As condições gerais dos contratos no direito português – Por Mauricio Mota

27/09/2017

O direito português denomina o fenômeno da estandardização das relações contratuais de contratação mediante cláusulas contratuais gerais. Não há correspondentes diretos dessa denominação em outras ordens jurídicas. A justificativa da preferência pelo termo “cláusula” em vez de “condição” decorre do fato desta possuir na nomenclatura jurídica um sentido bem preciso. Há autores que discordam dessa argumentação, lembrando que, não só a expressão “condições gerais do contrato” já havia adquirido um valor fiduciário seguro, como também, na verdade, o termo “condição” punha imediatamente em relevo a relação de dependência que o predisponente estabelece entre a aceitação da cláusula e a conclusão do contrato: só mediante essa aceitação ele se disporia a celebrar o negócio, facultando à contraparte a prestação em que ela está interessada. Deste modo seria mais técnica ao evidenciar que a sujeição ao conteúdo regulamentador condiciona a conclusão do contrato[1].

De qualquer modo, as cláusulas contratuais gerais haviam se disseminado na realidade portuguesa sem que o Código Civil de 1966 se preocupasse em regulamentá-las. Da mesma maneira, a jurisprudência não procurou dar conta da diversidade do fenômeno.   Os juristas portugueses, por seu turno, embora fizessem a descrição do fenômeno e ressaltassem suas peculiaridades, não propugnavam por uma interpretação desses contratos diversa da corrente:

“E depois de celebrado um contrato de adesão, haverá maneira de obstar a que ele conduza a injustiças graves? A nosso ver, os meios de reacção não podem ser diversos dos comuns aos vários contratos, desde que a lei não estabeleça outros, específicos: e isto, mais necessária torna a intervenção do legislador. Há quem pretenda criar métodos especiais de interpretação dos contratos de adesão, mas no silêncio da lei não o julgamos possível”[2].

Procurou-se então sanar essa deficiência legislativa através da promulgação de um diploma extravagante, com estruturação completa, minimamente harmoniosa e não restrita ao âmbito civil.

O Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro, introduziu no ordenamento jurídico português o regime das cláusulas contratuais gerais. Houve, efetivamente, uma influência da lei alemã de 1976 – o AGBG – o que permitiu nítidos avanços.

A lei portuguesa, no que se refere às cláusulas contratuais gerais, prevê um rígido sistema de controle que funciona em vários níveis: primeiramente, ao nível da inclusão das cláusulas em um contrato singular; depois, ao nível da interpretação; finalmente, ao nível do conteúdo das cláusulas contratuais gerais. O diploma sobre cláusulas contratuais gerais visa regular as situações patrimoniais privadas que digam respeito à circulação dos bens e dos serviços. Retiram-se, assim, do seu âmbito de aplicação as situações jurídicas públicas, as familiares e sucessórias, bem como as regulamentações coletivas do trabalho.

As cláusulas contratuais gerais são estipulações negociais, e a sua vigência pressupõe um acordo entre as partes contratantes. Tanto isto é verdade que o artigo 4º da Lei de Cláusulas Contratuais Gerais faz referência à aceitação, exigindo uma vontade dirigida à vigência destas no acordo celebrado[3]. Contudo, a sua inclusão efetiva no contrato depende da observância, por parte do utilizador, de certos requisitos específicos:

a) efetiva comunicação. Exige-se que as cláusulas contratuais gerais sejam integralmente comunicadas ao aderente, impondo-se que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, torne-se possível o seu conhecimento efetivo pelo contratante que atue com a diligência comum[4]. Dessa forma, vê-se que não basta a mera comunicação por parte do utilizador das cláusulas que este pretende incluir no contrato, esta comunicação deverá ser completa, abrangendo a totalidade de situações negociais, e apta a tornar possível o real conhecimento do aderente. Saliente-se que este dever de comunicação tem como correlato, por parte do aderente, a adoção de uma conduta que possa ser tida como razoável ou exigível, a qual será aferida segundo o critério abstrato da diligência comum, isto é, o cuidado ou zelo do contratante médio colocado abstratamente na situação em causa. Caso o comportamento do aderente não corresponda a este padrão, é possível que o mesmo venha a não conhecer efetivamente as cláusulas contratuais gerais, que, apesar disto, vão integrar a base do contrato singular;

b) efetiva informação. Em determinadas situações, além da necessidade comunicação, acresce-se uma particular exigência de informação. Assim, de acordo com as circunstâncias, o utilizador está obrigado a informar o aderente sobre determinados aspectos compreendidos nas condições gerais, cuja aclaração se justifique. Devem também ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados[5]. Com a consagração dessa exigência, há um reforço na ideia de tentar pôr à disposição do contratante os elementos necessários à formação de uma decisão negocial responsável e racional. Trata-se de uma projeção particular do dever pré-contratual de esclarecimento que a boa-fé faz recair sobre os contratantes, estando em consonância com o preceito fundamental contido no artigo 227º do Código Civil Português;

c) inexistência de cláusulas As cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre as cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes[6]. Pressupõe-se que, na presença de tais cláusulas, a vontade das partes inclinou-se para elas, consoante as regras da experiência;

d) a exclusão das cláusulas-surpresa. A mesma lógica do mútuo consenso como pressuposto de vigência das cláusulas contratuais gerais inspira a norma que proíbe as “cláusulas-surpresa”, ou seja, segundo a alínea “c” do artigo 8º, aquelas que, “pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real”. Deste modo, torna-se razoável impedir a inclusão destas no contrato singular, já que não chega a formar-se o necessário acordo das partes. A consequência jurídica resultante da não observância das regras referentes à inclusão das cláusulas gerais no contrato singular traduz-se na exclusão destas do contrato celebrado, mantendo-se o contrato válido e eficaz na parte restante, vigorando, quanto aos aspectos afetados pela exclusão, as normas supletivas aplicáveis, recorrendo-se, em caso de necessidade, às regras do Código Civil atinentes referentes à integração do negócio jurídico[7].

