As companhias abertas, o fechamento de capital e consequências quanto ao “fechamento branco”

20/08/2020

No texto anteriormente postado nessa coluna, houve abordagem sobre a disciplina das Sociedades Anônimas pela Lei 6.404/76 (LSA), bem como sobre a regulação do mercado de balcão para as companhias abertas, sob a regência da CVM, Entidade Autárquica, vinculada ao Ministério da Economia.

Também abordamos sobre as ações e suas espécies, dentre elas: ações ordinárias (ON); ações preferenciais (PN); ação preferencial de classe especial; ação preferencial com vantagens políticas e a ação de fruição. Ao lado disso, destacamos a importância do funcionamento do mercado e das questões comportamentais que envolvem o investidor, dentro de suas características, conservador, moderado ou arrojado[i].

O presente texto tem por objetivo, não apenas reforçar a relevância da compreensão do instituto jurídico “ações” como porção do capital social das companhias abertas e fechadas, mas também contextualizar que essa porção de capital, e o tipo de ação escolhida pelo investidor, trazem repercussões de ordem prática, especialmente em temas reflexos pautados pelo Poder Judiciário.

É o caso do fechamento de capital normatizado pelo artigo 4º, § 4º e § 5º, e artigo 4º-A da LSA. Confira-se:

Artigo 4º. § 4º — “O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4o-A.”

Artigo 4º. § 5o  — “Terminado o prazo da oferta pública fixado na regulamentação expedida pela Comissão de Valores Mobiliários, se remanescerem em circulação menos de 5% (cinco por cento) do total das ações emitidas pela companhia, a assembléia-geral poderá deliberar o resgate dessas ações pelo valor da oferta de que trata o § 4o, desde que deposite em estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, à disposição dos seus titulares, o valor de resgate, não se aplicando, nesse caso, o disposto no § 6o do art. 44”.  

Art. 4o-A — “Na companhia aberta, os titulares de, no mínimo, 10% (dez por cento) das ações em circulação no mercado poderão requerer aos administradores da companhia que convoquem assembléia especial dos acionistas titulares de ações em circulação no mercado, para deliberar sobre a realização de nova avaliação pelo mesmo ou por outro critério, para efeito de determinação do valor de avaliação da companhia, referido no § 4o do art. 4o”. 

Eizirik, ao comentar sobre a norma legal em referência, diz que o fechamento de capital se dá com o cancelamento do registro da companhia aberta, ou seja, quando ela se torna fechada. Tal iniciativa é iminentemente privada, pois depende da decisão dos acionistas e da submissão do assunto nos termos da lei e do estatuto (nesse particular não há interferência estatal ou intervenção). A disciplina legal dessa questão decorreu de alteração legislativa havida na LSA pela Lei 10.303/2001, e tem sua justificativa nos elevados custos de transação de uma companhia aberta, em comparação com a companhia fechada. A alteração teve por objetivo proteger os acionistas minoritários, que não participam do grupo de controle, assegurando a eles a possibilidade de alienar suas ações por ocasião do fechamento do capital ou impedir o cancelamento do registro de companhia aberta, caso a representação seja substancial[ii].

Como diz Mamede, “a abertura e capital é reversível, por meio do cancelamento do registro para negociação de ações no mercado. Aliás, abrir ou fechar o capital é uma decisão estratégica da coletividade”. O referido autor acrescenta que normalmente se vai ao mercado para atrair investidores e alavancar os negócios da companhia, abrindo capital, mas nada impede a reversão, cumpridas as disposições legais e o estatuto da companhia, cuja motivação pode estar na desregulação diante das amarras da CVM e dos custos de transação de mantença envolvidos[iii].

Em que pese parecer simples, fechar o capital envolve atos societários de vulto (atos densos), não apenas em razão do capital necessário para recompra das ações pulverizadas, mas, sobretudo, pela conta de chegada, que decorre do processo de avaliação da companhia (valuation). O conteúdo da norma traz a expressão “preço justo” e elenca algumas modalidades para se chegar no valor de avaliação da empresa, a saber: patrimônio líquido contábil, patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, fluxo de caixa descontado, comparação por múltiplos, cotação das ações no mercado de valores mobiliários ou outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ressalvando-se que a oferta poderá ser revista a pedido dos titulares que detenham pelo menos 10% das ações em circulação no mercado.

Com a inserção de alguns métodos (metodologias), sem desprezar a existência de outros, especialmente quando se trata de startups (já alavancadas e com abertura de capital) o legislador procurou evitar o abuso de direito.

Assim, o cancelamento do registro, sem nenhuma dúvida, estará condicionado a um laudo de avaliação confiável (auditoria prévia), que não leve em conta apenas as informações unilaterais apresentadas pela companhia ou pela administração, mas considere todo o cenário que envolve aquela atividade econômica, lembrando que a relevância do laudo é inquestionável, pois servirá, também, para evitar eventuais conflitos[iv].   

Para não deixar o texto sem nenhuma referência de ordem prática, cabe fazer alusão ao seguinte julgado:  

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. SOCIEDADE ANÔNIMA.

