As Ordenações do Reino de Portugal e o sistema criminal de sua época - Por Jorge Coutinho Paschoal e Gilberto Alves Júnior

24/11/2016

Por Jorge Coutinho Paschoal e Gilberto Alves Júnior - 24/11/2016

Somos naturalmente levados a imaginar nossos antepassados como pessoas dotadas da mesma sensibilidade que possuímos. Muito ao contrário, todavia, eram homens de sensibilidade e de costumes enormemente diferentes dos de hoje. Examinar os castigos físicos que conceberam e que impuseram a seres humanos é percorrer espantosa galeria de horrores. O escopo requintadamente procurado foi, sempre, obter o máximo possível de medo, de dor, de sofrimento. As penas corporais se aplicavam não só a adultos, mas também a adolescentes. Os carrascos eram profissionais que almejavam adquirir fama de habilidosos executores de uma arte, a arte de fazer sofrer[1].

No reinado de D. João I, ficou instituída a tarefa de organizar as leis gerais, tendo o rei, para tanto, encarregado o seu corregedor da Corte, João Mendes[2]. Contudo, dada a morte do corregedor[3], sucedeu a tal mister Ruy Fernandes, no reinado de D. Duarte, que deu ensejo à promulgação das Ordenações Afonsinas, em 1446.

As Ordenações estão divididas em 5 (cinco) livros, subdivididos em títulos e estes em parágrafos, sendo o primeiro livro redigido na forma legislativa, de decreto, enquanto os demais livros foram redigidos na forma do sistema “histórico-cronológico-sistemático-sintético”[4]. Esse modelo, embora tornasse o texto das Ordenações confuso, prolixo e maçante, por repetir as principais fontes legislativas anteriores, muito contribuiu para o estudo histórico da legislação aplicável ao período, bem como dos períodos anteriores.

“... no Livro V, contêm-se as leis penais e o processo criminal. Os defeitos dos Códigos criminais da meia idade se acham neste de mistura com as disposições de Direito Romano e canônico. O legislador não teve em vista tanto os fins das penas, e a sua proporção com o delito, como conter os homens por meio do terror e do sangue. O crime de feitiçaria e encantos, o trato ilícito do Cristão com Judia ou Moura, e o furto do valor de marco de prata, são igualmente punidos com pena de morte. O crime de lesa-majestade foi adotado com todo o odioso das leis imperiais, assim enquanto à qualidade do crime, como enquanto ao modo de o processar. Na imposição das penas reconhece-se a desigualdade do sistema feudal: aos nobres impõe-se sempre penas menores do que aos plebeus. O marido poderia em flagrante matar impunemente o adúltero, exceto se êste fôr cavalheiro ou fidalgo de solar, em atenção à sua pessoa e fidalguia. Para a indagação dos crimes admitiu-se não só o meio de acusação do Direito Romano e as querelas, filhas dos antigos costumes, mas também as inquirições devassas do Direito Canônico”[5].

Não obstante o rigor punitivo com que eram previstos crimes e penas, que, em geral, espelhava a crueldade e desproporcionalidade do direito penal da época, anota Heleno Cláudio Fragoso que “essa legislação tem de ser considerada em relação a seu tempo um progresso notável, pois constituiu o primeiro código completo a surgir na Europa. Acolhe, evidentemente, as idéias vigentes em sua época, mas nele vemos, em definitivo, a fixação do magistério punitivo no poder público[6].

O Direito Penal, como um todo, era considerado matéria que envolvia pecado, sendo que, em havendo alguma lacuna legal, aplicava-se, como direito subsidiário, o direito canônico[7]. A ordem no processo ordinário, para a esmagadora maioria dos crimes (com exceção das injúrias e de outros casos leves), era a do processo canônico, sentindo-se, portanto, a maciça influência da Igreja no que concerne à formatação de um processo inquisitorial, sigiloso, tendente a uma maior concentração de poderes nas mãos do juiz.

Passado pouco mais de meio século desde a promulgação das Ordenações Afonsinas, D. Manuel I, o Venturoso, determinou a sua revisão.

Não se sabe ao certo a razão disso. Aponta-se na doutrina[8] que contribuiu para esse intento o surgimento da imprensa; o monarca, verificando ser recomendável efetuar, em virtude disso, uma ampla distribuição dos textos legais ao povo, entendeu por revê-los e já proceder à atualização das Ordenações vigentes. No ano de 1521 foram promulgadas, por D. Manuel, as Ordenações Manuelinas[9].

Aqui o estilo decretatório substituiu de uma vez por todas o seguido pelas Ordenações Afonsinas, “que continha a transcrição das leis mais antigas[10]

Segundo João Mendes de Almeida Júnior, em âmbito criminal, a reforma operada foi importante[11]: “no livro V está o direito e o processo criminal, com a ordem do juízo, já bem determinada, a qual poucas alterações sofreu depois, pelas Ordenações Filipinas”[12]. Afirma Antonio Scarance Fernandes que, “com as ordenações Manuelinas, desenham-se as linhas gerais do processo que, se afirmando com as Ordenações Filipinas, mantém-se, depois, no Brasil até o Código Criminal do Império: inicia-se o processo com o sumário da querela ou após a apuração realizada mediante a devassa, geral ou especial; feita a instrução, é proferida decisão de pronúncia, com base na qual se instaura a fase de julgamento[13].

À época das Ordenações Manuelinas, as ações não mais se iniciavam por clamores, mas sim apenas por querelas juradas, por denúncias ou mesmo inquirições-devassa, sendo que a escrita já se encontrava praticamente difundida[14]. As formas canônicas passaram a preponderar, ficando estabelecida a “necessidade de juramento do quereloso e a abonação de uma testemunha conhecida para o recebimento de qualquer querela[15].

As Ordenações seguintes, em grande parte, reproduziram o que já havia nas anteriores, com redação muito mais simples e enxuta[16]. As Ordenações Filipinas levam esse nome porque foram promulgadas durante o reinado de D. Filipe II, (D. Filipe III, na Espanha), uma vez que o reino de Portugal havia caído sob o domínio espanhol, pois o antigo monarca, D. Sebastião, de forma imprudente e precipitada, lançou-se à guerra contra os mouros, na qual morreu, não deixando qualquer herdeiro.

“A morte de D. João III, em 1557, fez com que o Cardeal D. Henrique assumisse, na qualidade de Regente, o poder, pois D. Sebastião, ao atingir a idade de quatorze anos, libertou-se da tutela de seu tio e assumiu o trono, contava com apenas três anos de idade. D. Sebastião, ao atingir a idade de quatorze anos, libertou-se da tutela de seu tio e assumiu o trono com pleonos poderes. Muito jovem e despreparado para as funções de Chefe de Estado, ao que se associa uma personalidade mórbida e sonhadora, o jovem rei atirou-se à aventura de tomar o Marrocos dos mouros, sem que dispusesse de recursos para tal empreitada bélica. Na batalha de Alcácer-Quibir, o jovem soberano encontrou a morte. Assumiu o trono, a partir de então, o Cardeal D. Henrique, que possuía discutíveis qualidades de governante e nenhuma autoridade para debelar a grave crise que assolava o país. Sua morte possibilitou a Filipe II, de Espanha, empolgar, por herança, o trono lusitano. Em 1581, era sagrado Rei de Portugal, com o título de Felipe I”[17].

Diante da edição de diversas leis esparsas desde os tempos das Ordenações Manuelinas (após a coleção das leis de Duarte Leão, a legislação só continuava a crescer[18]), a tornar o direito complexo para as necessidades da época, foi instituída comissão visando a uma nova compilação legislativa, sendo o principal encarregado Jorge de Cabedo.

As Ordenações Filipinas foram então promulgadas, tendo entrado em vigor no dia 11 de janeiro de 1603. Assim como as anteriores, ostentavam grande desproporcionalidade no trato dos crimes e das penas, extremamente crueis, sendo que, em muitos casos, eram indeterminadas. Assim ocorria, por exemplo, na hipótese em se falar mal del-Rey (Título VII – “Dos que dizem mal del-Rey”), sendo previsto como pena o seguinte: “ser-lhe ha dada a pena conforme a qualidade das palavras, pessoa, tempo, modo e tenção com que forem ditas”, sendo que “a qual pena, se poderá estender até morte inclusive, tendo as palavras taes qualidades, porque mereça”. Deve-se observar que, para a hipótese, o julgador que iria dar a pena era o próprio ofendido, “El-Rey” em pessoa.

