Introdução.
Vivendo em um mundo cada vez mais construído, repleto de edificações e dotado de muito concreto; as cidades estão se transformando em ambientes artificiais, ao passo que as áreas verdes e os jardins são cada vez mais raros. As cidades, que outrora eram encobertas por elementos da natureza, agora estão acaçapadas pelas obras do homem.
Longe da platitude do senso comum, não se trata de condenar ou desconsiderar as obras do homem nas cidades, em especial os trabalhos realizados por arquitetos e urbanistas. Contudo, a discussão sobre as áreas verdes urbanas perpassa pela compreensão sistêmica dos elementos que envolvem o surgimento e a função das cidades. Uma cidade não é e não pode ser concebida apenas pelos atributos físicos de suas instalações, edificações e arruamentos, já que uma cidade deve agregar condições ideais para que o Ser Humano viva com qualidade e dignidade. LLARDENT, citado por LOBODA e DE ANGELIS[1], retrata que “a cidade é um conjunto de elementos, sistemas e funções entrelaçadas”. Especificando, a cidade é um espaço que congrega, concomitantemente, valores econômicos, políticos, culturais, sociais e ambientais.
Entretanto, nesse contexto de elementos, sistemas e funções entrelaçadas, as cidades estão envolvidas pelo fenômeno da urbanização. A urbanização, em tese pressupõe um planejamento que considere todos os atributos e valores necessários à vida nas cidades. Dessa forma, as cidades deveriam guardar atenção aos aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Porém, os fatores de ordem econômica, como geração de mais valia, estão ofuscando ou subjugando os préstimos de ordem cultural, social e ambiental das cidades
Dentre as mazelas da urbanização, sem planejamento, cite-se em particular o problema das áreas verdes dos espaços públicos. MORO, citado por LOBODA e DE ANGELIS[2], explica “que a constante urbanização nos permite assistir, em nossos grandes centros urbanos, a problemas cruciais do desenvolvimento nada harmonioso entre a cidade e a natureza. Assim, podemos observar a substituição de valores naturais por ruídos, concreto, máquinas, edificações, poluição etc..., e que ocasiona entre a obra do homem e a natureza crises ambientais cujos reflexos negativos contribuem para degeneração do meio ambiente urbano, proporcionando condições nada ideais para a sobrevivência humana”.
Discute-se, no presente artigo, a importância das áreas verdes urbanas e dos espaços públicos para a qualidade de vida nas cidades, considerando que a maior parte dos Seres Humanos se encontram localizados nas cidades e que as cidades estão atreladas aos elementos de ordem estrutural (serviços públicos); de ordem econômica (geração de emprego e renda) e de ordem ambiental.
As Áreas Verdes Urbanas.
Contemporaneamente, a conexão envolvendo os problemas de ordem social, econômica e cultural sob o enfoque do meio ambiente é tema recorrente. Nas cidades, nunca se discutiu tanto a importância das áreas verdes ou da vegetação de ambiente urbano.
A vegetação de ambiente urbano ou as áreas verdes, compreende a cobertura florestal existente nas cidades, o que inclui os ambientes públicos, privados, individuais e coletivos. PEREIRA LIMA, citado por LOBODA e DE ANGELIS[3], conceitua que as áreas verdes urbanas são caracterizadas pela predominância de vegetação arbórea, englobando as praças, os jardins, os parques urbanos, os canteiros urbanos, os trevos e rotatórias e, acrescentaríamos, divergindo, as arvores que acompanham o leito das vias públicas, pois, conforme explica SANTOS[4], realmente se analisarmos apenas pelas suas finalidades principais, são distintas, mas se analisarmos do ponto de vista ambiental, podemos concluir que as arvores existentes ao longo das vias públicas não podem ser excluídas do complexo de áreas verdes da cidade, pois apesar de estarem dispostas de forma linear ou paralela, constituem-se muitas vezes em um ‘massa verde continua’, propiciando praticamente os mesmos efeitos das áreas consideradas como verdes das praças e parques.
As áreas verdes urbanas, além de serem elementares sob o aspecto paisagístico, são importantes pelo cumprimento das seguintes funções: 1) melhorar a qualidade de vida dos habitantes, pois, a) garante proteção contra os ventos; b) melhorar o sombreamento com a respectiva proteção contra os raios solares; c) colabora na diminuição da poluição sonora; d) absorve a poluição atmosférica; e) colabora para melhorar o microclima, diminuindo as ilhas de calor; 2) ajuda a recarga hídrica e 3) favorece a fauna, com a reprodução de alguns insetos e pássaros que podem ajudar no controle de vetores urbanos e com a flora, pela subsistência de indivíduos arbóreos importantes sob o ponto de vista ecológico[5].
Segundo GUZZO, citado por LOBODA e DE ANGELIS, as áreas verdes urbanas possuem três funções básicas: a) a função ecológica, b) a função estética e c) a função social. Explicam que as contribuições ecológicas decorrem dos elementos naturais que compõem os espaços verdes e minimizam os impactos da industrialização. A função estética reflete a integração entre espaços de cobertura natural e os espaços construídos/artificias. Já a função social compreende a oferta de espaços para pratica de lazer e para a convivência humana[6].
A constituição e a implantação das áreas verdes urbanas requerem atenção à legislação e aos padrões técnicos dos projetos arquitetônicos e urbanísticos. Primeiro é fundamental que se compreenda que as áreas verdes urbanas estão protegidas pelo manto da Constituição Federal de 1988, pois, segundo o art. 225[7], todos os cidadãos possuem o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A tutela das áreas verdes urbanas, presentes no meio ambiente artificial[8], decorre da combinação entre o art. 225 e os artigos 182 e 21, inciso XX (Política Urbana)[9], ambos da CF/88. Resulta, que o cidadão possui direito a um ambiente urbano que seja sustentável, equilibrando os valores do meio ambiente natural com as necessidades do meio ambiente artificial.
