As Medidas Previstas no Art. 301 Destinadas a Assegurar Direitos – Por Daniel Brajal Veiga

25/11/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

I Introdução

O novo Código de Processo Civil alterou substancialmente a disciplina das tutelas cautelares. No CPC de 73, estas tutelas ocupavam o Livro III e se dividiam entre tutelas cautelares inominadas (genéricas ou atípicas) e nominadas (típicas).

No CPC de 2015, as tutelas cautelares nominadas foram revogadas. Preferiu o legislador de 2015 manter apenas as cautelares genéricas, as quais passaram, então, a cumular a função (ou a finalidade) das cautelares nominadas.

Apesar da revogação das cautelares nominadas, o CPC de 2015 em seu art. 301 menciona quatro medidas que, antes, no CPC de 73, eram medidas cautelares nominadas com requisitos próprios.

No entanto, algumas questões remanescem sobre este tema específico: a concessão das medidas previstas no art. 301 do CPC está vinculada, de alguma forma, aos antigos requisitos previstos no CPC de 73 para a concessão de cada uma dessas medidas? O rol das medidas previstas no art. 301 do CPC seria um rol taxativo ou exemplificativo? Qual seria o alcance da aplicação do art. 301 do CPC? Estas são as questões abordadas neste artigo.

II Considerações Iniciais sobre as Tutelas Cautelares

A jurisdição não deve se limitar, apenas, à aplicação da norma ao fato (subsunção). Ao se pensar em jurisdição, deve-se pensar, também, nos mecanismos para a prestação da tutela jurisdicional, incluindo-se a proteção à eficácia dos processos “de conhecimento” e “de execução”.

Inexiste um sistema ideal em que os conflitos sejam resolvidos de imediato. Entre a instauração do litígio e a sua resolução final pelo Poder Judiciário há um determinado iter, o que pode acarretar anos de espera para o jurisdicionado, em prejuízo do próprio processo, considerando que o seu objeto, na maior parte das vezes, sofre a ação do tempo e/ou das partes envolvidas.

A tutela cautelar é um instrumento destinado a romper a inércia do Poder Judiciário para a obtenção de uma tutela preventiva, que será concedida com base em cognição sumária, destinada ao asseguramento ou acautelamento do direito a ser reconhecido futuramente em um “processo de conhecimento” ou “processo de execução”

Neste contexto, justifica-se a existência da tutela cautelar, que, na atual concepção dada pelo novo Código de Processo Civil, ocupa o Livro V da sua Parte Geral, ao lado da tutela antecipada e da tutela de evidência, sob a denominação de tutelas provisórias.

III O Regime das Cautelares no CPC de 73 

A origem da tutela cautelar está ligada à necessidade de resguardar processos, sempre que seu objeto ou sua utilidade sejam ameaçados pelo perigo decorrente da demora na prestação da tutela jurisdicional.

Trata-se de uma tutela eminentemente instrumental, já que o interesse tutelado não é o bem da vida objeto do processo, mas sim a efetividade do processo em que se discute o direito a determinado bem da vida ou a efetivação deste direito.

No CPC de 73, as cautelares ocupavam o seu Livro III e eram divididas entre cautelares inominadas, genéricas ou atípicas (art. 798, do CPC) e cautelares nominadas ou típicas (arts. 813 a 889, do CPC).

As cautelares inominadas, genéricas ou atípicas, como se extrai da própria denominação, não se encontravam tipificadas no Código, pois seu fundamento residia exatamente no comando do art. 798, ora revogado, que assim dispunha: “além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

Ao contrário das cautelares genéricas, as cautelares nominadas ou típicas estavam tipificadas nos arts. 813 a 889 do Código e eram as seguintes: arresto, sequestro, caução, busca e apreensão, exibição, produção antecipada de provas, alimentos provisionais, arrolamento de bens, justificação, protestos, justificações e interpelações, homologação do penhor legal, posse em nome do nascituro, atentado, protesto e apreensão de títulos, obras de conservação em coisa litigiosa, entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos, posse provisória dos filhos, no caso de separação, depósito de menores ou incapazes, afastamento temporário de um dos cônjuges da moradia do casal, guarda de filhos, interdição ou demolição de prédio.

Todas estas medidas eram classificadas, ainda que topologicamente[1], como cautelares e cada uma delas contava com regramento e requisitos específicos para a sua concessão. 

IV As Cautelares no CPC de 2015

O CPC de 2015 revogou a disciplina das cautelares nominadas ou típicas prevista no Livro III do CPC de 73. Conforme o atual regramento, as tutelas provisórias podem ser de urgência ou de evidência (arts. 294 a 311). Se forem de urgência, podem ser de natureza antecipada ou cautelar. Estas duas tutelas podem ser concedidas incidentalmente, ou seja, no curso de um processo já em trâmite, como também podem ser concedidas antecedentemente, ou seja, antes da propositura do pedido principal.

No Livro V da parte geral, o seu Título I trata das disposições gerais sobre as tutelas provisórias (arts. 294 a 299). O Título II trata das disposições gerais sobre as tutelas de urgência (arts. 300 a 302). Em seguida, dentro deste mesmo Título, nos Capítulo II e III, o Código trata do procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (arts. 303 e 304) e do procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente (arts. 305 a 310). E, por fim, no Título III, o Código trata da tutela de evidência (art. 311).

V O Artigo 301 do CPC

O CPC de 2015 passou a contar com as tutelas provisórias para situações de urgência e/ou evidência, revogando as tutelas cautelares nominadas, mas não o dever-poder geral de cautela.

O artigo 301 do CPC dispõe que “a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”.

Este artigo corresponde ao revogado art. 798 do CPC de 73 que dispunha sobre o dever-poder geral de cautela. Muito embora o artigo se refira a medidas destinadas à efetivação da tutela cautelar, é correto entender, juntamente com o art. 297 do CPC, que estes artigos em conjunto formam o microssistema do dever-poder geral de cautela e do dever-poder geral de antecipação.

As quatro medidas previstas no art. 301 do CPC (arresto, sequestro, arrolamento de bens e registro de protesto contra alienação de bem), no entanto, só fazem sentido quando compreendidas à luz do CPC de 73, pois no CPC de 2015 não há referências de direito positivo que permitam, por exemplo, definir e distinguir tais medidas[2]. Por exemplo, apenas com base no CPC de 2015 não é possível distinguir um arresto de um sequestro. Diferentemente do que ocorria com o CPC de 73, os requisitos para a concessão e aplicação de uma e de outra medida não estão positivados no CPC de 2015.

Pode-se, então, afirmar que quem não conhece o CPC de 73 não conseguirá identificar ou distinguir uma ou outra medida, em razão da ausência de referencial legal. Isso, provavelmente, ocorrerá com as futuras gerações de operadores do direito formadas exclusivamente sob a égide do CPC de 2015.

Resgatando os conceitos positivados no CPC de 73, até mesmo para fins históricos, as medidas enunciadas no art. 301 podem ser assim resumidas: (i) o arresto é (era) uma medida destinada a resguardar o resultado útil do cumprimento de uma obrigação de pagar dinheiro e estava regulamentada nos arts. 813 a 821 do CPC de 73; (ii) o sequestro é (era) uma medida destinada a resguardar o resultado útil do cumprimento de uma obrigação de entrega de coisa e estava prevista nos arts. 822 a 825 do CPC de 73, (iii) o arrolamento de bens é (era) uma medida destinada a identificar e a conservar bens e estava prevista nos arts. 855 a 860 do CPC de 73 e, por fim, (iv) o protesto contra a alienação de bens é (era) uma medida destinada a registrar determinada manifestação de vontade para prevenir responsabilidades, prover a conservação e a ressalva de direitos e estava prevista nos arts. 867 a 873 do CPC de 73.

Considerando a inexistência de referenciais normativos no CPC de 2015, essas medidas servem apenas para ilustrar algumas das medidas que podem ser deferidas pelo juiz no que se refere à efetivação da tutela cautelar. Isso não significa que estas medidas formam um rol taxativo, mas, ao contrário, formam um rol exemplificativo. Além disso, a indicação destas medidas pelo art. 301 não tem o efeito de ressuscitar os revogados requisitos exigidos para a concessão de uma e de outra medida[3], à luz do CPC de 73.

O caráter exemplificativo destas medidas decorre do fato de que o próprio art. 301 determina que “qualquer outra medida idônea para asseguração do direito” pode ser deferida para efetivar a tutela cautelar, ou seja, não são apenas as medidas nominalmente referidas no art. 301 que se prestam a dar efetividade a esta tutela.

Além disso, o simples fato de estas medidas terem sido mencionadas no art. 301 não significa que os seus requisitos exigidos pelo CPC de 73, devem estar presentes para que o juiz conceda qualquer uma destas medidas. Por exemplo, para a concessão de um arresto sob o regime do CPC de 2015 não há a necessidade de o requerente (a) apresentar a prova literal da dívida líquida e certa e (b) demonstrar que o devedor, caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar os bens que possui, requisitos estes previstos nos arts. 813 e 814 do CPC de 73.

Este raciocínio, guardadas as devidas diferenças, aplica-se igualmente às demais medidas previstas no art. 301, ou seja, ao sequestro, ao arrolamento de bens e ao protesto contra a alienação de bens.

VI A Aplicação e Extensão do art. 301 do CPC

O art. 301 do CPC deve ser aplicado de forma ampla, ou melhor, amplíssima, sem restrições ou limitações, dentro do contexto do dever-poder geral de cautela, para o fim de resguardar ou assegurar o direito em estado de periclitação e/ou o objeto do processo.

O fundamento deste raciocínio reside na Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, o qual dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, existindo a lesão ou a ameaça conjugada a uma situação de urgência, o magistrado deve aplicar o art. 301 para efetivar a tutela cautelar e, portanto, assegurar o direito ou objeto do processo, valendo-se, para tanto, de medidas capazes de imunizar o perigo.

A lei não prevê um rol taxativo de medidas que podem ser praticadas pelo juiz no exercício do dever-poder geral de cautela para salvaguardar a lesão ou a ameaça a direito. O art. 301 do CPC é cláusula aberta. Nos termos do próprio artigo, o juiz pode (dever-poder) deferir qualquer medida idônea para asseguração do direito.

Ademais, o juiz também não está limitado à providência requerida pela parte cujo direito está sob ameaça. O juiz pode determinar providência diversa, desde que adequada e provisória, para eliminar o risco de dano ao direito ou ao resultado útil do processo. Aliás, o próprio art. 139, IV, do CPC, reforça esta ideia ao dispor que incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”

O princípio da adstrição do juiz ao pedido (ou o princípio da congruência ou da correspondência, como preferem alguns), deve ser mitigado, em prol de uma melhor e mais adequada prestação jurisdicional.

No entanto, o exercício do dever-poder geral de cautela, tal como previsto no art. 301, está condicionado à presença dos requisitos para a concessão da tutela cautelar: (i) probabilidade do direito e (ii) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300, CPC).

Não se trata de um poder absoluto e ilimitado concedido ao juiz, mas sim de um poder que, diante da presença dos requisitos para a sua utilização, deve ser exercido, de forma adequada, para proteger determinada situação de perigo. Somente diante da probabilidade do direito e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, pode o juiz aplicar o art. 301 e exercer o dever-poder geral de cautela.

Contudo, a despeito da ampla aplicação do art. 301 no que tange à efetivação da tutela cautelar, é importante registrar que tutelas dessa natureza não são aptas a resolver o litígio no lugar do “processo principal”, pois, são tutelas provisórias, acessórias e instrumentais, ainda que satisfativas. Não se pode, portanto, pretender a resolução definitiva do conflito através da utilização exclusiva do dever-poder geral de cautela.

VII Conclusão

O art. 301 do CPC de 2015 enuncia quatro medidas asseguratórias de direitos que, no CPC de 73, correspondiam a tutelas cautelares nominadas, quais sejam, arresto, sequestro, arrolamento de bens e protesto contra alienação de bens.

As cautelares nominadas foram revogadas pelo atual diploma processual e, portanto, os requisitos para a concessão das medidas previstas no art. 301 correspondem aos requisitos das tutelas cautelares genéricas (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo), não se confundido com os requisitos das cautelares nominadas previstas no CPC de 73, que ora se encontram revogados.

As cautelares genéricas correspondem ao dever-poder geral de cautela. Por este motivo, é correto afirmar que o magistrado pode (dever-poder) utilizar o art. 301 de forma ampla para efetivar as medidas destinadas a asseguração de direitos.

As medidas previstas no art. 301 não formam um rol taxativo. Ao contrário, estas medidas servem apenas para ilustrar, a título exemplificativo, os instrumentos que podem ser utilizados na efetivação da tutela cautelar, desde que sejam idôneos para assegurar o direito em estado de periclitação ou evitar prejuízos ao resultado útil do processo.


Notas e Referências:

[1] Dentre as tutelas cautelares nominadas ou típicas há aquelas que são “verdadeiramente” cautelares – ou seja, tutelas preventivas e urgentes, que são aptas a evitar a consumação do dano, e aquelas “topologicamente” cautelares - ou seja, tutelas que não são propriamente cautelares, mas constam no Livro III do Código.

[2] No CPC de 2015 há outras menções a arresto, arrolamento de bens e a protestos, mas nenhuma delas substitui o regramento previsto no CPC de 73 no que se refere às tutelas cautelares nominadas ou típicas.

[3] Cassio Scarpinella Bueno observa que “seria preferível, por isso mesmo, já que a proposta do art. 301 é a de descrever medidas a serem adotadas pelo magistrado para proteger direitos (e não para satisfazê-los) – aqui o CPC de 2015 trata da tutela cautelar -, que fosse indicada sua finalidade e não o nomen iuris pelos quais aquelas técnicas eram conhecidas pelo CPC de 1973, a exemplo do que faz o caput do art. 297 para o “dever-poder geral de antecipação”. (Manual de Direito Processual Civil, São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2016, p. 256) 

Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 15ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

Bedaque, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (tentativa de sistematização). 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

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___________. Novo Código de Processo Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2016.

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