Eram cominadas, por exemplo, penas de “açoutes ao pé do Pelourinho com baraço e pregão[19], ou que os indivíduos fossem “açoitados com senhas de capellas de cornos[20]; também eram previstas penas de prisão[21], de confisco de bens, de perda de toda a fazenda (todos os recursos), de “suspensão do offício”[22] etc.

No que tange à pena morte, diversos dispositivos a cominavam, e para os mais variados fatos, ordenando-se que o sujeito “morra de morte natural[23]; “morra por morte natural cruelmente[24];  “morra morte natural de fogo[25]; que “sejão queimados, e ella tambem, e ambos feitos per fogo em pó[26]; ou ainda, que “seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memória[27].

No ponto, dada a banalidade na aplicação da pena capital, discorre Francisco de Assis Toledo, com arrimo em citação de Basileu Garcia[28], que “tão grande era o rigor das Ordenações, com tanta facilidade elas cominavam a pena de morte, que se conta haver Luiz XIV interpelado, ironicamente, o embaixador português em Paris, querendo saber se, após o advento de tais leis, alguém havia escapado com a vida[29].

Em determinados casos - alguns, de fato, especialmente graves (como, por exemplo, na hipótese de matar alguém por dinheiro) -, eram decepadas as mãos do criminoso antes de executar a pena de morte[30].

Até mesmo quem abrisse - ainda que inadvertidamente - a carta de algum membro da realeza, acarretando quebra do sigilo do monarca, poderia perder a sua vida, já que a legislação previa, taxativamente: “mandamos que morra por isso[31].

Previam-se, também, penas de pagamento pecuniário (“mais que pague dous mil réis para quem o accusar[32]), comumente cumuladas com penas de “açoutes”.

Nos crimes de Lesa-Majestade, não raro toda a família do “infrator” deveria ser condenada, por meio da infâmia[33], ainda que seus membros não tivessem qualquer tipo de culpa, sendo que “os filhos são exclusos da herança do pai, se forem varões, ficarão infamados para sempre, de forma que nunca possam haver honra de Cavalleria, nem de outra dignidade, nem Officio; nem poderão herdar a parente, nem a estranho abintestado, nem por testamento, em que fiquem herdeiros, nem poderão haver cousa alguma, que lhes seja dada, ou deixada, assi entre vivos, como em última vontade, salvo sendo primeiro restitídos á sua primeira fama e stado[34].

Nem mesmo o defunto encontrava paz, de forma que “se o culpado nos ditos casos fallecer, antes de ser preso, accusado, ou infamado pola dita maldade, ainda depois de sua morte se póde inquirir contra elle, para que, achando-se verdadeiramente culpado, seja sua memória danada e seus bens confiscados para a Corôa do Reino[35].

Comumente eram previstas penas de degredo, seja por tempo determinado[36], seja indeterminado (“até nossa mercê[37]) ou mesmo para o resto da vida, mandando-se as pessoas para a África, Castro-Marfim ou para o Brasil[38]. Havia a previsão, ainda, das penas de “degredo de galés[39], que consistiam em penas de trabalhos forçados.

“Cuello Calón (op. cit., pág. 153) conta que na Espanha existiu a pena consistente em remar nas galeras, ‘que se pode considerar uma pena de prisão, pois os condenados ficavam presos em argolas na galera, tornando-se esta assim seu cárcere, um cárcere flutuante. Instituiu-se tal pena por ordem de Carlos I, em 31 de janeiro de 1530’. A partir de então, prossegue, ‘devido a numerosos empreendimentos militares e marítimos e à crescente necessidade de braços para remar nas galeras reais, apareceram várias disposições emanadas do mesmo monarca, de Felipe II, Felipe III e Felipe IV, que comutavam as penas corporais pelo trabalho nessas embarcações’. As sentenças consignavam que o réu era condenado a ‘servir a remo, sem soldo’. Também na França, diz G. Aubry (op. cit., págs. 192-93), tal pena foi comuníssima, aplicando-se a crimes de mediana gravidade. A ela se recorria sempre que a marinha real francesa necessitava de mão-de-obra. Os condenados passavam por um simulacro de exame médico, que os considerava ‘bons para as galeras’, embora alguns, para escapar, houvessem amputado uma das mãos. Em seguida, marcavam-se os condenados na espádua com o infamante monograma ‘GAL’, e acorrentava-se cada um ao seu banco. Essa pena foi comuníssima, acrescenta G. Aubry, inclusive durante o reinado de Luís XVI, no século XVIII”[40]

Nesse cenário, em alguns casos, nem mesmo o próprio magistrado escapava, já que também poderia ser sancionado.

Por exemplo, no Título XIII, do crime “do que dorme com mulher virgem, ou viuva honesta per sua vontade”, estatuía-se a hipótese de o homem ser condenado a se casar com a dita cuja, em tais casos, ou, em não o querendo, a ter que lhe pagar o seu dote, expressamente arbitrado pelo juiz; contudo, no que diz respeito ao juiz, era previsto que “sendo condenado per sentença final, seja satisfeita essa mulher de sua virgindade por a caução: e não bastando para a condenação e custas, pague-se pelos bens do Juiz, que tão pequena caução tomou”. O magistrado, inclusive, poderia chegar a ser punido por meio de degredo para a África[41].

No que diz respeito ao extenso rol de crimes previstos no Livro V[42], há aspectos, diga-se de passagem, bastante curiosos.

No que concerne à eleição dos delitos, da leitura que se faz do rol elencando acerca dos fatos puníveis, tem-se que a Igreja ostenta uma grande influência, tanto que o Livro V das Ordenações Filipinas (o que, aliás, já constava das Afonsinas[43]) começa elencando a punição dos crimes de heresia, antes de qualquer outro.

A localização topográfica dos tipos diz muito com relação à importância conferido à tutela de determinado bem jurídico, o que evidencia o prestígio que os crimes referentes à fé na Igreja detinham, à época. Tanto isso é verdade que somente após esses crimes (de heresia) é que vêm os crimes de Lesa-Majestade - bem como uma série de fatos relacionados ao Rei, e à família real - o que bem demonstra a importância que detinha a Igreja Católica, naqueles tempos, acima mesmo da própria realeza.

Ao longo de todo o texto das Ordenações Filipinas é possível vislumbrar e constatar a disparidade de tratamentos com que eram tratadas as pessoas, conforme a sua condição social e estirpe.

Dessa forma, aos nobres havia toda uma série de indulgências, seja nas penas, seja pela vedação ou pela amenização na aplicação dos tormentos, enquanto que os outros eram tratados com o mais absoluto rigor, conforme a regra do “um peso, duas medidas”.

De certa forma, é curioso vislumbrar que, ainda hoje, situações idênticas ou similares são julgadas diferentemente, conforme “as peculiaridades do caso concreto” ou mesmo de acordo com a condição pessoal de cada um[44].

A diferença entre aqueles tempos e hoje é que essa disparidade de tratamento estava expressa na lei, constando da redação das Ordenações do Reino. No ponto, não se pode negar, pelos menos havia maior transparência ao tempo das Ordenações do Reino.

A disparidade de tratamento é algo que se repete durante todo o estatuto legal analisado, sendo que apenas excepcionalmente não se previam privilégios, como está expresso no Título XII, em que consta, no parágrafo 2.º, que: “neste crime da moeda falsa, ninguém gozará de privilegio pessoal, que tenha de Fidalgo, Cavalleiro, Cidadão, ou qualquer outro semelhante, porque sem embargo delle, será atormentado e punido como cada hum do povo, que privilegiado não seja”.

Havia uma grande preocupação com os crimes sexuais.

