderno

12/05/2015

Por Germano Schwartz - 12/05/2015

No estilo das OABs da vida, questiono se é correta a seguinte sentença: inexiste estilo musical cuja nascença esteja ligada ao Direito. Qual a resposta? Digo, sem medo de errar, que o enunciado da frase é INCORRETO. Há. Somente um. Qual? O rock. Pois é. Sim, o subversivo rock and roll, contestador do status quo (Direito), nasceu, justamente, das promessas jurídicas típicas do Estado Moderno, aquele tão bem abordado pelo meu professor Bolzan de Morais em suas obras.

A fim de melhor explicar o afirmado, é preciso retroceder no tempo para observar melhor o fenômeno. Ducray (2011, pp. 12-13) explica que, junto ao Mayflower (o navio de peregrinos que desembarcou na América em 1620), vieram imigrantes de várias localidades. Saíam do Velho Continente porque ali não se respeitavam os direitos dos cidadãos e era justamente isso que procuravam na América. Eram ingleses, poloneses, irlandeses, austríacos, franceses, russos, entre outros.

A impossibilidade de se trazer junto ao navio instrumentos mais sofisticados, como, por exemplo, o piano, fez com que tais imigrantes optassem por trazer consigo violões a fim de passar o tempo da longa travessia do Atlântico, e, também, para reavivar no senso coletivo a sua cultura e o seu folclore. Já em solo americano, impuseram-se como representantes de uma nova tradição de abordar a música: as baladas anglo-irlandesas – com suas crônicas dramáticas e violentas da vida cotidiana – e as músicas de danças mais rítmicas e sentimentais provenientes do Tirol germânico. É a hilbilly song (música caipira) que, depois, transformou-se na música country.

Ainda com Ducray (2011, p. 13), paralelamente ao Mayflower, uma quantidade imensa de indivíduos também são trazidos à América, em longas viagens de navio. Mas para eles não existe uma promessa de liberdade e de respeito de seus direitos. São os escravos. Eles não imigram. Trata-se de um êxodo. Os sofrimentos inexpugnáveis aos quais eram submetidos foram traduzidos em uma espécie de canto que sublinhava as condições desumanas que lhes eram impostas. A memória da África não possuía instrumentos musicais. Esse grito visceral e liberador repousava na voz interior de cada escravo.

Os negros americanos conseguiram expressar sua dor em um ritmo musical que remete a um deus africano do vodu. Ele exalta os prazeres violentos da carne em contraposição ao passado pasteurizado dos brancos do Mayflower. Os blue devils. O Robert Johnson como o renegado do blues e seu famoso pacto com o diabo espelhado no filme Crossroad. O ritmo do blues e sua essência, sua alma, foram essenciais para o surgimento do rock e para entender o tipo de comunicação musical que ele produz.

E o que é rock? Como diria o grande Keith Richards, ele é o filho bastardo da conjunção entre o blues e o country. Note-se: os peregrinos do Mayflower aventuraram-se em terras desconhecidas, seduzidos pelo direito a ter direitos, algo desconhecido para eles na sociedade europeia da época; já os escravos, por seu turno, vinham desiludidos por perderem a condição jurídica que gozavam em seus países de origem, sabedores de que seriam proibidos, na América, de postulararem direitos. Eles não teriam –e por muito tempo – direito a terem direitos.

Não por acaso, o country e o rock  são dois símbolos da cultura dos Estados Unidos da América. Coincidemente, queira-se ou não, tal país é o experimento das ideias modernas a respeito de Estado e de Direito, com a aplicação de concepções que os revolucionários franceses levariam algum tempo para levar a cabo.

Pelo mesmo motivo, não é surpreendente – e muito menos díficil – verificar que o rock transformou a sociedade. O mundo não foi mais o mesmo depois de seu nascimento. Você poderia, então, enumerar, como nos fatídicos espelhos da segunda fase do exame da OAB, quais outros estilos musicais promoveram uma mudança na sociedade, dando por base sua nascença no Direito (e no Estado) Moderno?

Vou deixá-los pensando, muito embora eu saiba a resposta. Enquanto isso, parodiando os conclames que se faziam em períodos de interregno, ouçamos um pouco de Rainbow:

Long Live Rock’n’Roll

https://youtu.be/csmfoNEY8F8?list=RDcsmfoNEY8F8


Notas e Referências:

Ducray, F. (2011). Que faut-il entendre para <>? In: M. Wanda, J.-P. Marguénaud, & M. Fabien (Eds.), Droit et Rock (pp. 11-27). Paris : Dalloz.


GermanoGermano Schwartz é Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU e Coordenador do Mestrado em Direito do Unilasalle. Bolsista Nível 2 em Produtividade e Pesquisa do CNPq. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association. Vice-Presidente da World Complexity Science Academy.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                


Imagem Ilustrativa do Post: The Mayflower . . . A Painting // Foto de: Paul D. Sorensen // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/doc030395/4098932218 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura