As figuras do acusador e do julgador não podem se misturar

06/08/2019

 

A constituição brasileira estabelece que as figuras do julgador e acusador não podem se misturar. Cabe ao juiz ser responsável por analisar com imparcialidade as alegações de acusação e defesa sem interesse em qual será o resultado do processo. 

Juiz é pessoa física previamente selecionada pelo Estado. Sua função é resolver os conflitos particularmente insolúveis. Ele ouvirá a alegação das partes, oportunizará a produção de todas as provas permitidas em direito e solucionará o conflito à luz do direito, tudo de forma imparcial.

Juiz de direito, ou juiz togado, é o magistrado que tem sob sua responsabilidade a administração da Justiça, em nome do Estado. Além de órgão do Poder Judiciário, o juiz de direito tem competência para conhecer e resolver conflitos de interesses controvertidos ou infrações puníveis verificadas em sua jurisdição.

O juiz (do latim iudex, "juiz", "aquele que julga", de ius, "direito", "lei", e dicere, "dizer") é um cidadão investido de autoridade pública com o poder-dever para exercer a atividade jurisdicional, julgando, em regra, os conflitos de interesse que são submetidas à sua apreciação.

Para ser juiz, é preciso outro concurso além da faculdade. Ninguém sai da faculdade de direito advogado. Muito menos juiz ou promotor. A pessoa forma-se bacharel em direito e, para ingressar na magistratura (ser juiz) e no Ministério Público (promotor), é preciso prestar concursos específicos.

Ser juiz é julgar os mais diversos casos e problemas que ocorrem em nossa sociedade. Contudo, tomar decisões que impactam a vida de pessoas não é simples e o procedimento que um juiz percorre até chegar à sentença definitiva é longo.

As funções mais comuns de um juiz:

1 – INTERPRETAÇÃO DA LEI

Em um sistema democrático os parlamentos são responsáveis pela criação das leis. Essas leis são depois interpretadas e aplicadas pelos juízes.

Existe sempre um determinado grau de incerteza na forma como uma lei é interpretada pois uma mesma frase ou palavra pode, por vezes, ser interpretada de várias maneiras.

Por essa razão, existem duas perspetival de como os juízes devem atuar face à aplicação da lei: a perspetiva restritiva e a perspetiva extensiva.

De acordo com a perspetiva restritiva, o juiz deve procurar o significado da lei na própria lei e interpretá-la literalmente.

Pela perspetiva extensiva a aplicação da lei não se deve basear apenas na palavra da lei, mas que deve se basear, sempre que necessário, no espirito da lei para que a decisão seja a mais justa possível.

2 – CONTROLAR A FORMA COMO OS JULGAMENTOS SÃO FEITOS

O primeiro papel de um juiz é assegurar que todas as pessoas que se encontram no tribunal, como as testemunhas, os advogados e o réu por exemplo, seguem os procedimentos corretos.

Os procedimentos são muito importantes pois asseguram que todas as pessoas no tribunal são tratadas de uma forma justa.

Um juiz também pode obrigar uma pessoa que esteja desrespeitando alguém dentro do tribunal a parar de o fazer e podem inclusivamente multar pessoas por desrespeito ao tribunal.

Por vezes as questões são decididas antes mesmo de existir um julgamento caso exista um entendimento entre as partes. Nesse caso o juiz também pode agir como um moderador e facilitar o entendimento entre as partes.

3 – SER UM DECISOR IMPARCIAL

Apenas um juiz independente é capaz de assegurar que a lei é aplicada de uma forma igual para todos os cidadãos e a isso chamamos de imparcialidade.

Para que o juiz possa defender os direitos humanos e as liberdades fundamentais é importante que as pessoas tenham confiança na sua capacidade para desempenhar corretamente suas funções.

A lei existe para que as pessoas possam contar com uma decisão mais imparcial do que a mera vontade ou perspetiva de um juiz sobre um determinado caso. Por essa razão, a lei ajuda a assegurar a imparcialidade.

4 – ORDENAR AÇÕES QUE SE DESENVOLVEM FORA DO TRIBUNAL

Os juízes são responsáveis por emitir mandados de prisão e de intimação, ou seja, eles podem dar uma ordem para que se prenda uma pessoa ou exigir que uma determinada pessoa faça ou deixe de fazer algo.

Também está dentro do âmbito de um juiz a emissão de mandados de busca que são ordens para procurar um ou vários objetos dentro de uma propriedade.

Em um Estado Democrático de Direito, como objetiva a Constituição Federal de 1988, o processo está associado a princípios, direitos e garantias individuais inerentes a qualquer indivíduo que esteja sob o crivo da persecução penal. Um desses direitos é o de ser julgado de forma equânime e imparcial, em decorrência da opção constitucional brasileira pelo sistema processual penal acusatório.

A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção.

Código de Ética da Magistratura

CAPÍTULO III

IMPARCIALIDADE

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

O juiz que no curso da investigação, ordenou a produção antecipada de provas urgentes, não deterá a imparcialidade necessária à sua função no momento da instrução processual, pois estará contaminado de parcialidade, pendendo para o lado da acusação, apenas buscando corroborar sua opinião já formada.

Conforme explica Lopes Jr. (2018, p. 64),

Nesse contexto, o art. 156 do CPP funda um sistema inquisitório, pois representa uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador. Está desenhado um processo inquisitório.

Assim, insuficiente a simples separação das funções do julgador e acusador, se faz necessário que o juiz da instrução processual não esteja corrompido pelos atos investigatórios (LOPES Jr., 2018). O supracitado autor ainda nos elucida com sua obra, um estudo realizado por Bernd Schunemann, sobre a teoria da Dissonância Cognitiva, à qual é de extrema relevância para compreendermos a atuação do juiz no processo penal (LOPES Jr., 2018).

De acordo com Lopes Jr. (2018, p. 70), “[...] a teoria da ‘dissonância cognitiva’, desenvolvida na psicologia social, analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas ideias, crenças ou opiniões antagônicas, incompatíveis, geradoras de uma situação desconfortável, bem como a forma de inserção de elementos de ‘consonância’ [...].

Em suma, o juiz ao participar dos atos de investigação, acaba inconscientemente formando uma opinião sobre os fatos, e é esta mesma opinião que levará para a instrução processual, na qual procurará apenas corroborar hipótese anteriormente levantada.

Lopes Jr. (2018, p. 71) aduz que,

Toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo, uma relação não contraditória. A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais (acusatórias) e conduz à (molesta) dissonância cognitiva. Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança, de autoconfirmação das hipóteses, por meio da busca seletiva de informações.

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é uma garantia constitucional. Por isso, tem as partes o direito de exigir um juiz imparcial; e o Estado que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.

O magistrado honesto se mantém equidistante das partes envolvidas nos processos sob sua apreciação. Equidistância, pois, é o que se pode alcançar e o que se deve exigir do julgador. Ninguém consentiria na presidência de um processo um juiz que confabulasse com a parte contrária.

Os direitos da parte se exercem, portanto, perante o juiz e nunca perante a outra parte. Seguindo a lógica da garantia constitucional do sistema acusatório, deve ser estabelecida a paridade de armas no processo e garantida a equidistância das partes em relação ao julgador. Um detalhe importante é que a base planar da pirâmide evidencia tanto a equidistância entre autor, réu e ministério público, quanto a equidistância deles em relação ao juiz, o que embora não seja uma realidade.

 

Notas e Referências 

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