Naquilo que diz respeito à interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais, o sistema português prevê a vedação a que as cláusulas contratuais gerais engendrem outras regras de interpretação e remete a uma interpretação que tenha em conta o contrato singular. Assim, a interpretação das cláusulas fica vinculada ao conteúdo concreto de cada contrato, devendo os utilizadores das cláusulas gerais desenvolver pormenorizadamente os seus formulários, de modo a evitar hiatos interpretativos.

Também no que pertine às cláusulas ambíguas a disciplina é rígida. A interpretação das cláusulas remete-se para o entendimento do aderente normal, correndo contra o utilizador os riscos particulares de uma ambiguidade insanável[8].

No que se refere ao controle do conteúdo, consagra-se um detalhado sistema de fiscalização, que conjuga o recurso a uma cláusula geral de controle com um elenco de cláusulas proibidas. A base do sistema é constituída pelo princípio da boa-fé, sendo as listas de cláusulas proibidas uma concretização exemplificativa do princípio em tela.

A fim de concretizar o princípio geral de controle, a lei exige uma ponderação dos valores fundamentais do direito relevantes diante da situação considerada, dando particular ênfase a dois deles: em primeiro lugar, à confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas, pelo processo de formação do contrato singular, pelo teor deste; em segundo lugar, ao objeto que as partes visam atingir com o negócio, procurando-se a sua efetivação à luz do contrato utilizado[9].

O ordenamento jurídico português, quanto ao controle das cláusulas contratuais gerais, sofreu uma progressiva mudança de orientação a partir de 1993, quando a Comunidade Europeia promulga a diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993, sobre cláusulas abusivas em contratos celebrados com consumidores, tendo por objetivo a harmonização legislativa dos Estados-membros no que se refere à matéria[10].

A harmonização procurada é apenas parcial, pois o legislador comunitário fixa apenas um padrão mínimo de tutela, deixando aos Estados-membros a possibilidade de instituírem ou manterem um nível mais elevado de proteção[11].

Assim, deve-se ressaltar que nem todas as cláusulas abusivas fazem parte do objeto da regulação proposta, pois ficam excluídos o tráfego mercantil e os contratos celebrados entre consumidores. A diretiva pretende atingir as cláusulas que não tenham sido objeto de negociação individual, ou seja, aquelas que foram previamente elaboradas, sobre cujo conteúdo o consumidor não tenha podido exercer influência.

Ainda segundo este entendimento, a negociação de elementos contratuais isolados ou de uma cláusula singular não exclui do controle a parte restante do contrato, desde que uma apreciação do mesmo evidencie que tal parte não chegou a ser negociada. Em havendo cláusulas estandardizadas, o ônus da prova da existência de negociação recai sobre o profissional[12].

A diretiva pretende instituir um sistema de controle baseado no conceito de cláusulas abusivas. Para que seja considerada como tal, é necessário que a cláusula contrarie o princípio da boa-fé, proporcionando, em detrimento do consumidor, um significativo desequilíbrio entre direitos e deveres das partes contratantes[13]. Na análise do caráter abusivo de determinada cláusula, deve-se levar em consideração as circunstâncias que permearam a celebração do contrato, bem como as outras cláusulas que compõem o contrato em questão, ou de outro contrato de que este dependa.

Contudo, segundo o art. 4º, nº 2 da diretiva, “a avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível”.

Com o intuito de facilitar esta análise, busca-se a concretização dos referidos preceitos através da previsão, em anexo, de um catálogo de cláusulas potencialmente abusivas, sendo certo que este tem caráter indicativo, tratando-se de enumeração exemplificativa, sem qualquer força cogente[14]. Assim, os Estados-membros podem ampliar o rol de cláusulas proibidas, indo além daquelas que o legislador comunitário expressamente contempla, as quais apenas garantem uma tutela mínima ao consumidor.

Do elenco de proibições do anexo fazem parte cláusulas de alteração unilateral, isto é, estipulações que autorizam o profissional a modificar unilateralmente os termos do contrato sem razão válida e especificada no próprio texto contratual[15]. Todavia, esta proibição não incide nos negócios do setor financeiro. O legislador comunitário estabelece que tal proibição não afeta cláusulas que atribuam ao fornecedor de serviços financeiros o direito de alterar a taxa de juros ou o montante de quaisquer outros encargos, podendo a contraparte, neste caso, resolver o contrato[16].