INCORPORAÇÃO DE AÇÕES. TRANSFORMAÇÃO DA CONTROLADA EM SUBSIDIÁRIA INTEGRAL. OFERTA PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EQUIPARAÇÃO A FECHAMENTO DE CAPITAL. APLICAÇÃO DO ART. 4º, § 4º, DA LEI DAS S/A POR ANALOGIA. DESCABIMENTO.

1. Controvérsia acerca da necessidade de a companhia controladora realizar oferta pública de aquisição de ações em favor dos acionistas preferenciais da companhia que teve suas ações incorporadas. 2. Existência de norma que exige a realização de oferta pública para aquisição de ações no caso de fechamento de capital (art. 4º, § 4º, da Lei 6.404/1976). 3. Distinção entre a hipótese de fechamento de capital e a de incorporação de ações entre companhias de capital aberto. 4. Inocorrência de fechamento em branco (ou indireto) de capital no caso dos autos, pois as companhias envolvidas na operação são de capital aberto, não tendo havido perda de liquidez das ações.

5. Inaplicabilidade, mesmo por analogia, da norma constante do art.

4º, § 4º, da Lei 6.404/1976 ao caso dos autos. 6. Doutrina e jurisprudência do STJ.

  1. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(REsp 1642327/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 26/09/2017).

Percebe-se no caso prático que a discussão foi levada por preferencialistas (titulares de ações preferenciais), objetivando aplicar por analogia a regra do artigo 4º, § 4º da LSA, todavia o STJ não considerou que o movimento societário em questão tivesse enquadramento na respectiva norma, até porque se trata de transformação da sociedade controlada em subsidiária integral, mas ambas as sociedades são de capital aberto, tendo ocorrido incorporação de ações entre elas, e não o fechamento de capital.

Ademais, para lembrar, e para o efeito dessa reflexão, entende-se por subsidiária integral, a empresa na qual todas as suas ações pertencem a outra, que a controla (LSA, art. 251 e 252). O controle é exercido pelo titular de direitos de sócio (pessoa física ou jurídica) que lhe assegure, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral somados ao poder de eleger a maioria dos administradores da companhia, porém tal poder deve ser, de fato, utilizado para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia (LSA, art. 116).

Nesse contexto, o entendimento do STJ coaduna com a legislação societária, não sendo o caso de aplicação, nessa particularidade, da norma legal invocada para o efeito de equiparar movimentos societários destoante em suas características e essencialidade.

 Como diz Mackaay, a companhia aberta visa obter recursos da poupança popular, tendo uma estrutura funcional bem definida entre funções decisórias e assunção de risco residual, pelos não participantes do controle, o que facilita o financiamento de projetos e a exploração de segmentos importantes do mercado pelas empresas de grande porte[v].

A conduta de fechamento de capital decorre de um comportamento lícito, de uma escolha privada como dito anteriormente, condicionada a oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado (OPA), porém há uma deformidade a ser considerada, conhecida no mercado como “fechamento branco de capital” que decorre de um comportamento desconforme.

O fechamento branco do capital é “caracterizado sempre que o controlador adquirir, direta ou indiretamente, número substancial de ações em circulação, retirando, desse modo, a liquidez das ações remanescentes”[vi]. A própria CVM estabelece percentuais que potencializam esse risco (Instrução CVM n. 361, arts. 26 a 28), definindo que a aquisição de ações que representem mais de um terço das ações de cada espécie e classe em circulação, caracterizam iliquidez, e portanto, submete/obriga o controlador a realizar oferta pública para aquisição das ações que remanesçam no mercado nas mãos dos minoritários, aplicando-se, nesse caso, as mesmas garantias estabelecidas para o fechamento regular de capital, inclusive quanto ao preço justo[vii].

Sem embargo, como observado pelo contexto, por inúmeras razões, os acionistas podem deliberar pelo fechamento do capital ou cancelamento do registro para negociação de ações no mercado, como decisão estratégica para minimizar os custos de transação que envolvem uma companhia aberta, especialmente quando a atividade econômica e as características estruturais e fundacionais da companhia comportem tal escolha dentro de critérios racionais. Ressalva-se, contudo, que a estratégia deve estar acompanhada de indicadores adequados e ancorada em um laudo de avaliação confiável para que não fique caracterizado o abuso de direito, o fechamento branco de capital ou a sonegação de direitos essenciais da qualidade de sócio/acionista minoritário.

 

Notas e Referências

[i] ZOLANDEK, João Carlos Adalberto. Disponível em < https://emporiododireito.com.br/leitura/acoes-nas-companhias-abertas-e-a-questao-comportamental>. Acesso em 18/08/2020.

[ii] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume I. 2 ed. São Paulo, Quartier Latin, p. 89-90.

[iii] MAMEDE, GLADSON. Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário — Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas. 2019, p. 292.

[iv] MAMEDE, GLADSON. Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário — Sociedades Simples e Empresárias. 11ª ed. São Paulo: Atlas. 2019, p. 286-287.

[v] MACKAAY, Ejan e ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 538.

[vi] CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 55.

[vii] CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 56.

 

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