Ainda, sob a feição legal, é possível destacar as seguintes normas: a) Lei n.º 6799/1978 – Lei do parcelamento do solo urbano, que impõe através dos artigos 22 e 23 a destinação de áreas verdes nos loteamentos e o registro de tais áreas em favor do domínio público, transformando-as em bem de uso comum do povo; b) Lei n.º 10.257/2001 - Estatuto da Cidade, que fixa a competência do poder público municipal para desenvolver a política urbana, que dentre outras atribuições, estabelece a criação, a preservação e a proteção das áreas verdes da cidade e, c) Plano Diretor Municipal, responsável por estabelecer e disciplinar o crescimento e o zoneamento das cidades.
Em relação aos projetos técnicos, é importante que a criação da vegetação de meio urbano seja realizada (tanto para praças públicas, quanto para arborização ao longo das vias públicas), com atenção aos seguintes elementos: a) porte e espécie das mudas; b) conflito entre os indivíduos arbóreos e os equipamentos urbanos, em especial, rede elétrica, rede de agua ou esgoto e postes de iluminação pública; c) consulta ao órgão ambiental do município.
No Brasil, entretanto, seja na criação quanto na reabilitação das áreas verdes, o meio ambiente natural é subjugado ao plano secundário diante das questões de ordem social e econômica. Assim, havendo algum tipo de conflito de ordem social ou econômica durante a construção, a intervenção ou a reabilitação das áreas verdes, a tendência, geralmente, é a mitigação do valor paisagístico, ambiental e cultural e a redução dos espaços públicos de uso comum do povo, em nome do desenvolvimento socioeconômico.
Aliais, PEREIRA LEITE, citado por LOBODA e DE ANGELIS[10], salienta o vilipêndio das áreas verdes urbanas constantes dos espaços públicos e coletivos, aduzindo que: a renúncia ao espaço público da cidade fica caracterizada por uma série de procedimentos diferentes: nas camadas mais altas de renda, pelo desenvolvimento privado de atividades culturais e de lazer; nas de baixo poder aquisitivo pela impossibilidade de participar de atividades públicas ou culturais, seja pelo temor de sair de casa após o anoitecer (...); a atuação do poder público agrava essa situação pelos procedimentos intimidatórios dos espaços públicos de uso coletivo, visando atender as alegações de caráter essencialmente discriminatória: falta de segurança gerada pela permanência, nas praças, parques e jardins de desocupados ou suspeitos, falta de condições intelectuais para a participação em atividades culturais. A cidade responde a essa rejeição recíproca entre as classes sociais e o poder público, exibindo uma paisagem fragmentada e desorganizada: espaços privados fortemente defendidos e espaços públicos abandonados e deteriorados.
As áreas verdes urbanas e os espaços públicos de convivência foram abandonados pelo Poder Público. Em regra, as praças e áreas verdes, são hostis aos cidadãos pelo sucateamento dos equipamentos, pela presença de mato e pela sensação de insegurança. O Ser Humano, sem alternativa de áreas verdes e públicas para praticar esportes ou para desenvolver o lado lúdico da vida, acaba ficando confinado entre o ambiente da casa e do trabalho ou passa a frequentar espaços coletivos privados, com destaque para o shopping, centros de consumo, frustação, sofrimento e endividamento.
Conclusão.
As cidades estão em constante movimento e transformação, por isso, é necessário ressignificar a importância das áreas verdes urbanas, alterando o paradigma de cidades construídas para atender o capital econômico (a indústria, o comercio, o banco) e abandonar o Ser Humano. As cidades devem ser espaços sustentáveis, com capacidade de propiciar o desenvolvimento da economia sem suprimir o direito ao ar puro, ao verde e ao lazer em espaços públicos. Nessa senda, é indispensável incluir o Ser Humano no centro das decisões sobre o futuro das cidades; fortalecer as legislações municipais, em especial o Plano Diretor e, também, garantir o planejamento arquitetônico, urbanístico e paisagístico como meio de desenvolvimento das cidades.
[1] LOBODA, Carlos Roberto. DE ANGELIS, Bruno Luiz Domingos. As áreas verdes públicas: conceitos, usos e funções. Rev. Ambiencia. v.1, n. 1. Paraná, 2005. Disponível em http://200.201.10.18/index.php/ambiencia/article/view/157/185. Acesso em 17 de jan. 2018.
[2] Idem
[3] idem
[4] SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro dos. Arborização urbana: importância e aspectos jurídicos. Disponível em http://www.aultimaarcadenoe.com.br/arborizacao-urbana/. Acesso em 17 de jan. 2018.
[5] FARIA, Caroline. Disponível em https://www.infoescola.com/meio-ambiente/arborizacao-urbana/. Acesso em 17 de jan. 2018.
[6] Op. cit.
[7] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
[8] Segundo a classificação doutrinária, o meio ambiente pode ser dividido didaticamente em quatro áreas, sendo a primeira meio ambiente natural, a segunda meio ambiente artificial, terceira meio ambiente cultura e quarta meio ambiente do trabalho.
[9] Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
Art.21 (...)
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
[10] Op. cit.
Imagem Ilustrativa do Post: In this desolate place ... // Foto de: Francois Bester // Sem alterações
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