Destaque-se que essa preocupação não se dava porque houvesse, à época, maior apreço pela tutela da autodeterminação ou da liberdade sexual da pessoa (se é que havia alguma liberdade nesse sentido), mas, muito ao contrário, se dava devido à moralidade e aos (bons) costumes[45]. Tanto era assim que nos assuntos relacionados ao sexo, até mesmo um ato sem lesividade - conforme se entende hoje (a relação sexual consensual entre pessoas adultas e capazes) - poderia configurar crime.

Enfim, mesmo que a cópula fosse realizada sem qualquer tipo de violência, isto é, ainda que houvesse o consenso das partes envolvidas, havia crime e punição, por influência da Igreja, já que muitos dos crimes sexuais diziam respeito ao pecado e com o perigo de abalo à fé católica, como ocorria, por exemplo, pela união de um cristão e a um herege (judeu, mouro, etc.) (Título XIV[46], das Ordenações).

De resto, sobretudo nesses crimes, a condição do “pecador” ditava o modo da punição (ou, em outras palavras, da não-punição).

Por exemplo, no caso de um homem se casar com mulher virgem (menor de 25 anos), ou com uma viúva “honesta” (é péssimo este termo, mas assim constava da lei - e, alias, até bem recentemente -, em nosso Código Penal), sem o consentimento do responsável pela moça (o pai, por exemplo), o sujeito perderia toda sua fazenda (bens), podendo ainda sofrer a pena de degredo de um ano para a África.

Nem mesmo as testemunhas presentes ao casamento ficariam “a salvo”, vindo a sofrer a mesma pena. Contudo, excepcionava a lei que “se fôr pessoa, que notoriamente seja conhecido, que ella casou melhor com elle, do que a seu pai ou mãi ou pessoa em cujo poder stava, poderá casar, não incorrerá ele, nem as testemunhas na dita pena[47].

Enfim, se se tratar de uma pessoa de posses, significando que “a mulher se casou bem”, não se aplicaria qualquer sanção. Agora, se se tratasse de um popular, um qualquer, a história já seria outra...

Como se disse, essas disparidades de tratamento, consubstanciadas nos privilégios de alguns, permeiam toda a legislação, principalmente nessas questões envolvendo o sexo, conforme fica muito claro das transcrições abaixo.

“´TITULO XXXVIII. Do que matou sua mulher, póla achar em adulterio. Achando o homem casado sua mulher em adulterio, licitamente poderá matar assi a Ella, como o adultero, salvo se o marido for peão, e o adultero Fidalgo, ou nosso Desembargador, ou pessoa de maior qualidade” (destacamos).

“TITULO XXV – Do que dorme com mulher casada. Mandamos que o homem, que dormir com mulher casada, e que em fama de casada estiver, morra por ello. Porém, se o adultero fôr de maior con-dição, que o marido della, assi como, se o tal adultero fosse Fidalgo, e o marido Cavalleiro, ou Scudeiro, ou o adultero Cavalleiro ou Scudeiro, e o marido peão, até nol-o fazerem saber, e verem sobre isso nosso mandado”[48] (destacamos).

A cominação de crimes praticados contra a vida consta do Título XXXV, “Dos que matão, ou ferem, ou tirão com Arcabuz, ou Bésta”, o que demonstra que o indivíduo - em relação às questões do Estado, bem como em comparação aos assuntos relacionados à religião e pecado - sempre foi colocado em um segundo plano, praticamente de lado.

Em prol do princípio publicístico, e de combate à vingança privada, ficava vedado (salvo em hipóteses excepcionais) fazer justiça com as próprias mãos, conforme consta do Título XLII (Dos que ferem, ou iniurião as pessoas, com quem trazem demandas) e do Título XLIII (Dos que fazem desafio).

Sem nos alongarmos na descrição de todos os crimes previstos nas Ordenações Filipinas, o que nem seria possível, há crimes curiosos, como os “dos que molhão, ou lanção terra no pão que trazem, ou vendem” (Título LIX), a fim de obter vantagem indevida (aumento do peso dos pães), sendo que, se o dano chegasse a dez mil reis, deveria o delinquente “morrer por isso”; o crime “dos Vadios” (Título LXVIII), pessoas ociosas que eram submetidas a penas de prisão, cumulada com açoites públicos[49]; o crime do Título LXX, consistente na proscrição de “que os scravos não vivão per si, e os Negros não facão bailos em Lisboa”; o crime “dos que dão musica de noite” (Título LXXXI); o crime “dos mexeriqueiros” (Título LXXXV)[50]; “que os Prelados, e Fidalgos não acoutem malfeitores em seus Coutos, Honras Bairros, ou Cazas: E dos devedores, que se acolhem a ellas” (Título CIV); etc.

No que tange ao processo, os crimes eram divididos entre particulares e públicos. Nos crimes particulares, a acusação dependia da querela da vítima, seguida da inquirição sumária, do corpo de delito e da pronúncia[51].

O Título CXVII dispõe a respeito dos casos em que alguém do povo poderia querelar, devendo o juiz receber as queixas, sendo que, no parágrafo 2.º, é vedado o recebimento de querela de inimigo, salvo em algumas hipóteses excepcionais[52]; se o sujeito silenciasse a respeito da inimizade, e depois esta fosse descoberta e provada, a querela ficaria nula, sendo o queixoso condenado nas custas. No parágrafo 6.º, do referido Título, dispunha-se que o “quereloso” deveria prestar juramento, devendo indicar as testemunhas, não podendo, assim, mais adiante, tomar outras em seu lugar, devendo a querela ser recebida. Estando regular a querela, uma vez pagas ou complementadas todas as custas previstas (ou demais provisões exigidas em lei), aos tabeliães e escrivães que haviam de redigir a querela era aconselhado que “não screvão outras razões, nem accrescentem mais palavras, que as que as partes disserem, nem diminuão cousa alguma, e screvão o caso pela maneira, que a parte o contar, e mais não. E fazendo o contrario, percão logo os Officios, e sejão presos, para lhes mandarmos das a pena de falsários, ou outra, que houvermos por bem[53].

No que tange à prisão, a simples querela não implicava desde logo a prisão, isso “até contra os querelados ser tanto provado, por que mereção ser presos[54].

Interessante pontuar a respeito “dos que querelão maliciosamente, ou não provão suas querélas e denunciações”, no Título CXVIII, em que se dispunha que ainda que a acusação não tivesse sido maliciosa, caso não se conseguisse provar a imputação, o querelante deveria ser condenado nas custas e indenizar o acusado dos danos, “o que todo pagará da Cadêa”; se fosse uma acusação maliciosa, deveria ser condenado nas custas no dobro ou triplo, além da pena que o julgador poderia arbitrar, a seu livre juízo[55].

Nos crimes públicos a acusação deveria ser precedida de denúncia (também era possível a querela), da caução das custas, emenda e satisfação, do corpo de delito e da pronúncia ou devassa[56], “como instrumento do procedimento oficial do juiz, seguida da inquirição judicial das testemunhas, isto é, de sua repergunta e confrontação em presença do réu e, a final, da pronúncia[57].

A denúncia, basicamente, era a comunicação da prática de um fato criminoso, a fim de que a autoridade tomasse alguma providência, de ofício, mas sem que o acusador se responsabilizasse pela condução da demanda. Conforme compara José Henrique Pierangeli, assemelha-se, em muito, à notitia criminis[58]. Havia também as devassas. Anualmente, eram previstos períodos em que seriam feitas devassas, investigações abertas de ofício, pelas autoridades, para apurar a prática de crimes, independentemente de qualquer notícia de crime. As devassas poderiam ser gerais (no caso das periódicas), ou ser instituídas para investigar crimes incertos (“sobre delitos incertos[59]), ou especiais, em que, uma vez presente a materialidade, caberia investigar.

As devassas gerais deveriam terminar no prazo de 30 (trinta) dias[60], não podendo, em regra, as testemunhas excederem do número de trinta[61]. As inquirições nas devassas eram feitas sem a ciência ou intervenção da parte, não sendo consideradas, portanto, inquirições propriamente judiciais, nas quais as testemunhas deveriam ser reperguntadas e confrontadas na frente do acusado. Não havia a necessidade de fazer reperguntas às testemunhas, quando decretada a prisão preventiva, bem como se o acusado assinasse termo dispensando a reiteração, para que as testemunhas fossem tidas como judiciais[62].

