Por Guilherme Wunsch e Raquel Von Hohendorff - 23/11/2015
As nanotecnologias são hoje um dos principais focos das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação em todos os países industrializados. Os nanomateriais são utilizados nas mais diversas áreas de atuação humana, podendo-se destacar as seguintes áreas: cerâmica e revestimentos, plásticos, agropecuária, cosméticos, siderurgia, cimento e concreto, microeletrônica, e, na área da saúde, possuem aplicação tanto na odontologia quanto na farmácia (especialmente em relação à distribuição de medicamentos dentro do organismo), bem como em inúmeros aparelhos que auxiliam o diagnóstico médico.[1] Considerando este conjunto de setores que trabalham com a escala nanométrica, utilizar-se-á a expressão no plural, ou seja, nanotecnologias.
A nanotecnologia corresponde à investigação e desenvolvimento tecnológico em nível atômico, molecular ou macromolecular utilizando uma escala de comprimento de cerca de um a cem nanômetros em qualquer dimensão, a criação e a utilização de estruturas, dispositivos e sistemas que possuem novas propriedades e funções por causa de seu tamanho reduzido; e a capacidade de controlar ou manipular a matéria em escala atômica.[2]
As questões relativas aos riscos e a responsabilidade com os danos futuros estão vinculadas às características que as nanopartículas trazem: os efeitos físico-químicos dos materiais na escala nano diferem dos seus equivalentes em escala maior. Além disso, se desconhece um inventário onde se possa pesquisar a quantidade, o tipo e a caracterização das nanopartículas já desenvolvidas por meio da ação humana. Mais de duas décadas atrás, estudos toxicológicos, de autoria de Warheit e Oberdörster[3], já alertavam que seria prudente examinar e abordar as preocupações ambientais e de saúde humana antes da adoção generalizada das nanotecnologias. Com a exceção de algumas aplicações médicas da nanotecnologia, os governos, as empresas e até mesmo as universidades ignoraram este conselho. Como resultado, os governos permitiram que centenas, talvez mais de mil, produtos de consumo com materiais nanoengenheirados incorporados, fossem comercializados sem qualquer avaliação de segurança pré-mercado. Apesar disso, novos estudos, continuam sinalizando efeitos tóxicos.[4]
Assim, existe um enorme vazio de conhecimentos sobre a nanotoxicologia, inclucindo os efeitos sobre a saúde dos trabalhadores, que serão sempre os primeiros a serem expostos aos novos produtos que utilizam estas tecnologias.
A pedra angular do desenvolvimento responsável tem o dever de proteger os trabalhadores, que são as primeiras pessoas expostas aos perigos potenciais da tecnologia. Proteger os consumidores e o ambiente também é importante, mas a fundação de desenvolvimento responsável começa com a proteção dos trabalhadores. Existem cinco critérios que devem ser praticados pelos tomadores de decisão para que a nanotecnologia seja desenvolvida de forma responsável. Estes critérios incluem (1) antecipar, identificar e rastrear os nanomateriais potencialmente perigosos no local de trabalho; (2) avaliar a exposição dos trabalhadores aos nanomateriais; (3) avaliar e comunicar os perigos e riscos para os trabalhadores; (4) gerenciar os riscos de segurança e saúde no trabalho; e (5) promover o desenvolvimento seguro da nanotecnologia e realização dos seus benefícios sociais e comerciais. Todos esses critérios são necessários para que ocorra o desenvolvimento responsável pois estamos no início da comercialização da nanotecnologia e ainda há muitas incógnitas e as preocupações com nanomateriais. Portanto, é prudente tratá-los como potencialmente perigosos até que existam dados toxicológicos suficientes.[5]
As nanotecnologias, conforme se verificou, trazem desafios inéditos para diversas áreas do conhecimento. Com relação ao Direito não é diferente. No caso do Direito do Trabalho, com bastante especificidade, a preocupação com os riscos que poderão ser gerados no meio ambiente do trabalho é significativa. Ainda não existem equipamentos que possam assegurar proteção aos trabalhadores eis que as partículas em escala nanométrica trazem algo de muito diferente.
A questão que ficará sem uma resposta adequada pode ser assim delimitada: como esta característica ardilosa das partículas em escala nano, onde as configurações físico-químicas são muito diferentes, poderá ser objeto de uma regulação adequada em termos substanciais de albergar a saúde e a segurança do trabalhador, do consumidor e do meio ambiente? Com isso, se verifica que, efetivamente, o direito à informação – cujo titular é o trabalhador e o consumidor – e o dever de informação – onde o empresário e o pesquisador são os titulares – são elementares para que se possa gerar informações adequadas para a avaliação das nanotecnologias.