A referida proibição de cláusulas de alteração unilateral do contrato também não se aplica às estipulações pelas quais o profissional (notadamente, a instituição bancária) se reserva o direito de modificar unilateralmente as condições de um contrato de duração indeterminada, desde que se preveja o dever de informar a contraparte com um pré-aviso razoável e lhe seja concedida a faculdade de rescindir o contrato[17].

Estão também consagradas outras exceções: a proibição de cláusulas de alteração unilateral do contrato e a de cláusula de fixação unilateral do preço na data da entrega dos bens ou serviços não se aplicam às transações referentes a valores mobiliários ou a produtos ou serviços cujo preço dependa da flutuação de taxas formadas no mercado financeiro, bem como aos contratos de aquisição de divisas ou cheques de viagem. O mesmo vale para as cláusulas de indexação de preços, desde que o processo de variação do preço se encontre nelas explicitamente descrito[18].

As citadas exceções têm sido objeto de crítica pela doutrina portuguesa, que sustenta haver uma onerosidade exclusiva para o consumidor, o qual é praticamente coagido a aceitar as novas estipulações contratuais, restando-lhe apenas a opção de resolver o contrato, o que pode não se afigurar tão favorável para o mesmo. Haveria, então, uma contradição interna provocada pelo desvirtuamento da ratio inspiradora da diretiva, qual seja, proteger o consumidor do abuso da liberdade de conformação do contrato por parte do utilizador de cláusulas contratuais gerais.

Neste sentido, a lição de Almeno de Sá, in verbis:

“É certo que não se estabelece, relativamente a essas excepções, qualquer desaplicação do critério geral de controlo adoptado pela directiva. Não obstante, a circunstância de se consagrar uma restrição à esfera aplicativa de cláusulas declaradas em princípio como abusivas comporta dois potenciais riscos para o consumidor, não de todo despiciendos: em primeiro lugar, a tendência dos Estados-membros para adoptarem tal restrição, mesmo que anteriormente não a admitissem na ordem jurídica interna – o exemplo de Portugal é elucidativo, a este propósito; em segundo lugar, a natural inclinação dos tribunais para aceitar, sem discussão, a validade das cláusulas abrangentes pelo regime permissivo, afastando, à partida, a sindicância de tais cláusulas à luz do princípio de fiscalização do conteúdo. Deste modo, a diretiva funciona aqui de modo perverso, “legitimando” cláusulas – com relevo, sobretudo, no domínio bancário – que, no quadro normativo anterior, estavam sujeitas, à partida, à análise de sua conformidade com os princípios e regras dominantes em sede de controlo de conteúdo” [19].

A natureza abusiva de uma cláusula gera a sua não vinculatividade em relação ao consumidor, facultando-se aos Estados-membros a opção pela figura jurídica que, no contexto de cada ordenamento, seja mais indicada para implementar esta sanção[20].

Assim, impõe-se aos Estados-membros o dever de adotar instrumentos aptos a erradicar as cláusulas abusivas nos contratos celebrados entre consumidores e profissionais. Neste contexto, a diretiva recomenda a adoção de um mecanismo de controle abstrato, podendo os Estados efetuá-lo pela via administrativa ou mediante processo judicial, com recurso ao mecanismo da ação coletiva[21].

Apesar de a diretiva e a lei portuguesa partirem do princípio da boa-fé, não há inteira coincidência no que diz respeito ao modo do controle de conteúdo. Na diretiva, há dois momentos que se condicionam e completam (boa-fé e significativo desequilíbrio de direitos e obrigações); já a lei portuguesa apenas proclama genericamente a proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé, sem que seja expressamente indicado um padrão objetivo que deva orientar este controle.

A fiscalização das condições gerais ocorre, em primeiro lugar, na forma de um controle incidental, ou seja, no âmbito de um litígio referente a cláusulas de um contrato concluído entre determinado utilizador e o seu parceiro negocial. Ao lado deste tipo de fiscalização, há um processo de controle abstrato, destinado a erradicar do tráfego jurídico condições gerais iníquas, independentemente de sua inclusão em contratos singulares.

Com esta finalidade preventiva, consagrou-se o sistema da ação inibitória, que tem por objetivo fazer com que os utilizadores de condições gerais irrazoáveis sejam condenados a absterem-se de seu uso ou que as organizações de interesses que recomendam tais condições sejam condenadas a abandonarem essa recomendação[22].

Pode-se optar entre requerer ao tribunal uma proibição provisória ou uma proibição definitiva, legitimando-se a primeira sempre que exista receio de virem a ser incluídas em contratos singulares condições gerais incompatíveis com a lei. Estas seguem os termos dos procedimentos cautelares inominados. No que se refere à proibição definitiva, o seu efeito traduz-se em o utilizador não poder incluir em futuros contratos singulares as cláusulas objeto de decisão transitada em julgado. Isso também se aplica às cláusulas substancialmente equiparáveis, a fim de evitar que as empresas demandadas tentem contornar as proibições decretadas pelo tribunal[23].

A legitimidade para propor a ação inibitória é atribuída a organizações de consumidores, a associações profissionais ou de interesses econômicos legalmente constituídas, atuando no âmbito de suas atribuições, bem como ao Ministério Público, o qual pode intervir ex officio, ou por indicação do Provedor de Justiça, ou mediante solicitação de qualquer interessado. Contudo, a Lei de Defesa do Consumidor estendeu esta legitimidade aos “consumidores diretamente lesados”[24].

A ação inibitória está isenta de custas processuais e há a opção pelo procedimento sumário, o que a torna mais acessível e célere, havendo de certa forma, um estímulo a esta forma de eliminar as condições gerais. Por outro lado, a fim de proporcionar maior eficácia a este processo de controle abstrato, prevê-se uma sanção pecuniária compulsória para as hipóteses de descumprimento da decisão judicial[25].

Se o utilizador, apesar da proibição decretada pelo tribunal, continuar a recorrer às cláusulas contratuais em causa, qualquer cliente concreto poderá, a qualquer tempo, em ação meramente declaratória, invocar a declaração incidental de nulidade contida na ação inibitória. Contudo, apenas a empresa vencida na ação é que está obrigada a se abster de utilizar as cláusulas submetidas à apreciação do tribunal.

Registre-se que o Ministério Público português têm sido, na prática, o grande promotor das ações inibitórias, sendo relevante também as ações intentadas pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – DECO[26].

O Decreto- Lei nº 446/85, diversamente da diretiva, trata as condições gerais como um fenômeno global, e não apenas no que se refere à proteção ao consumidor, tendo por objetivo instituir um sistema de proteção de todos os contratantes que concluam acordos com quem faz uso das condições gerais de contratação.

Assim, no que se refere ao âmbito de aplicação pessoal, a transposição não implicava nenhuma dificuldade, visto que o consumidor é um dos sujeitos que a lei portuguesa já pretendia proteger.

O preâmbulo da lei em questão refere-se à defesa do consumidor como um dos fundamentos para a criação de instrumentos regulativos no domínio das cláusulas contratuais gerais. Menciona ainda a recomendação do Conselho da Europa aos Estados-membros – Resolução 76 – no sentido de serem adotados mecanismos legais dirigidos à tutela do no âmbito das cláusulas abusivas[27].

A diretiva traz a definição comunitária do conceito de consumidor, abrangendo qualquer pessoa singular que, nos contratos previstos, atue animada por fins que não pertençam ao âmbito de sua atividade profissional. Assim, um comerciante pode ser tratado como consumidor, desde que atue nos contratos previstos com objetivos alheios à sua atividade mercantil. Porém, os entes coletivos jamais poderão ser considerados consumidores.

Em contraposição, define-se também o conceito de profissional, ou seja, qualquer pessoa física ou jurídica que, nos contratos abrangidos pela diretiva, atue nos limites de sua atividade profissional, seja ela pública ou privada.

A versão originária do Decreto-Lei 446/85 contempla quatro grupos de cláusulas proibidas que se articulam entre si. Assim, o primeiro critério a ser levado em consideração é o do âmbito de aplicação pessoal. Para as relações entre empresários ou entidades equiparadas, contemplam-se duas listas de proibições, havendo também mais duas listas, que são apenas aplicáveis nas relações com consumidores[28].

A lei distingue para efeitos de proibições:

  • situações comuns por natureza, que são aquelas que contrariam o princípio da boa-fé, segundo os fatores de sua concretização[29];
  • as relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou coletivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua atividade específica[30].

Ressalte-se que, no que concerne ao consumidor, a lei estabelece uma tutela intensificada, dado que este se beneficia das mesmas proibições impostas às relações entre empresários e entidades equiparadas, bem como daquelas previstas em outras duas listas, especificamente dirigidas para a sua posição no mercado[31].

Dentro de cada um dos dois grupos de cláusulas estabelecidas segundo o critério da aplicação pessoal, procede-se a uma divisão que tem por base a forma de atuação da proibição, conduzindo à contraposição entre proibições absolutas e relativas.

Nas cláusulas absolutamente proibidas, é vedado ao juiz qualquer possibilidade de valoração acerca da correção ou justiça da cláusula, correspondendo a proibição a um juízo de desvalor abstratamente pressuposto pelo legislador[32].

Nas cláusulas relativamente proibidas, o desvalor que as acompanha deve ser mesurado pelo quadro negocial padronizado, o que dá ao juiz a possibilidade de apreciar se, no contexto em análise, certa cláusula deve ser ou não considerada nula[33].

Nas proibições relativas, é cabível uma valoração judicial que concretize os conceitos indeterminados de que a previsão faz uso, ao passo que nas proibições absolutas estão presentes elementos fechados, que não justificam uma possibilidade de valoração por parte do julgador, tratando-se de cláusulas em si mesmo interditas.

No que se refere ao âmbito de aplicação objetivo, algumas dificuldades surgem, pois o propósito da diretiva é atingir quaisquer cláusulas que não tenham sido objeto de negociação individual, abrangendo também aquelas inseridas em contratos individuais. Nesse sentido, afasta-se a ideia de predisposição de cláusulas para uma generalidade de destinatários, o que é um elemento essencial do conceito de condições negociais gerais.

É irrelevante, do ponto de vista comunitário, o fato de as cláusulas terem sido predispostas para uma pluralidade de contratos, sendo também abrangidas cláusulas que se destinam a uma única utilização. Nessa esteira, em se tratando de controle, deixa de ser relevante, a contraposição entre condições gerais e cláusulas ou contratos individuais.