Da análise do sistema penal do período estudado, chega-se facilmente à conclusão de que ele foi marcado por extrema desproporcionalidade e brutalidade, seja nas penas, seja no tratamento conferido ao arguido quando submetido ao processo propriamente dito, e, de forma mais ampla, à persecução penal preliminar.

De fato, em todo o período histórico objeto da presente análise, pode-se notar o uso de uma violência (por exemplo, nos tormentos e, até antes, nos duelos, nos juízos de Deus, na permissão da vingança, em alguns casos, bem como na forma brutal de execução das penas), em relação à qual, obviamente, não estamos habituados, sendo que os povos mais civilizados nutrem grande repugnância por estas práticas.

Contudo, para entender todo esse cenário, que constituiu pano de fundo para as leis e as Ordenações de Portugal, não se pode prescindir da reflexão a respeito da mentalidade da época, e do homem de seu tempo, até para se poder entender porque havia uma Justiça Penal marcada por tanta crueldade e por, sobretudo, exagerada desproporcionalidade na aplicação das penas.

 “Os castigos físicos foram variadíssimos, dependendo da imaginação dos que os aplicavam. Muito se utilizaram, por toda parte, dos açoites e as mutilações. Arrancavam-se os dentes ou os olhos do condenado; cegavam-no com ferro incandescente; cortavam-se pés ou pernas, mãos ou braços; esmagavam-se membros. Ou então a pena podia consistir na amputação das orelhas, do nariz, da língua ou dos lábios, superiores ou inferiores”[63].

Uma primeira tentação que se tem ao analisar todo este contexto é pretender julgar o período analisado à luz das circunstâncias atuais, o que, em se tratando de uma análise histórica, é de todo impertinente e inadmissível.

Como bem afirmam e aconselham José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, “deve-se, no entanto, ser situada a época histórica na qual tudo isso se verificava, muito distante daquele ideário libertário que o pensamento do séc. XVIII, a seu tempo, viria consagrar. É preciso, pois, ater-se à imagem do mundo medieval, fechado, pontilhado de pequenos núcleos que mal se comunicam, onde a insegurança faz parte do cotidiano, seja pelo perigo que as guerras contínuas oferecem, seja pelo mal das epidemias, que ciclicamente surgiam. Dentro desta mentalidade, ‘o homem tinha pouco apreço pelo seu corpo e pelo seu bem-estar. A vida era curta, e consistia em breve passagem pela terra a caminho da eternidade[64]

Para compreender um pouco desse contexto, que influenciou toda a legislação penal, inclusive as Ordenações Filipinas, deve-se fazer uma breve observação sobre o homem das Idades Média e Moderna e qual o contexto no qual ele estava inserido.

Só assim se conseguirá entender porque a justiça penal da época era tão severa. O homem desse período era naturalmente rudimentar, não raro tinha uma vida muitíssimo breve e curta (os reis, os mais privilegiados, quando muito, chegavam aos 30 anos e idade!), sendo que todos, em geral, viviam em condições insalubres, bem diferentes das de hoje em dia.

A morte sempre se encontrava à espreita, de maneira que o misticismo extremado e o fervor religioso da época se explicam muito pelas condições extremas em que viviam as pessoas inseridas em tal contexto, temerosas de sua integridade física, bem como em relação à sua própria vida, ou mesmo de seus familiares[65].

A violência também era incontrolável e brutal, dados os roubos, os assassinatos, os estupros, etc. Os homens da Idade Média e Moderna eram muito mais habituados à adversidade, ao infortúnio e à dor em níveis extremos que nós.

Por exemplo, um procedimento cirúrgico, apesar de ser, certamente, algo traumático (especialmente tendo em vista as condições em que era executado, sem qualquer tipo de anestesia...), era algo bastante natural para época, de modo que a dor de amputar uma perna ou membro (ainda mais dessa forma) seria vista (e sentida) de modo diferente se o mesmo procedimento fosse aplicado atualmente. Não raro, as intervenções acabavam contaminando ainda mais os ferimentos, levando a pessoa à morte. Isso é importante situar para que se entenda um pouco a mentalidade do homem daqueles tempos.

Assim, tendo em vista esse contexto, era natural que se submetesse o condenado à dor e a penas crueis, pois o homem da época vivia imerso sob as mais perversas condições de vida. Considerando que todos viviam na miséria, “o Poder Público sequer se sentia no dever de alimentar os seus prisioneiros ou de lhes dispensar cuidados nas doenças. Isso devia ser providenciado pelos familiares[66].

As execuções eram procedidas por um ritual de tamanha perversidade, que acarretava tal dor e sofrimento no condenado, a ponto de a própria chegada da morte constituir, em realidade, um alívio para a pessoa. Assim, “o que se buscava, mais do que a perda da vida, era o sofrimento do condenado. (...) As execuções se faziam em praça pública, aos olhos do povo. Para lá transportava-se o sentenciado em carroça, o que constituía, tradicionalmente, sinal de ignomínia. Era proclamado ao público o crime cometido e, a seguir, passava-se à longa imposição de tormentos. Muito utilizado foi o ‘atenazamento’, em que os carrascos, com tenazes, arrancavam porções do corpo do condenado, e logo cobriam com chumbo derretido, piche ou cera ferventes, etc., a fim de evitar excesso de sangramento que apressasse a morte. Aos homicidas cortava-se a mão com que cometera o crime, ou a queimavam em fogo de enxofre[67].

Mesmo o próprio defunto não encontrava a paz. Sobrevindo a morte, foi de uso comum despedaçar o corpo em várias partes, cada um exposto em determinada região da cidade, como ocorreu, em nossa história, com Tiradentes, na Inconfidência Mineira, sob a acusação de tramar um golpe contra a Coroa portuguesa.

“Aliás, quando o crime possuía conotações políticas, a brutalidade ultrapassava os limites do imaginável. A responsabilidade, com freqüência, se tornava coletiva, comunicante. Veja-se esta ocorrência que se passou em Nápoles, no ano de 1585, conforme a descreve Cesare Cantu (op. cit., pág. 14): assassinada uma autoridade eleita, ‘esquartejaram trinta e seis; quatorze foram também atenazadas; a algumas deceparam as mãos, duas foram chicoteadas, setenta e uma enviadas às galeras. Das doze mim pessoas que por isso fugiram, trezentas foram condenadas ao degredo, sob pena de morte se voltassem, e forte prêmios foram prometidos a quem as matasse’. Quase dois séculos após, em 1757, um tal Roberto Franscisco Damiens, homem místico e visivelmente desequilibrado, praticou, em Versalhes, absurda tentativa contra a vida de Luís XV, que ficou apenas levemente ferido. Para arrancar-lhe a delação de inexistentes cúmplices, os sujeitaram ás mais requintadas torturas; e, por fim, a conselho dos médicos que consideravam ser este o meio mais doloroso, o submeteram às ‘botinas’, consistentes em duas pranchas de madeira, que, lentamente apertadas, esmagavam as pernas do paciente. Afinal, impossibilitado de andar, Damiens foi carregado ao patíbulo, onde lhe queimaram, a fogo lento, a mão direita portando a arma do crime, atenazaram-no por todo o corpo, colocando sobre as feridas resina, óleo, cera e chumbo liquefeitos. Durante quase uma hora tentaram esquartejá-lo preso a quatro cavalos tocados em direções opostas. Morto afinal o condenado, após muitos suplícios, o seu corpo foi queimado. Ademais disso, receberam a pena de degredo perpétuo seu pai, sua mulher e seu filho; os irmãos foram obrigados a mudar de nome; destruiu-se a casa onde o criminoso nascera”[68].

O recurso ao terror, por meio das penas brutais, era o meio escolhido para dissuadir a prática do crime, o que, para a mentalidade da época, era até compreensível (ainda que fosse uma escolha equivocada e desumana aos olhos de hoje), pois não havia recursos para prevenir a criminalidade, já que inexistia possibilidade de se instituir um sistema de segurança pública.