Assim, restam mais dúvidas do que certezas. Este é um ponto fundamental para a regulação das nanotecnologias: ao invés da certeza e previsibilidade do modelo positivista, o Direito passa para uma nova etapa onde a incerteza e a imprevisibilidade do comportamento das partículas e dos seus efeitos acompanharão o processo regulatório. Ao invés de previsões gerais e prévias, o mundo jurídico deverá produzir respostas alinhadas constitucionalmente para cada caso em concreto, levando em consideração justamente a fluidez das nanopartículas e de suas características e interações sempre inusitadas. Talvez, neste cenário, ao invés de se ter regras bem estruturadas, o Direito em geral, e o Direito do Trabalho em especial, deverá passar a regular as relações jurídicas de trabalho por meio de princípios que tragam o conteúdo da Constituição do Brasil e dos documentos internacionais sobre os Direitos Humanos, os quais nunca estiveram tão atuais e necessários para a formatação dos efeitos jurídicos dos fatos nanotecnológicos.
Notas e Referências:
[1] ABDI - Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Nanotecnologias: subsídios para a problemática dos riscos e regulação. Brasília: ABDI, 2011.p.11.
[2] US EPA – Environmental Protection Agency. Nanotechnology White Paper. Prepared for the US EPA by members of the Nanotechnology Workgroup, a group of EPA‘s Sciencie Policy Council. Washington, 2007. Disponível em: <http://www.epa.gov/OSA/pdfs/nanotech/epa-nanotechnologywhitepaper0207.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2015.
[3]Oberdörster, Günther et al. Nanotoxicology: an emerging discipline from studies of ultrafine particles. IN: Environmental Health Perspectives, vol. 113, n. 7, p. 823-829, jul. 2005.
[4] “Interações complexas entre organismos estuarinos e bactérias associadas devem ser prejudicados por nano partículas, com consequências ecológicas que precisam ser adequadamente avaliados”. (ASSIS, 2014). Além dessa publicação, cabe destacar, ainda: “Embora as tecnologias em desenvolvimento de nano/micropartículas têm um potencial considerável em diversas aplicações, é fundamental a realização de mais testes para determinar a possível toxicidade destes produtos tecnológicos antes de uso extensivo. Pouco se sabe sobre os efeitos tóxicos dos fulerenos no cérebro. No momento, poucos estudos apresentam resultados contraditórios e têm avaliado os possíveis efeitos neurotóxicos da exposição fulerenos. Por exemplo, já foi sugerido que C60 não atravessar a barreira sangue-cérebro, ao passo que os resultados obtidos por outros pesquisadores, sugeriu que os fulerenos possuem propriedades neurotrópicos marcadas e são substâncias neurotóxicas irreversivelmente bloqueando a atividade elétrica do tecido nervoso”. (OGLIARI DAL FORNO, 2013).
[5]KIMBRELL, George A. Governance of Nanotechnology and Nanomaterials: Principles, Regulation, and Renegotiating the Social Contract. IN: Journal of Law, Medicine & Ethics, Developing oversight approaches to nanobiotechnology: the lessons of history, p. 706-23, winter 2009.
ABDI - Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Nanotecnologias: subsídios para a problemática dos riscos e regulação. Brasília: ABDI, 2011.
KIMBRELL, George A. Governance of Nanotechnology and Nanomaterials: Principles, Regulation, and Renegotiating the Social Contract. IN: Journal of Law, Medicine & Ethics, Developing oversight approaches to nanobiotechnology: the lessons of history, p. 706-23, winter 2009.
Oberdörster, Günther et al. Nanotoxicology: an emerging discipline from studies of ultrafine particles. IN: Environmental Health Perspectives, vol. 113, n. 7, p. 823-829, jul. 2005.
OGLIARI DAL FORNO, Gonzalo. Intraperitoneal Exposure to Nano/Microparticles of Fullerene (C60) Increases Acetylcholinesterase Activity and Lipid Peroxidation in Adult Zebrafish (Danio rerio) Brain. BioMed Research International. [s.l.]: Hindawi Publishing Corporation, v. 2013. p. 1-11, Maio 2013.
US EPA – Environmental Protection Agency. Nanotechnology White Paper. Prepared for the US EPA by members of the Nanotechnology Workgroup, a group of EPA‘s Sciencie Policy Council. Washington, 2007. Disponível em: <http://www.epa.gov/OSA/pdfs/nanotech/epa-nanotechnologywhitepaper0207.pdf>. Acesso em 10 nov. 2015.
Guilherme Wunsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) fui assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, sou advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS; professor da UNIRITTER e professor convidado dos cursos de especialização da FADERGS, FACOS, FACENSA E IDC.
Raquel Von Hohendorff é Doutoranda em Direito Público Unisinos (bolsista CAPES). Mestre em Direito Público pela Unisinos. Participante do grupo de pesquisa JUSNANO (CNPq/Unisinos). Delegada da escola Superior de Advocacia da OAB/RS junto à subseção de São Leopoldo. Conselheira Municipal do Meio Ambiente, pela Seccional São Leopoldo da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro da Comissão de Cultura da Seccional São Leopoldo da Ordem dos Advogados do Brasil. Possui especialização em direito do trabalho pela Unisinos, com atuação na área trabalhista preventiva, especialmente voltada para a saúde, segurança e meio ambiente do trabalho. Possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998), graduação em Bacharelado Em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2009) e mestrado em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003). Atualmente é advogada - Escritório de advocacia Dr Arminio Joao von Hohendorff e técnico superior medicina veterinária da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Integra o Comitê de Bem estar animal da Sociedade de Zoológicos do Brasil (SZB).
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