Introdução[1]
A fluidez da vida, em regra, não permite que o Ser Humano perceba o valor da natureza (ou do meio ambiente natural) para a garantia da sobrevivência da sociedade e de todas as relações de ordem econômica e social. Embora exista certa e determinada perspectiva científica que refute a ideia de valorar economicamente o meio ambiente, na prática, sob o viés de políticas públicas e privadas, a avaliação da natureza colabora para a tomada de decisões sobre investimentos; evita o desembolso de vultuosos investimentos em áreas de alto valor natural; colabora como ferramenta de negociação em ambientes competitivos e com conflitos de interesses (capital econômico versus sociedade civil/comunidades tradicionais) e permite, ainda, a realização do necessário julgamento acerca da incidência e da magnitude de custos e/ou benefícios em relação à equidade distributiva da natureza - a respectiva exploração e o resultado socioeconômico.
A ciência econômica, por diversos métodos, dentre os quais os ligados com a economia mainstream (de matriz neoclássica) e com a economia ecológica, pretendem demonstrar e quantificar o valor da natureza para o Ser Humano. Pela economia mainstream, a natureza é valorada a partir de uma abordagem (i) monetária, com baixa qualidade científica, pertinência dúbia à política e precificação improvável, (ii) reducionista, projetando a importância da natureza apenas às relações de consumo, considerando que todos os bens e serviços prestados pela natureza só podem ter expressão econômica através das preferências do consumidor, e (iii) simplista, desconsiderando o papel dos ecossistemas naturais e os serviços ambientais. Por outro lado, na economia ecológica (é não economia ambiental, um conceito diferente), a mensuração do valor da natureza, mesmo que se admita a precificação, deve considerar as múltiplas dimensões sociais, culturais e ecológicas; ou seja, amplia-se a valoração para incluir os serviços ambientais (Costanza,R.1997)[2] prestados pelos ecossistemas a partir dos riscos e das consequências relacionadas com as perdas irreversíveis dos danos.
Nesse sentido, é necessário estudar as contribuições da natureza às pessoas, considerando os “valores” que podem ser extraídos.
A valoração da natureza a partir da visão de mundo.
A valoração da natureza é, eminentemente, uma questão aplicada a partir da economia neoclássica para mensurar e controlar o uso dos recursos naturais para proteção do sistema econômico. Contudo, o paradigma econômico não é o único instrumento de mensuração. Atualmente, discute-se que a valoração da natureza deveria ser realizada tomando em consideração, primeiro, a visão de mundo do indivíduo ou do grupo de indivíduos que pretendem explicar o valor e a importância da natureza, para depois, explicar (ou compreender) o apelo econômico ou ecológico. Portanto, a valoração econômica seria realizada tomando em consideração as visões de mundo.
As premissas éticas (aqui tomadas como sendo a visão de mundo em matéria ambiental) de relacionamento do Ser Humano com a natureza podem ser expressadas pelas seguintes perspectivas:
Antropocêntrica. Trata-se de visão filosófica cuja base teórica sustenta que o mundo, assim como todas as coisas que nele existem, é de benefício maior dos seres humanos.
Biocêntrica. Compreende a concepção, segundo a qual todas as formas de vida são igualmente importantes, não sendo a humanidade/Ser Humano o centro da existência da vida e do mundo.
Ecocêntrica. É um sistema de valores ecológicos que, em oposição ao antropocentrismo, apresenta a natureza como sendo o centro da vida.
Cosmocêntrica. É uma visão filosófica que afirma a prioridade e a centralidade do mundo natural na ordem da existência, sendo a natureza e o mundo o “ser” mais importante da realidade.
Vê-se, assim que para captar os diferentes valores e as diferentes contribuições da natureza para o Ser Humano, pode ser necessário apurar e identificar, primeiro, sob qual perspectiva ética o indivíduo ou o grupo de indivíduos mantem relacionamento com o mundo e com a natureza. Nesse sentido, resta indene de dúvida que quanto mais a visão de mundo for antropocêntrica, mais haverá aproximação com a mensuração neoclássica. O contrário também podem ser uma verdade possível, uma vez que quanto mais a visão for ecocêntrica, tanto mais haverá aproximação com a teoria da economia ecológica.