Na verdade, a instituição que, de fato, exercia algum tipo de política criminal em prol da segurança pública acabava sendo a Igreja, por meio da fé, ao incutir o temor a Deus, e o medo da perdição da alma e do paraíso[69]. Nesse sentido, constituía o principal canal de prevenção crimes. O principal meio dissuasório era o recurso ao terror, disseminado em todos, por meio, justamente, dos julgamentos e execuções públicas.

Por isso que as execuções públicas eram realizadas como espetáculo e a execução da pena de morte deveria ser realizada da forma mais severa e cruel possível, a ponto de a supressão da vida constituir um alívio para o sujeito.

Evidentemente, o que ocorreu no passado - aos olhos de hoje - corporificou práticas absurdas, que chocam até o mais insensível dos seres.

Em que pese o exposto, não se podem julgar períodos históricos à luz das concepções atuais, já que eles estão impregnados por uma historicidade que não pode ser desprezada (ou negada) e que, em parte, explica a dinâmica da vida e do direito de outras épocas.

As barbaridades cometidas nesses períodos fizeram surgir - não só em sede de Direito Penal - sendo célebre, a esse respeito, o trabalho do Marquês de Beccaria – mas em toda a Ciência do Direito - trabalhos com o fim de apontar os abusos, de modo a se coibirem outras arbitrariedades.

A seara penal – o que não é segredo a ninguém – é, de fato, mais propensa a influências políticas. É também por isso que, especialmente nessa matéria, se faz importante e até necessário o estudo histórico do direito, das nossas fontes legislativas.

O estudo histórico não é só instrumento a serviço de um melhor aprimoramento técnico dos institutos jurídicos, servindo para alertar quanto ao perigo da ingerência estatal, de modo a impedir que arbitrariedades do passado voltem a ocorrer.

Seguindo-se (sempre) as lições de Luigi Ferrajoli, que aconselha não aderir a qualquer tipo de radicalismo (quer, por um lado, para se punir a todo custo[70], quer, por outro, para nunca fazê-lo[71], o que constitui erro, mormente quando a punição é necessária), e tendo em vista que a história é cíclica, conclui-se: em épocas em que o pêndulo começa a se inclinar para um maior “punitivismo” – e ainda mais ingerência por meio do Direito Penal -, imprescindível voltar os olhos, de modo crítico, para as experiências do passado; frise-se, não para se deslegitimar, em absoluto, o sistema penal, o qual, feitos alguns balizamentos, também tutela bens fundamentais, mas para se refletir que – por melhores (e justificáveis) que sejam as intenções – na ânsia de combater o crime a qualquer preço, há sempre o risco de retroceder a novos (mas velhos) totalitarismos.


Notas e Referências:

[1] GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 41.

[2]Estima-se que a determinação real para a elaboração da compilação ocorreu após o ano de 1404, portanto, após a morte de João das Regras. É que, se vivo fosse este, a escolha não poderia recair sobre outra pessoa, em razão da influência profunda e grande prestígio que possuía junto ao monarca” (PIERANGELI, José Henrique. Processo penal: evolução histórica e fontes legislativas. Bauru: Jalovi, 1983, p. 54).

[3]Atendendo a essa solicitação real, o Rei nomeou para a tarefa o Corregedor da Corte, João Mendes, que logo foi colhido pela morte. Por tal razão, admite-se que apenas o primeiro livro é de sua lavra” (PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 54).

[4] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 56.

[5] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Vol. I. . 4.ª ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1959, p. 112.

[6] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 16.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 69.

[7] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Vol. I, p. 112.

[8] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 58. O mesmo autor elenca o desejo do monarca de entrar, definitivamente, para a história, “por meio de uma obra legislativa de vulto”, pois ele “já ostentava a glória indelével do descobrimento do Brasil e do caminho marítimo para as Índias” (PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 58).

[9] “A primeira redacção completa conhecida das Ordenações Manuelinas data de 1514. Em 1512 surgiu o primeiro livro, em 1513 foi imprimido o segundo e em 1514 terão sido publicados os restantes. Essa reforma foi considerada deficiente pelo que D. Manuel I mandou continuar os trabalhos de revisão. Apenas em 1521 foi publicado o texto definitivo, com alterações profundas em relação à versão original e ordenada a destruição, sob a cominação de severas penas, dos exemplares das primeiras ordenações. Facto que explica a sua raridade” (CORREIA, João Conde. Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais. Coimbra: Coimbra, 1999, p. 34, nota de rodapé n. 47).

[10] TUCCI, José Rogério Cruz e & AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil lusitano. São Paulo, RT, 2009, p. 89.

[11] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Vol. I, p. 122.

[12] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Vol. I, p. 124.

[13] FERNANDES, Antonio Scarance. A reação defensiva à imputação. São Paulo: RT, 2002, p. 63-64.

[14] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 59.

[15] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 59.

[16] O texto das Ordenações Filipinas é bem mais simples e muito mais enxuto se comparado com as legislações anteriores, o que permite uma análise mais acurada e compreensiva dos institutos da época. No ponto, informa-se que o texto das Ordenações Filipinas consultado encontra-se no livro dedicado ao estudo histórico dos Códigos Penais do Brasil, de José Henrique Pierangeli, podendo ser consultado o Livro V, na obra: PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. São Paulo: RT, 2004, p. 95-217.

[17] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 61.

[18] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 62.

[19] Por exemplo, prevista no Título II, sendo que se o sujeito fosse não nobre, mas sim um “peão”.

[20] No caso do adultério, em que o marido traído seria conivente (vide Título XXIV, parágrafo 9.º), sendo curiosa a previsão da aposição de chifres em sua cabeça quando da execução da pena.

[21] Título V (Dos que fazem vigílias em Igrejas, ou vódos fóra dellas), por exemplo.

[22] Título XI (Do Scrivão, que não põe a subscripção conforme a substancia da Carta ou Provisão para El-Rey assinar), parágrafo 1.º.

[23] Título III (Dos Feiticeiros), por exemplo.

[24] Título VI, a respeito dos crimes de Lesa-Majestade, parágrafo 9.º.

[25] Título XII (Dos que fazem meida falsa ou a despendem, e dos que cerceam a verdadeira, ou a desfazem).

[26] Título XVII (Dos que formem com suas parentas, e affins).

[27] Título XIII (Dos que commettem peccado de sodomia, e com alimárias).

[28] A referida passagem encontra-se, originariamente, em: GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. Vol. I, Tomo I. 7.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 62.

[29] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 57. É interessante pontuar que havia um uso político da cominação da pena de morte, nas Ordenações, já que, em muitos casos, o Rei concedia uma anistia, para que se não cumprisse o suplício, em substituição a outra penalidade, angariando o monarca, com isso, simpatia do povo. No Brasil, especificamente, foi aplicada uma vez a pena de morte, no caso, que se tornou emblemático, de Tiradentes.

[30] Vide Título XXXV (Dos que matão, ou ferem, ou tirão com Arcabuz, ou Bésta), parágrafo 3.º, bem como o Título XLI (Do scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai).

[31] Título VIII (Dos que abrem as Cartas del-Rey, ou da Rainha, ou de outras pessoas).

[32] Título III (Dos feiticeiros), parágrafo 3.º.

[33] A infâmia aos descendentes (filhos e netos) não era apenas prevista nos crimes de Lesa-Majestade, mas em outros dispositivos, como, por exemplo, n. XIII, a respeito das relações sexuais homossexuais.

[34] Título VI, Lesa-Majestade, parágrafo 13.º. E continua o dispositivo discorrendo que “o mesmo será nos netos sómente, cujo avô commetteo o dito crime”, ressalvando que, “porém isto não haverá lugar, quando as mãis commetterem a tal maldade, porque neste caso a pena e infâmia desta Ordenação não passará dos filhos”. No parágrafo 14.º faz-se também exceção às filhas, que poderiam herdar das mães e de demais pessoas, o que se explica por sua condição de dependentes dos pais e, depois, dos maridos.

[35] Título VI, a respeito dos crimes de Lesa-Majestade, parágrafo 9.º, segunda parte.

