As consequências do veto à Defensoria - Por André Amorim de Aguiar

15/10/2016

Por André Amorim de Aguiar - 15/10/2016

A palavra “política” tem origem no termo grego polis, ou seja, aquilo que é pertinente à cidade, à comunidade. Uma boa decisão política é aquela que representa um bem para a comunidade.

Partindo de tal ponto, pode-se afirmar que a decisão do Excelentíssimo Senhor Presidente Michel Temer de vetar o projeto de lei que fixava o subsídio do Defensor Público-geral Federal não foi uma boa decisão política, por diversos motivos:

1º) não serviu ao fim a que se destinava. A decisão em referência baseou-se no argumento de que seria necessário o veto por conta do ajuste fiscal. Entretanto, pouco tempo antes, o Presidente havia sancionado reajuste a diversas carreiras, com impacto previsto sobre os cofres públicos de R$ 58 bilhões até 2019.[1]

Enquanto isso, o projeto da Defensoria representava, no contexto dos reajustes que tramitavam naquele momento, um impacto de, somente, 0,1%[2].

Assim, como se realizar o ajuste fiscal sancionando 99,9% de uma dada despesa e vetando somente 0,1%?

Ademais, o impacto do projeto da Defensoria, além de ser o menor de todos (85 milhões no total), é dividido em 3 anos (2016-2017-2018).

2º) produziu uma maior distorção entre as carreiras do sistema de Justiça. O sistema de Justiça é formado, no âmbito estatal, pelo Poder Judiciário e pelas funções essenciais (Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Pública).

Todas as instituições aludidas defendem interesses relevantes e públicos merecendo respeito e tratamento adequado.

Entretanto, a Defensoria Pública, que é justamente aquela que visa à defesa dos interesses dos mais fracos, vem sendo, sistematicamente, transformada na menos atrativa dentre todas as carreiras do sistema de Justiça.

No contexto das remunerações aprovadas, considerando as médias remuneratórias e penduricalhos, de longe, a Defensoria Pública da União é a carreira com pior remuneração.

Além de os defensores não terem qualquer correção do subsídio desde 2012, recentemente, foram aprovados para as carreiras do Ministério Público e da Advocacia Pública algumas parcelas que não foram estendidas aos defensores (auxílio-moradia e pagamento de substituição para o Ministério Público e honorários para a AGU).

Além da não aprovação de correção do subsídio e de não ter parcelas adicionais o sistema de promoção da DPU é praticamente inexistente. Atualmente, 86% dos defensores estão no cargo inicial da carreira, enquanto 72% dos membros da AGU estão no cargo final.

Não se pode esquecer ainda de que os defensores, ao contrário dos advogados federais, estão submetidos a plantão no final de semana e feriado para situações de urgência! E sem qualquer contrapartida remuneratória!

Tal distorção já levou a uma evasão de 40% dos defensores federais aprovados nos dois últimos concursos. A tendência, com o veto, é que a motivação para permanência na carreira seja ainda menor.

3º) descumpriu escancaradamente a Constituição federal. O artigo 134, § 4º da Constituição manda aplicar à Defensoria o artigo 93 que estabelece duas obrigações: 1º) fixação da remuneração do Defensor Público-geral Federal em lei, na forma de subsídio; 2º) necessidade de escalonamento de, no máximo, 10% entre os cargos da carreira de defensor. Nenhuma das duas obrigações foi cumprida, apesar de existirem desde 2014 (Emenda Constitucional 80). O projeto de lei vetado visava a corrigir tal situação inconstitucional.

Sendo o Presidente um constitucionalista, não se esperava que decidisse em sentido contrário à Constituição. Se o próprio Presidente descumpre uma obrigação tão clara constante no “livrinho”, como pode exigir que os outros o cumpram?

4º) descumpriu acordos. A política é a arte do possível, tendo como um dos seus principais instrumentos a realização de acordos. Cumprir a palavra empenhada, neste contexto, é fundamental, já que perde as condições de liderar quem não se mostrou digno de confiança.

Quando o presidente vetou o projeto do subsídio do DPGF, descumpriu, pelo menos, dois acordos: 1º) quando da votação do projeto na Câmara dos Deputados, existia acordo para a votação de todos os projetos de reajustes que lá tramitavam, inclusive o da Defensoria; 2º) quando da votação do projeto no Senado, existia acordo com a oposição para aprovar o projeto da Defensoria em troca da votação do projeto da DRU em 2º turno. Se não existisse tal acordo, o governo teria tido muita dificuldade na aprovação de tal matéria com a celeridade que se queria. Feito o acordo, obtendo o governo aquilo que queria, sobreveio o veto. Diante disso, como a oposição poderá confiar em nova proposta para acordo? Como os aliados poderão confiar quando o Governo der a sua palavra?

No contexto atual de crise, antes de tudo, está clara a necessidade de liderança. Entretanto, a confiança é pressuposto para a liderança. Descumprir a palavra é minar as próprias condições para resolver a crise.

Dessa forma, verifica-se que o veto 37 foi uma decisão politicamente danosa, em diversos níveis, fazendo-se necessário que ele seja derrubado.


Notas e Referências:

[1] “Na contramão do discurso de ajuste fiscal para o equilíbrio das contas públicas, a Câmara aprovou de ontem para hoje (2) um pacote de reajustes salariais para quase todas as categorias de servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, conforme antecipou o Congresso em Foco. Os aumentos variam de 10,7% a 55%, conforme  a categoria e o prazo em que serão repostos os ganhos. O impacto previsto sobre os cofres públicos é de R$ 58 bilhões até 2019”. Fonte: Congresso em foco. Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/confira-os-valores-e-as-categorias-contempladas-com-o-reajuste-salarial/ Acesso em 08/120/2016.

[2] http://www.planejamento.gov.br/noticias/veja-tabela-de-reajustes-no-servico-publico


André Amorim de Aguiar é formado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Foi advogado em Teresina entre os anos de 2006 e 2009. Foi aprovado nos concursos de Analista do MPU, Advogado da Chesf, Delegado da Polícia Civil do Maranhão, Procurador do Estado da Paraíba e Defensor Público do Estado do Ceará. Desde 2009 ocupa o cargo de Defensor Público Federal, lotado inicialmente em Porto Velho-RO e depois em Teresina-PI. Exerceu a função de Defensor Público-Chefe da Unidade do Piauí entre os anos de 2009 e 2013. É Delegado Regional da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais no Piauí. É autor do livro "O Tempo Dissolvido".


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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