A lei portuguesa, diversamente, parte do conceito de cláusulas contratuais gerais, abrangendo estipulações elaboradas para uma pluralidade de contratos. Esta tem por escopo instituir um sistema que proteja o parceiro contratual do utilizador, independentemente de sua qualidade.

Impunha-se assim, que a ordem jurídica interna se ajustasse a esta diversa compreensão do problema das cláusulas abusivas. Os Estados-membros estavam obrigados a transpor a diretiva comunitária para o ordenamento interno até 31 de dezembro de 1994. Entretanto, Portugal não cumpriu a data-limite, já que o primeiro ato de transposição a fim de introduzir as regras e princípios constantes da diretiva ocorreu apenas em 1995 com a publicação do Decreto-Lei nº 220/95, que introduziu alterações ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais constantes do Decreto-Lei nº 446/85.

Ressalte-se, porém que, segundo Almeno de Sá, o Decreto-Lei nº 220/75 também buscou introduzir aperfeiçoamentos na lei de cláusulas contratuais gerais que não tinham relação direta com a diretiva mas atendiam às peculiaridades do desenvolvimento da jurisprudência portuguesa:

“(…) nem todas as alterações então introduzidas têm a sua raiz na necessidade de obediência aos imperativos decorrentes do instrumento comunitário em causa. A verdade é que o legislador aproveitou o ensejo para proceder a determinados acertos, que lhe pareceram adequados face ao já considerável tempo de vigência da lei”[34].

Como inovação de destaque, cite-se a criação de um serviço de registro com a função de organizar e manter atualizado o averbamento das decisões judiciais que tenham proibido o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais, bem como das que tenham declarado a nulidade de cláusulas inseridas em contratos singulares. Para tal, os tribunais têm a obrigação de remeter ao Gabinete Europeu do Ministério da Justiça a cópia das decisões transitadas em julgado[35].

Por outro lado, revogou-se a alínea “c” do nº 1 do art. 3º, a qual excluía do controle judicial “as cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada”.Tal preceito vinha sendo interpretado pelos Tribunais de forma excessivamente ampla, excluindo do controle condições gerais de setores muito importantes, como por exemplo, o dos seguros, pelo simples fato de existir um ato prévio de apreciação e aprovação de um órgão público.

Na perspectiva do legislador atual, esta exceção não pode mais se sustentar, visto que a Administração Pública enquanto fornecedora de prestações e produtora de bens, equipara-se aos profissionais da esfera privada, verificando-se também uma progressiva desregulamentação de mercados onde intervêm as empresas abrangidas pelo condicionamento previsto no dispositivo revogado.

Nessa esteira, revogou-se também o nº 2 do mesmo dispositivo (art. 3º), que previa a possibilidade de suavização dos efeitos negativos daquela isenção. Reconhecia-se aos organismos de defesa do consumidor, associações sindicais ou profissionais, atuando no âmbito das atribuições respectivas, legitimidade para solicitar aos órgãos competentes as alterações necessárias quando funcionassem nos mercados cláusulas gerais tidas como proibidas pelo referido diploma legal.

Houve também modificações relevantes no que se refere ao direito de conflitos, o que não se deve apenas à incorporação da diretiva comunitária, mas também em virtude da inserção na ordem jurídica portuguesa, a partir de 01 de setembro de 1994, da Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de junho de 1980[36].

A redação originária da lei vedava as cláusulas que remetessem para o direito estrangeiro quando os inconvenientes causados a uma das partes não fossem compensados por interesses sérios e objetivos da contraparte[37]. Tal proibição abrangia também os contratos concluídos entre empresários e profissionais liberais e não apenas aqueles em que um dos contratantes fosse um consumidor.

Revogou-se o dispositivo em questão por entender-se que a restrição da autonomia privada, consubstanciada na impossibilidade de escolha da lei aplicável não estava em sintonia com a Convenção de Roma, que já o havia revogado tacitamente.

A lei das cláusulas contratuais gerais continha um outro preceito que foi revogado por se tornar desnecessário à luz das regras de conflitos introduzidas em Portugal pela Convenção de Roma. Este previa a aplicação da lei portuguesa aos contratos celebrados a partir de propostas ou solicitações feitas ao público de Portugal, quando o aderente residisse habitualmente no país e nele tenha emitido sua declaração de vontade[38].

O art. 23 do Decreto-lei nº 220/95 substitui o preceito revogado, estabelecendo, em sua substituição, que “independentemente da lei que as partes hajam escolhido para reger o contrato, as normas desta seção aplicam-se sempre que o mesmo apresente ligação estreita ao território dos Estados- membros da União Europeia”. Cabe ressaltar que este dispositivo é diretamente inspirado no artigo 6º, nº 2 do diploma comunitário[39].

Em busca de harmonização entre o ordenamento jurídico interno e o diploma comunitário, o Decreto-Lei nº 220/95 acrescenta no artigo introdutório do Decreto 446/85, destinado a descrever a figura das cláusulas contratuais gerais, a referência à falta de prévia negociação individual[40]. Entretanto, esta alteração foi desnecessária e até mesmo redundante, não produzindo mudanças no sistema jurídico português, já que a ideia de ausência de negociação individual faz parte da própria noção de cláusula gerais da contratação instituída pelo legislador interno.