[36] Interessante pontuar que as Ordenações tinham como leve os crimes de desterro por tempo certo. Assim consta do Título CXVII (Em que casos se devem receber querélas), parágrafo 21.º: “Porém, se o crime for tão leve, que não caiba nelle mór pena de degredo temporal para fóra de certo lugar...”.

[37] Título VIII (Dos que abrem as Cartas del-Rey, ou da Rainha, ou de outras pessoas), parágrafo 4.º.

[38] Em alguns crimes, é possível notar que era considerado mais penoso ser enviado para o Brasil em comparação se fosse para a África. Ou seja, vir para o Brasil era uma pena mais severa se comparada com a de ir para a África. Assim consta do Título XVI (Do que dorme com a mulher, que anda no Paço, ou entra em casa de alguma pessoa para dormir com mulher virgem, ou viúva honesta, ou scrava branca de guarda), em que constava, no parágrafo 1.º: “E sendo provado, que alguma pessoa entrou em caza de outro para dormir com mulher livre, que nella stivesse, per qualquer maneira que seja, se o morador da caza fôr Scudeiro de linhagem, ou Cavalleiro, e a pessoa, que lhe entrar em caza, fôr peão seja açoutado e degradado cinco annos para o Brazil com baraço e pregão. E se fôr Scudeiro, ou pessoa, em que não caibam açoutes, seja degradado com hum pregão na audiência por cinco annos para Africa”.

[39] Título XIII (Dos que commettem peccado de sodomia, e com alimárias), parágrafo 3.º, assim redigido: “E as pessoas, que com outras do mesmo sexo commetterem o peccado de mollicie, serão castigados gravemente com degredo de galés e outras penas extraordinarias, segundo o modo e perseverancia do peccado”.

[40] GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, p. 39, nota de rodapé n. 1.

[41] Título CXIX (Como serão presos os malfeitores), parágrafo 4.º.