As contribuições da natureza para o Ser Humano.
Segundo Paula Drummond de Castro[3], tomando como ponto de partida as diferentes representações do complexo fluxo que relaciona natureza à qualidade de vida, as contribuições da natureza para o Ser Humano podem ser agrupadas a partir de três grupos: regulatório, material e não material. Estes grupos consideram desde elementos biofísicos até componentes subjetivos e simbólicos que que dão sentidos a diferentes grupos sociais – a representatividades da natureza para um grupo empresarial é diferente da representatividade da natureza para uma comunidade indígena ou de pescadores.
As contribuições regulatórias (ou intrínsecas ou morais), compreendem os aspectos funcionais e estruturais de organismos e ecossistemas que modificam as condições ambientais da vida das pessoas e ou sustentam ou regulam a geração de benefícios materiais e não materiais, como ocorre com a purificação da água, com a regulação do clima e com a erosão do solo (são princípios e direitos naturais universalmente aceitos e ligados à vida no planeta) Em regra, o Ser Humano percebe, diretamente, as contribuições regulatórias, estando submetido as consequências práticas em razão do mal-uso dos serviços ecossistêmicos ou das tragédias naturais implicadas pelo desequilíbrio ambiental provocado pelo processo de crescimento insustentável e predador.
Lado outro, as contribuições materiais (ou instrumentais), envolvem as contribuições da natureza para a produção de substâncias que sustentam a existência física e de infraestrutura fundamentais para a sociedade humana (são as contribuições oferecidas pela natureza que viabilizam as comodidades do Ser Humano). As contribuições estão associadas ao fornecimento de alimentos (de origem animal e vegetal), à produção de energia, ao uso de materiais para construção civil – recursos naturais.
Por fim, as contribuições não materiais (ou relacional), definidas como sendo as contribuições da natureza para a qualidade de vida em uma dimensão subjetiva ou psicológica de pessoas ou grupo de pessoas. Muito embora as contribuições sejam (em princípio) intangíveis, podem ser fisicamente consumidas no cotidiano da vida humana, como ocorre no uso da natureza para recreação e para prática de esporte ou ainda, nas hipóteses em que o consumo da natureza seja de ordem contemplativa ou espiritual (mensura-se pelas virtudes advindas da natureza).
Conclusão.
A natureza possui importantes contribuições para a vida do Ser Humano, tomado individualmente, e de toda a sociedade. A missão coletiva da sociedade mundial é (primeiro) compreender a importância da natureza para além da valoração monetária, perpassando, necessariamente, pela mensuração dos serviços ecossistêmicos; (segundo) aprender que a qualidade de vida no planeta depende do equilíbrio e da distribuição equitativa de benefícios nas múltiplas relações entre o Ser Humano e os demais seres viventes e existentes no planeta, sendo crucial, portanto, abandonar a visão antropocêntrica e (terceiro) aceitar que a natureza é a única fonte de vida no planeta, pois, a existência do Ser Humano dependente exclusivamente dos recursos naturais. Pensar o contrário pode significar, em palavras simples, a extinção do Ser Humano e das demais formas de vida.
Notas e Referências
[1] Artigo escrito a partir das provocações oriundas da disciplina economia e política de recursos naturais e meio ambiente, ministrada pelo Professor Peter H. May, no programa de pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
[2] COSTANZA, R.; D’ARGE, R.; DE GROOT, R. S.; FARBER, S.; GRASSO, M.; HANNON, B.; LIMBURG, K.; NAEEM, S.; O’NEILL, R. V.; PARUELO, J.; RASKIN, R. G.; SUTTON, P.; VAN DEN BELT, M. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, n. 387, p. 253-260, 1997
[3] Disponível em https://www.bpbes.net.br/contribuicoes-da-natureza-para-as-pessoas/. Acesso em 03 de maio de 2019.
Imagem Ilustrativa do Post: BH vai ganhar 54 mil mudas de árvores nos próximos três anos // Foto de: Prefeitura de Belo Horizonte // Sem alterações
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