Assim, a redação do artigo 1º não nos parece suficientemente ampla, de modo a submeter o conteúdo das cláusulas individuais a controle. Todavia, este artigo veio a definir o alcance do requisito “falta de negociação”, tanto do ponto de vista material, como no sentido processual.

Primeiramente, deve-se ressaltar que o fator decisivo a fim de verificar se realmente houve negociação entre as partes é a possibilidade de influência no conteúdo da cláusula, o que pode ocorrer sem que haja necessariamente uma alteração do conteúdo inicialmente proposto. Por outro lado, afasta-se também a concepção que equipara o simples conhecimento do conteúdo e sua posterior aceitação à negociação.

Além disso, saliente-se que não basta a simples possibilidade de negociação dada pela disponibilidade do utilizador para abrir um processo de negociação. Torna-se necessário que tenha efetivamente ocorrido contatos entre as partes e discussões sobre o conteúdo da cláusula específica. Essa possibilidade de a contraparte do utilizador influenciar os termos do contrato e impor as alterações desejadas deve ser aferida a partir do quadro concreto da situação negocial.

Outro aspecto importante é que apenas a negociação individual, isto é, a negociação entre as partes do próprio contrato em que as cláusulas estão inseridas, afasta a incidência do controle previsto no presente diploma. Daí pode-se inferir que uma cláusula contratual geral estabelecida em negociação coletiva (entre as associações representativas dos interesses de cada um dos sujeitos da relação) não está necessariamente excluída desta tutela[41].

Sendo assim, da redação resulta apenas um aclaramento da legislação anterior, não trazendo alteração substancial, já que o ponto conflitante entre a diretiva e a legislação nacional não estava na exigência de negociação individual, pois ambas a continham.

Acolhe-se também na lei de transposição uma regra referente ao ônus da prova, fazendo-o recair sobre o profissional caso este alegue que certa cláusula padronizada foi objeto de negociação individual, o que está em plena consonância com os preceitos constantes da diretiva.

O estabelecido neste dispositivo corresponde ao regime geral da repartição do ônus da prova, previsto no artigo 342º do Código Civil, de forma que a ocorrência de negociação faz com que a cláusula deixe de ser regida pelo Decreto- Lei nº 446/85, sendo um fato impeditivo de que o interessado se beneficie da tutela por este conferida. Nesses termos, cabe ao utilizador da cláusula, contra quem o dispositivo é invocado, fornecer esta prova para, desse modo, furtar-se à sua aplicação.

De qualquer modo, as divergências entre a legislação interna e a diretiva devem ser superadas. Uma das soluções apontadas para superar as dificuldades apresentadas seria buscar uma interpretação do direito interno em conformidade com a diretiva. Para tal, deve-se recorrer às normas e princípios que regulam os negócios jurídicos no ordenamento jurídico português.

O Código Civil consagra normas que acolhem o princípio da boa-fé, como por exemplo, o artigo 227º, que consagra a culpa in contrahendo, o artigo 239º, relativo à integração dos negócios jurídicos, o artigo 334º, sobre o abuso de direito, e o artigo 762º, referente ao cumprimento das obrigações e ao exercício do direito correspondente.

Interpretando-se as normas da boa-fé em conformidade com a diretiva, torna-se possível fiscalizar os contratos individuais celebrados entre profissionais e consumidores, operando-se uma transposição ex interpretatione da mesma.

Estas normas têm um conteúdo axiológico concordante com a cláusula geral de fiscalização do controle acolhida no artigo 3º, nº 1 da diretiva comum que prevê o seguinte: “uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, contrariando as exigências da boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo, em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.

A segunda forma de superação do problema perpassa pela publicação da nova lei de defesa do consumidor em 31 de julho de 1996 – a Lei 24/96 – que veio a substituir a lei anterior (Lei nº 29/81). O artigo 9º, nº 2 desta nova lei prevê o seguinte:

“Com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré- elaborados, o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados:

(…)

b) À não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor”.

Além disso, no número seguinte determina:

“A inobservância do disposto no número anterior fica sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais”.

Com efeito, fazendo a ligação entre as disposições supracitadas e o artigo 1º da lei das cláusulas contratuais gerais, a questão das cláusulas pré-formuladas em contratos individuais concluídos entre profissionais e consumidores parece, em princípio, superada, ao menos no que diz respeito às exigências imediatas da diretiva.

Embora a lei de cláusulas contratuais gerais continue a pressupor a pré-formulação para uma pluralidade de contratos, a nova lei de defesa do consumidor estabelece expressamente o regime de aplicação daquela lei sempre que, em contratos individuais não negociados, existam cláusulas que originem um significativo desequilíbrio dos direitos e obrigações das partes, em prejuízo do consumidor. Esta ideia de significativo desequilíbrio forma o núcleo central do conceito de cláusula abusiva, consagrado no artigo 3º da diretiva comunitária[42].

Entre a lei de transposição de 1995 e lei de defesa do consumidor de 1996, houve alterações na composição do Parlamento e iniciou funções outro Executivo, o que eventualmente pode explicar o diverso posicionamento do legislador em tão curto espaço de tempo. A dissonância também pode se explicar pelo fato de a primeira ser um decreto-lei, de iniciativa do Governo, ao passo que a segunda tem origem no próprio Parlamento.