[42] São muitos os crimes, seguem as denominações nos títulos: - Título I (Dos hereges e Apostatas); - Título II (Dos que arrenegão, ou blasfemão de Deos, ou dos Santos); - Título III (Dos Feiticeiros);- Título IV (Dos que benzem cães, ou bichos sem auctoridade d’El-Rey, ou dos Prelados);- Título V (Dos que fazem vigílias em Igrejas, ou vódos fora dellas);- Título VI (Do crime de Lesa Magestade)(Primeira e Segunda cabeça);- Título VII (Dos que dizem mal del-Rey);- Título VIII (Dos que abrem as Cartas del-Rey, ou da Rainha, ou de outras pessoas);- Título IX (Das pessoas do Conselho del-Rey, e Dezembargadores, que descobrem o segredo);- Título X (Do que diz mentira a El-Rey em prejuízo de alguma parte);- Título XI (Do Scrivão, que não põe a subscripção conforme a substancia da Carta, ou Provisão para El-Rey assinar);- Título XII (Dos que fazem moeda falsa, ou a despedem, e dos que cerceam a verdadeira, ou a desfazem);- Título XIII (Dos que commettem peccado de sodomia, e com alimarias);- Título XIV (Do Infiel, que dorme com alguma Christã, e do Christão, que dorme com Infiel);- Título XV (Do que entra em Mosteiro, ou tira Freira, ou dorme com Ella, ou a recolhe em casa);- Título XVI (Do que dorme com a mulher que anda no Paço, ou entra em casa de alguma pessoa para dormir com mulher virgem, ou viúva honesta, ou scrava branca de guarda);- Título XVII (Dos que dormem com suas parentas e affins);- Título XVIII (Do que dorme per força com qualquer mulher, ou trava della ou a leva per sua vontade);- Título XIX (Do homem, que casa com duas mulheres,e da mulher, que casa com dous maridos);- Título XX (Do Official del-Rey, que dorme com mulher que perante elle requer);- Título XXI (Dos que dormem com mulheres órfãs ou menores, que stão a seu cargo);- Título XXII (Do que casa com mulher virgem, ou viúva que stiver em poder de seu pai, mãi, avô, ou senhor, sem sua vontade);- Título XXIII (Do que dorme com mulher virgem, ou viúva honesta per sua vontade);- Título XXIV (Do que casa, ou dorme com parenta, criada, ou scrava daquelle com que vive);- Título XXV (Do que dorme com mulher casada);- Título XXVI (Do que dorme com mulher casada de feito, e não de direito, ou que está em fama de casada);- Título XXVII (Que nenhum homem Cortesão, ou que costume andar na Côrte, traga nella barregão);- Título XXVIII (Dos barregueiros casados e de suas barregãas);- Título XXIX (Das barregãas, que fogem áquelles, com quem vivem, e e lhes levão o seu);- Título XXX (Das barregãas dos Clerigos, e de outros Religiosos);- Título XXXI (Que o Frade, que fôr achado com alguma mulher, logo seja entregue a seu Superior);- Título XXXII (Dos Alcoviteiros, e dos que em suas cazas consentem a mulheres fazerem mal de seus corpos);- Título XXXIII (Dos ruffiães e mulheres solteiras);- Título XXXIV (Do homem, que se vestir, em trajos de mulher, ou mulher em trajos de homem, e dos que trazem mascaras);- Título XXXV (Dos que matão, ou ferem, ou tirão com Arcabuz, ou Bésta);- Título XXXVI (Das penas pecuniárias dos que matão, ferem, ou tirão arma de Côrte);- Título XXXVII (Dos delictos commetidos aleivosamente);- Título XXXVIII (Do que matou sua mulher póla achar em adulterio);- Título XXXIX (Dos que arrancão em presença del-Rey, ou no Paço, ou na Côrte);- Título XL (Dos que arrancão em Igreja ou Procissão);- Título XLI (Do scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai);- Título XLII (Dos que ferem, ou injurião as pessoas com quem trazem demandas);- Título XLIII (Dos que fazem desafio);- Título XLIV (Dos que nos arruidos chamão outro appellido, se não o del-Rey);- Título XLV (Dos que fazem assuada, ou quebrão portas, ou as fechão de noite por fóra);- Título XLVI (Dos que vem de fora do Reino em assuada a fazer mal);- Título XLVII (Que nenhuma pessoa traga comsigo homens scudados);- Título XLVIII (Dos que tirão os presos do poder da Justiça, ou das prisões, em que stão, e dos presos que assi são tirados, ou fogem da Cadeia);- Título XLIX (Dos que resistem, ou desobedecem as Officiaes da Justiça, ou lhe dizem palavras injuriosas);- Título L (Dos que fazem, ou dizem injurias aos Julgadores, ou a seus Officiaes);- Título LI (Do que alevanta volta em Juizo perante a Justiça);- Título LII (Dos que falsificão sinal, ou sêllo del-Rey, o outros sinaes authenticos, ou sêllos);- Título LIII (Dos que fazem Scripturas falsas, ou usão dellas);- Título LIV (Do que disser testemunho falso, e do que o faz dizer, ou commette que o diga, ou usa delle);- Título LV (Dos partos suppostos);- Título LVI (Dos Ouriveses, que engastão pedras falsas, ou contrafeitas, ou fazem  falsidades em suas obras);- Título LVII (Dos que falsificão mercadorias);- Título LVIII (Dos que medem, ou pesão com medidas, ou pezos falsos);- Título LIX (Dos que molhão, ou lanção terra no pão, que trazem, ou vendem);- Título LX (Dos furtos, e dos que trazem artifícios para abrir portas);- Título LXI (Dos que tomão alguma cousa por força);- Título LXII (Da pena, que haverão os que achão scravos, aves, ou outras cousas, e as não entregão a seus donos nem as apregoão);- Título LXIII (Dos que dão ajuda aos scravos captivos para fugirem, ou os encobrem);- Título LXIV (Como os Stalajadeiros são obrigados aos furtos e danos, que em suas Stalagens se fazem);- Título LXV (Dos bulrões e inliçadores, e dos que se levantão com fazenda alhêa);- Título LXVI (Dos Mercadores que quebrão. E dos que se levantão com fazenda alhêa);- Título LXVII (Dos que arrancão marcos);- Título LXVIII (Dos Vadios)- Título LXIX (Que não entrem no Reino Ciganos, Armenios, Arabios, Persas, nem Muoriscos de Granada);- Título LXX (Que os scravos não vivão per si, e os Negros não fação bailos em Lisboa);- Título LXXI (Dos Officiaes del-Rey, que recebem serviços, ou peitas, e das partes, que lhas dão, ou promettem);- Título LXXII (Da pena, que haverão os Officiaes, que levão mais do conteúdo em seu Regimento, e que os que não tiverem Regimento, o peção);- Título LXXIII (Dos Almoxarifes, Rendeiros, e Jurados, que fazem avença);- Título LXXIV (Dos Officiaes del-Rey, que lhe furtão, ou deixão perder sua Fazenda per malicia);- Título LXXV (Dos que cortão Arvores de fructo, ou Sovereiros ao longo do Tejó);- Título LXXVI (Dos que comprão pão para revender); - Título LXXVII (Dos que comprão vinho, ou azeite para revender);- Título LXXVIII (Dos que comprão Colmêas para matar as abelhas, e dos que matão bestas);- Título LXXIX (Dos que são achados depois do Sino de recolher sem armas, e dos que andam embuçados);- Título LXXX (Das armas, que são defesas, e quando se devem perder)(Subdividido em: Privilégios; Coutamento) - Título LXXXI (Dos que dão musica de noite);- Título LXXXII (Dos que jogão dados, ou cartas, ou os fazem, ou vendem, ou dão tabolagem, e de outros jogos defesos);- Título LXXXIII (Que nenhuma pessoa se concerte com outra para lhe fazer despachar algum negocio na Côrte);- Título LXXXIV (Das Cartas diffamatorias);- Título LXXXV (Dos Mexeriqueiros);- Título LXXXVI (Dos que põem fogos);- Título LXXXVII (Dos daninhos, e dos que tirão gados, ou bestas do Curral do Concelho);- Título LXXXVIII (Das caças e pescarias defezas)(Subdividido em: Pescarias);- Título LXXXIX (Que ninguém tenha em sua caza rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso); - Título XC (Que não facão vódas, nem baptismo de fogaça, nem os amos peção por causa de seus criados);- Título XCI (Que nenhuma pessoa faça Coutadas); - Título XCII (Dos que tomão insígnias de armas e dom, ou appellidos, que lhes não pertencem);- Título XCIII (Que não tragão hábitos, nem insígnias das Ordens Militares em jogos, ou em mascaras);- Título XCIV (Dos Mouros e Judeos, que andão sem sinal);- Título XCV (Dos que fazem cárcere privado);- Título XCVI (Dos que sendo apercebidos para servir per cartas de El-Rey, o não fazem ao tempo ordenado);- Título XCVII (Dos que fogem das Armadas);- Título XCVIII (Que os Naturaes deste Reino não aceitem navegação fóra delle);- Título XCIX (Que os que tiverem scravos de Guiné, os baptizem);- Título C (Das cousas, que se não podem trazer por pó);- Título CI (Que não haja Alfeloeiros, nem Obreeiros);- Título CII (Que se não imprimão Livros sem licença del-Rey);- Título CIII (Que não peção esmola para invocação alguma sem licença de El-Rey);- Título CIV (Que os Prelador, e Fidalgos não acoutem malfeitores em seus Coutos, Honras, Bairros, ou Cazas: E dos devedores, que se acolhem a ellas);- Título CV (Dos que encobrem os que querem fazem mal);- Título CVI ( Que cousas do trato da India, e Mina, e Guiné se poderão ter, nem tratar nellas);- Título CVII (Dos que sem licença del-Rey vão, ou mandão á India, Mina, Guiné; e dos que indo com licença, não guardão seus Regimentos);- Título CVIII (Que nenhuma pessoa vá a terra de Mouros sem licença d’EL-Rey);- Título CIX (Das cousas, que são defesas levarem-se a terra de Mouros);- Título CX (Que se não resgatem Mouros com ouro, prata, ou dinheiro do Reino);- Título CXI (Dos Christãos novos e Mouros, e Christãos mouriscos, que se vão para terra de Mouros, ou para as partes de Africa, e dos que os levão);- Título CXII (Das cousas, que se não podem levar fora do Reino sem licença de El-Rey);- Título CXIII (Que se não tire ouro, nem dinheiro para fora do Reino);- Título CXIV (Dos que vendem Náos, Navios a Estrangeiros, ou lhos vão fazer fora do Reino);- Título CXV (Da passagem dos gados)(Subdividido em: Cartas de vizinhança; Licenças; Carneiradas; Devassas);- Título CXVI (Como se perdoará aos malfeitores, que derem outros á prisão);- Título CXVII (Em que casos se devem receber querélas)(Subdividido em: Accusações);- Título XCVIII (Dos que querelão maliciosamente, ou não provão suas querelas, e denunciações);- Título CXIX (Como serão presos os malfeitores);- Título CXX (Em que maneira os Fidalgos e Cavalleiros, e semelhantes pessoas devem ser presos);- Título CXXI (Que ao tempo da prisão se faça acto do habito, e tonsura do preso);- Título CXXII (Dos casos, em que a Justiça há lugar, e dos em que se appellará por parte da Justiça);- Título CXXIII (Dos Coutos ordenados para se coutarem os homiziados, e dos casos, em que lhes devem valer)(Subdividido em: Casos, em que não Val o Couto);- Título CXXIV (Da ordem do Juizo nos feitos crimes)(Subdividido em: Seguros, e Fiançados; Lembranças);- Título CXXV (Como se correrá a folha dos que forem presos por feito crime);- Título CXXVI (Em que casos se procederá por Edictos contra os malfeitores, que se absentarem, ou acolherem a caza dos poderosos, por não serem presos, ou citados)(Subdivide-se em: Banidos; Sequestro);- Título CXXVII (Como se procederá a annotação de bens);- Título CXXVIII (Das Seguranças Reaes);- Título CXXIX (Das Cartas de Seguro, e em que tempo se passarão em caso de morte ou deferidas);- Título CXXX (Quando o que foi livre per sentença de algum crime, ou houve perdão, não será mais accusado por elle)(Subdivide-se em: Perdão);- Título CXXXI (Dos que se livrão sobre Fiança);- Título CXXXII (Que não seja dado sobre fiança preso por feito crime, antes de ser condenado);- Título CXXXIII (Dos Tormentos);- Titulo CXXXIV(Como se provarão os ferimentos de homens, ou forças de mulheres, que se fizerem de noite, ou no ermo);- Título CXXXV (Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem);- Título CXXXVI (Que os Julgadores não appliquem as penas a seu arbítrio);- Título CXXXVII (Das execuções das penas corporaes);- Título CXXXVIII (Das pessôas que são escusas de haver penal vil);- Título CXXXIX (Da maneira que se terá com os presos, que não poderem pagar as partes o em que são condenados);- Título CXL (Dos degredos e degradados);- Título CXLI (Em que lugares não entrarão os degradados);- Título CXLII (Por que maneira se trarão os degradados das Cadêas do Reino a Cadêa de Lisbôa);- Título CXLIII (Dos degradados, que não cumprem os degredos).

[43] Observação de: ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 53, nota de rodapé n. 169.

[44]Os inúmeros contrastes jurisprudenciais que podem ser verificados nas decisões de nossos tribunais conduzem a um inevitável questionamento acerca da igualdade com que os cidadãos são tratados diante da lei. Resta patente que interpretações diferentes da mesma norma criam, inevitavelmente, injustificada disparidade de tratamento – e não se pode esquecer que uma das importantes razões que levaram ao triunfo da legalidade no direito penal foi, justamente, a necessidade de que todos sejam tratados da mesma forma, sem discriminações e casuísmos. Sob esse prisma, a existência de diferentes interpretações do mesmo conjunto de leis conduz à constatação de que, não obstante os cidadãos estejam sujeitos à mesma lei, isso não implica, necessariamente, a submissão ao mesmo tratamento jurídico” (GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Direito penal e interpretação jurisprudencial. SP: Atlas, 2008, p. 101).

[45] No ponto, frisamos que não se pode julgar um período histórico passado, no qual estavam presentes circunstâncias fáticas e culturais totalmente diversas, à luz das circunstâncias atuais. Muito embora nos pareçam estranhas algumas formas de punição, o fato é que, à época, faziam sentido. Por exemplo, a perda da virgindade para a mulher, ou o fato de uma mulher solteira ter tido ou mesmo vir a manter relação sexual com um homem, poderia acarretar grande desonra e desprezo social, a ponto de não mais conseguir se casar (o que era importante, pois, de certa forma, para aquela época, o casamento implicava a sua subsistência); observando-se que, à época, as mulheres dependiam, basicamente, da família, e de prestígio e reputação social, para sobreviver. Havia uma nítida influência religiosa. Por isso que estava previsto nas Ordenações que se alguém entrasse na casa de alguém e lá praticasse o coito com alguma mulher (não-casada), mediante consenso, na hipótese de o sujeito querer se casar e vir a ser perdoado pelo responsável (pai, por exemplo), não se aplicavam as penas (a esse respeito, vide o Título XVI, parágrafo 3.º).

[46]Qualquer Christão, que tiver ajuntamento carnal com alguma Moura, ou com qualquer outra Infiel; ou Christã com Mouro, ou Judeu, ou com qualquer outro Infiel, morra por isso, e esta mesma pena haverá o Infiel. E isto, quando tal ajuntamento for feito per vontade e a sabendas; porque se alguma mulher de semelhante condição fosse forçada, não deve por isso haver pena alguma, sómente haverá a dita pena aquelle que commetter a tal força. E isso esmo o que tal peccado fizer por ignorância, não sabendo, nem tendo justa razão como a outra pessoa era de outra Lei, não deve haver por elle pena de justiça. E sómente a pessoa, que da dita infidelidade fôr sabedor, ou tiver justa razão de o saber, será punida segundo a culpa, em que fôr achada”.

[47] Título XXIII (Do que forme com mulher virgem, ou viúva honesta per sua vontade).

[48] Ou seja, se o adúltero tivesse uma condição social mais graúda que o marido traído, ele poderia, eventualmente, ter a pena abrandada ou mesmo não vir a sofrê-la. Cabe destacar que, no caso da mulher casada adúltera, ela deveria necessariamente sofrer a pena e morrer, não importando a sua condição.

[49] No Brasil, a vadiagem, até bem pouco tempo, era contravenção penal (art. 59), tendo sido revogada.

[50] Falando a respeito desse crime, João Bernardino Gonzaga: As leis se apresentavam confusas, prolixas e obscuras. O legislador não se limitava a definir o crime, mas ia além, exemplificando, admoestando o leitor, oferecendo conselhos e explicações, muitas vezes por páginas e páginas, de tal modo que, por fim, não se sabia mais no que efetivamente consistia aquele crime. Somente a título de curiosidade, veja-se, como amostra, esta passagem das Ordenações Filipinas, que pelo menos tem o excepcional mérito de ser sintética. O nome do crime é ‘Dos mexeriqueiros’: ‘Por se evitarem os inconvenientes, que dos mexeriqueiros nascem, mandamos, que se alguma pessoa disser a outra, que outrem disse mal delle, haja a mesma pena, assi cível, como crime, que mereceria, se ele mesmo lhe dissesse aquellas palavras, que diz, que o outro terceiro delle disse, postoque queira provar que o outro disse” (Livro V, tít. LXXXV). A imprecisão conceitual e a obscuridade das leis muito favoreciam o arbítrio dos julgadores. Inexistia qualquer segurança para os acusados, visto que o juiz, a pretexto de interpretar os textos, facilmente podia considerar como punível, ou não, certo comportamento. Para completar supostas lacunas da lei penal, era autorizado o recurso à analogia, e, eventualmente, aos costumes” (GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, p. 35).

[51] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 64.

[52] No parágrafo 3.º, por exemplo, listam-se alguns casos de privilégios, em que o meirinho ou fidalgo poderiam querelar, mesmo em relação ao seu inimigo.

[53] Título CXVII (Em que casos se devem receber querélas), parágrafo 11.º.

[54] Título CXVII (Em que casos se devem receber querélas), parágrafo 12.º. “Porém, se os querelosos queizerem logo, tanto que dão as querélas e lhes forem recebidas, ou até vinte dias contados, do dia que a querela fôr recebida, dar ao julgador, que lha recebeo trez, ou quatro testemunhas perguntar-lhas-ha secretamente com o Tabellião, que a screveo, polo conteúdo nella, sem a parte ser para isso citada. E mostrando-se pelas ditas testemunhas tanto, porque deva ser preso (o que ficará em arbítrio do Julgador), o prenda com toda diligencia”. (Título CXVII (Em que casos se devem receber querélas), parágrafo 12.º).

[55] Título CXVIII (Dos que querelão maliciosamente ou não provão suas quérelas, e denunciações).

[56] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 64.

[57] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 64. Esclarece o autor, na mesma página, que a primeira pronúncia mencionada era o provimento que declarava o acusado suspeito, a fim de autorizar sua submissão aos tormentos.

[58] PIERANGELI, José Henrique. Processo penal, p. 67.

[59] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Vol. I, p. 132.

[60] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Vol. I, p. 133.

[61] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Vol. I, p. 133.

[62] ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Processo criminal brasileiro. Vol. I, p. 134.

[63] GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, p. 41.

[64] TUCCI, José Rogério Cruz e & AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil lusitano, p. 48.

[65] Relatando, de forma minuciosa, todo este contexto: GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, p. 47-64.

[66] GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, p. 37.

[67] GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, p. 43. E continua: “A decapitação por espada ou machado, embora pareça um meui comparativamente mais suave de tirar a vida, apresentava frequentes problemas, porque o carrasco, naturalmente enervado e submetido à pressão do público, facilmente errava os golpes, atingindo diferentes partes do corpo, o que transformava a execução em brutal carnificina. A guilhotina, que começou a ser empregada na França em 1792, constituiu grande avanço no sentido humanitário, pela rapidez e eficiência com que funcionava. A sua lâmina, sendo oblíqua, secciona com facilidade o pescoço do paciente, enquanto a espada, de lâmina reta, o corta por esmagamento. Se o condenado conseguia fugir, ou se se suicidava para escapar dos tormentos que o aguardavam, nem por isso ficava cancelado o espetáculo. A execução se fazia no seu cadáver, ou, se isso não fosse possível, o sentenciado era executado em efígie, substituindo no patíbulo por uma figura que o representava” (GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, p. 44).

[68] GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu mundo, p. 45.

[69] Não entramos no mérito se isso é algo bom ou ruim, pois muito diz respeito, para os que acreditam em alguma divindade, ao tipo de religiosidade de cada um. Contudo, do ponto de vista objetivo, a fé funciona como balizamento de condutas e – não há que se negar - em um poderoso meio de contenção e prevenção de condutas indesejáveis e de crimes.

[70] “... o sinal inconfundível da perda de legitimidade política da jurisdição, como também de sua involução irracional e autoritária, é o temor que a justiça incute nos cidadãos. Toda vez que um imputado inocente tem razão de temer um juiz, quer dizer que isto está fora da lógica do Estado de direito: o medo e mesmo só a desconfiança ou a não segurança do inocente assinalam a falência da função mesma da jurisdição penal e a ruptura dos valores políticos que a legitimam” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002, p. 441).

[71] [71] “A rigor, se se pensasse que o juízo penal devesse alcançar a verdade ‘objetiva’ e se tomasse ao pé da letra o princípio do in dubio pro reo, as margens irredutíveis de incerteza, que caracterizariam a verdade processual, deveriam comportar a ilegitimidade de qualquer condenação, e, portanto, a paralisia da função judicial. Ou, ao contrário, poderiam gerar um resignado cepticismo judicial, disposto a afastar como ilusória qualquer pretensão de perseguir a verdade no processo e a avaliar modelos de direito e de processo penal abertamente substancialistas e decisionistas. Estas duas posições são inaceitáveis” (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão, p. 51).


jorge-coutinho-paschoal. . Jorge Coutinho Paschoal é Advogado e Mestre em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (USP). . .


gilberto-alves-junior. . Gilberto Alves Júnior é Advogado criminal, especialista em Direito Penal Empresarial. . . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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