A preocupação em harmonizar o direito interno com a diretiva comunitária está também presente em outro dispositivo da lei de defesa do consumidor. Tendo por escopo a prevenção dos abusos resultantes de contratos estandardizados, o artigo 9º, nº 2, alínea “a” determina que “o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados à redação clara e precisa, em caracteres facilmente legíveis, das cláusulas contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares”[43].

Concluindo, em breve síntese, podemos dizer que vigora hoje em Portugal uma Lei de Cláusulas Contratuais Gerais cujo âmbito de aplicação vai além do seu próprio nomen iuris, num contexto de mudança implicado por exigências comunitárias, e consoante as modificações sempre aceleradas de um mundo globalizado.


Notas e Referências:

[1] RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Cláusulas contratuais gerais e o paradigma do contrato. Coimbra: Coimbra, 1990, p. 130/131.

[2] TELES, Inocêncio Galvão. Manual dos contratos em geral. 3. ed. Lisboa: Coimbra Editora, 1965, p. 410.

[3] Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, artigo 4º: “As cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares incluem-se nos mesmos, para todos os efeitos, pela aceitação, com observância do disposto neste capítulo”.

[4] Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, artigo 5º, nº 1: “As cláusulas contratuais gerais deverão ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las.

2- A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use comum diligência”.

[5] V. Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, art. 6º, nº 1.

[6] Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, art. 7º.

[7] Isto significa a aplicação dos critérios gerais consagrados no artigo 239º do Código Civil, além de outras regras contidas em normas específicas que tenham a ver com o problema da integração da declaração negocial.

[8] Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, art. 11.

[9] V. Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, artigo 16º.

[10] Diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993, art 1º: “A presente diretiva tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores”.

[11] Diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993, art 8º: “Os Estados-membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado ao consumidor”.

[12] Assim prevê o art. 3º, nº 2 da diretiva comunitária: “Considera-se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor, não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

O fato de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objeto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão.

Se o profissional sustentar que uma cláusula normalizada foi objeto de negociação individual, caber-lhe-á o ônus da prova”.

[13] Vide Diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993, art. 3º, nº 1.

[14] Diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993, art 3º, nº 3.

[15] Cf. alínea. J do nº 1 do anexo da diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993.

[16] Cf. alínea b do nº 2 do anexo da diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993.

[17] Idem.

[18] ver alíneas c e d do nº 2 do anexo da Diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993.

[19] ALMENO DE SÁ. Cláusulas contratuais gerais e Diretiva sobre cláusulas abusivas, 2. ed., Coimbra: Almedina, 2001, pp. 22-23.

[20] Diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993, art. 6º: “Os Estados-membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas”.

[21] Diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993, art. 7º, 1. “Os Estados-membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

  1. Os meios a que se refere o nº 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não caráter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.
  2. Respeitando a legislação nacional, os recursos previstos no nº 2 podem ser interpostos, individualmente ou em conjunto, contra vários profissionais do mesmo setor econômico ou respectivas associações que utilizem ou recomendem a utilização das mesmas cláusulas gerais ou de cláusulas semelhantes”.

[22] Artigo 25º da redação atual do Decreto-Lei 446/85: “As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efetiva em contratos singulares”.

[23] V. art. 32, nº 1 da Lei de Cláusulas Contratuais Gerais.

[24] V. artigos 10º, n 1º e 13º, alínea “a” da Lei de Defesa do Consumidor – Lei 24/96.

[25] Vide artigo 33º. A sanção pecuniária compulsória está prevista, em termos gerais, no artigo 859º-A do Código Civil.

[26] CORDEIRO, Antonio Menezes. Tratado de direito civil português. Parte Geral. Tomo I. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 449

[27] Nesse sentido, o item 6 do preâmbulo da lei em questão: “Sabe-se, contudo, que o problema das cláusulas contratuais gerais oferece aspectos peculiares. De tal maneira que sem normas expressas dificilmente se consegue uma sua fiscalização eficaz. Logo, a criação de instrumentos apropriados à matéria reconduz-se à observância dos imperativos constitucionais de combate aos abusos de poder econômico e de defesa do consumidor. Acresce a recomendação que, vai para nove anos, o Conselho da Europa fez nesse sentido, aos Estados- membros.”

[28] O art. 15º do Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985 prevê que: “Nas relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou coletivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito de sua atividade específica, aplicam-se as proibições constantes desta seção.” Já os artigos 18º e 19º tratam, respectivamente, das cláusulas absolutamente proibidas e das relativamente proibidas.

[29] Decreto- Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, “Artigo 15º (Princípio geral) São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé.

Artigo 16º. (Concretização) Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:

a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis,

b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.

[30] Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, “Artigo 17º (Âmbito das proibições) Nas relações entre empresários ou as que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica, aplicam–se as proibições constantes desta secção e da anterior”.

[31] Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, “Art 20º: Nas relações com os consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas pelo artigo 15º, aplicam-se as proibições constantes da seção anterior e as constantes desta seção”.

[32] “Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, SECÇÃO III (Relações com os consumidores finais) “Artigo 21º (Cláusulas absolutamente proibidas) São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:

a) limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante;

b) confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos;

c) permitam a não correspondência entre as prestações a efectuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação;

d) excluam os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação, ou estabeleçam, nesse âmbito, reparações ou indemnizações pecuniárias predeterminadas;

e) atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspectos jurídicos, quer em questões materiais;

f) alterem as regras respeitantes à distribuição do risco;

g) modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos;

h) excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei”.

[33] Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, SECÇÃO III (Relações com os consumidores finais) “Artigo 22º (Cláusulas relativamente proibidas) 1 – São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:

a) prevejam prazos excessivos para a vigência do contrato ou para a sua denúncia;

b) permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou em convenção;

c) atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato, excepto se existir razão atendível que as partes tenham convencionado;

d) estipulem a fixação do preço de bens na data da entrega, sem que se dê à contraparte o direito de resolver o contrato, se o preço final for excessivamente elevado era relação ao valor subjacente às negociações;

e) permitam elevações de preços, em contratos de prestações sucessivas, dentro de prazos manifestamente curtos, ou, para além desse limite, elevações exageradas, sem prejuízo do que dispõe o artigo 437º do Código Civil;

f) impeçam a denúncia imediata do contrato quando as elevações dos preços a justifiquem;

g) afastem, injustificadamente, as regras relativas ao cumprimento defeituoso ou aos prazos para o exercício de direitos emergentes dos vícios da prestação;

h) imponham a renovação automática de contratos através do silêncio da contraparte, sempre que a data limite fixada para a manifestação de vontade contrária a essa renovação se encontre excessivamente distante do termo do contrato;

i) confiram a uma das partes o direito de pôr termo a um contrato de duração indeterminada, sem pré-aviso razoável, excepto nos casos em que estejam presentes razões sérias capazes de justificar semelhante atitude;

j) impeçam, injustificadamente, reparações ou fornecimentos por terceiros;

l) imponham antecipações de cumprimento exageradas;

m) estabeleçam garantias demasiado elevadas ou excessivamente onerosas em face do, valor a assegurar;

n) fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes;

o) exijam, para a prática de actos na vigência do contrato, formalidades que a lei não prevê ou vinculem as partes a comportamentos supérfluos, para o exercício dos seus direitos

2 – O disposto na alínea c) do número anterior não determina a proibição de cláusulas contratuais gerais que:

a) concedam ao fornecedor de serviços financeiras o direito de alterar a taxa de juro ou o montante de quaisquer outros encargos aplicáveis, desde que correspondam a variações do mercado e sejam comunicadas de imediato, por escrito, à contraparte, podendo esta resolver o contrato com fundamento na mencionada alteração;

b) atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente o conteúdo de um contrato de duração indeterminada, contanto que se preveja o dever de informar a contraparte com pré-aviso razoável e se lhe dê a faculdade de resolver o contrato.

3 – As proibições constantes das alíneas c) e d) do nº 1 não se aplicam:

a) às transacções referentes a valores mobiliários ou a produtos e serviços cujo preço dependa da flutuação de taxas formadas no mercado financeiro;

b) aos contratos de compra e venda de divisas, de cheques de viagem ou de vales postais internacionais expressos em divisas.

4 – As alíneas c) e d) do nº 1 não implicam a proibição das cláusulas de indexação, quando o seu emprego se mostre compatível com o tipo contratual onde se encontram inseridas e o mecanismo de variação do preço esteja explicitamente descrito”.

[34] ALMENO DE SÁ. Cláusulas contratuais gerais e diretiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed., Coimbra: Almedina, 2001, pp. 31-32.

[35] Em 06 de setembro do mesmo ano, a portaria nº 1093/95, do Ministério da Justiça, designou no âmbito do mesmo Ministério o Gabinete de Direito Europeu como o serviço incumbido de organizar e manter atualizado o registro de cláusulas contratuais abusivas.

[36] Portugal aderiu à Convenção de Roma pela Convenção do Funchal, assinada em 18 de maio de 1992. Esta foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 3/94, de 04 de novembro de 1993, seguindo-se de retificação pelo Decreto do Presidente da República nº 1/94, de 03 de fevereiro. O depósito do instrumento de ratificação da Convenção do Funchal ocorreu em 30 de junho de 1994.

[37] Previsão da alínea h do artigo 19º (cláusulas relativamente proibidas).

[38] Tratava-se da alínea b do art. 33º da versão originária da lei.

[39] Dispõe o referido artigo: “Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para que o consumidor não seja privado da proteção concedida pela presente diretiva pelo fato de ter sido escolhido o direito de um país terceiro como direito aplicável ao contrato, desde que o contrato apresente uma relação estreita com o território dos Estados-membros”.

[40] Artigo 1º: “As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados, se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”.

[41] Excetuam-se apenas “as cláusulas de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”, a que o diploma, nos termos do artigo 3º, al. e, não se aplica. Dos modos de regulamentação coletiva previstos ¾  convenção coletiva, decisão arbitral e acordo de adesão ¾  fogem, em rigor, à qualificação de atos de autonomia coletiva as decisões que resultem de um processo de arbitragem obrigatória (v. artigos 2º e 35º do Decreto- Lei nº 519-C 1/79, de 29 de dezembro).

[42] Diretiva 93/13/CEE, de 05 de abril de 1993, artigo 3º, 1: “Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa- fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.

[43] Em consonância com o artigo 5º, 1ª parte da diretiva.

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