AS APELAÇÕES MONOFÁSICA E BIFÁSICA

13/09/2019

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

O legislador podia ter facilitado a vida dos alunos e dos operadores do Direito, conferindo o mesmo tratamento a situações semelhantes. Mas nem sempre isso acontece. Costumamos brincar com os nossos alunos afirmando que o nosso estudo e a nossa atuação prática seria bem mais simples se o legislador tivesse boa vontade conosco.

É claro que a situação não é tão simples e que, por vezes, se justifica a opção feita na legislação. Mas, às vezes, não se entende por que são conferidos tratamentos distintos a situações basicamente iguais ou muito próximas.

Um bom exemplo disso é o fato de o legislador conferir prazos diferentes para a interposição de recursos iguais na legislação processual penal. Por exemplo, como explicar a diferença entre o art. 382, caput, do CPP, e o art. 83, § 1º, da Lei 9099/95? Segundo o art. 382 do CPP, qualquer das partes poderá, no prazo de 2 (dois) dias, pedir ao juiz que declare a sentença, sempre que nela houve obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão. Segundo o art. 83, § 1º, da Lei 9099/95, os embargos de declaração serão opostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão.

Ambos os dispositivos tratam da interposição do mesmo recurso de embargos de declaração cujo objetivo é um só: esclarecer o teor da sentença. Ocorre que, no sistema previsto no CPP, que trata de crimes graves, a parte deve decidir pela interposição ou não do recurso em rápidos dois dias. Mas, no sistema previsto na Lei 9099/95, que trata de infrações de menor potencial, a decisão da parte quanto à interposição do recurso deve ser feita em cinco dias. Menor prazo para casos que tratam de crimes mais graves. Maior prazo para casos que tratam de infrações de menor potencial ofensivo. Qual é a lógica disso?

Feito esse registro quanto à falta de lógica do legislador no que se refere à interposição dos embargos de declaração – e muitos outros exemplos podem ser observados –, a coluna de hoje trata de um ponto específico que leva a erro alguns estudantes e alguns operadores do Direito. Trata-se da forma de interposição do recurso de apelação, a qual tem previsão distinta no sistema do Código de Processo Penal e no sistema da Lei 9099/95. Portanto, todo o cuidado é pouco para evitar problemas.

O art. 593, caput, do CPP, dispõe que caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias, sendo certo que os incisos do mencionado dispositivo indicam os casos que permitem a interposição da apelação. Todavia, interpor apelação contra alguma sentença significa, basicamente, manifestar o desejo de ver aquela sentença examinada pela segunda instância. Nada mais.

O Ministério Público, o réu e seu defensor são intimados quanto ao teor da sentença e, uma vez inconformados com o seu teor, os mesmos podem recorrer, bastando, para tanto, assinar o termo de interposição, sem apresentar, no momento da interposição, os fundamentos com base nos quais pretendem a reforma da sentença.

O juízo de prelibação, ou seja, a análise da presença dos pressupostos recursais será feita exclusivamente à luz do termo de interposição. Uma vez recebido o recurso de apelação, o recorrente será novamente intimado para apresentar as suas razões recursais, no prazo de oito dias, conforme dispõe o art. 600, caput, do CPP.

Portanto, há o prazo inicial de cinco dias para a interposição do recurso, através da assinatura do termo de apelação ou através de uma simples petição (muitas vezes, com uma única lauda), oportunidade em que o recorrente apenas indica o desejo de apelar e aponta o dispositivo legal com base no qual pretende recorrer. Uma vez recebida a apelação, há o prazo de oito dias para a apresentação das razões recursais, ou seja, para a juntada aos autos da petição em que serão expostas as teses do recorrente.

Daí por que a apelação prevista no Código de Processo Penal é bifásica: a primeira fase para recorrer e a segunda fase para fundamentar o recurso.

Em verdade, nada impede que o recorrente apresente, no mesmo momento, a petição de interposição e as razões recursais. Não há vedação legal para tanto. Mas, nesse caso, a parte recorrente acaba tendo um prazo menor para fundamentar o seu recurso, já que a petição de interposição e as razões recursais devem ser apresentadas no prazo de cinco dias.

Convém registrar que, em regra, a petição de interposição e as razões recursais devem ser apresentadas para o juiz que proferiu a sentença recorrida, o qual encaminhará os autos à segunda instância. Mas o art. 600, § 4º, do CPP, prevê uma exceção, dispondo que se o apelante declarar, na petição ou no termo, ao interpor a apelação, que deseja arrazoar na superior instância, serão os autos remetidos ao tribunal ad quem, onde será aberta vista às partes.

Por outro lado, o art. 82, caput, da Lei 9099/95, prevê o recurso de apelação no sistema da Lei 9099/95, ou seja, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, cuja competência se limita às infrações de menor potencial ofensivo. O mencionado dispositivo afirma que da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma de três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do juizado. Além disso, o § 1º do referido dispositivo afirma que a apelação será interposta no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.

Eis, portanto, uma primeira diferença. O Código de Processo Penal prevê o prazo de cinco dias para a interposição da apelação, enquanto a Lei 9099/95 prevê o prazo de dez dias para a sua interposição. Prazo menor para infrações penais mais graves. Prazo maior para infrações penais menos graves.

Além disso, há também uma segunda diferença importante. No sistema dos Juizados Especiais Criminais, embora tenha o prazo de dez dias para decidir pela interposição da apelação, o recorrente deverá apresentar – no mesmo momento – a petição de interposição e as suas razões recursais.

Daí por que a apelação prevista na Lei 9099/95 é monofásica: no mesmo momento, devem ser apresentados o termo de interposição e as razões recursais.

Considerando que o termo de interposição é muito simples, o prazo de cinco dias previsto no CPP não causa maior prejuízo às partes, sobretudo porque as mesmas ainda terão oito dias para confeccionar as suas razões. Não se pode esquecer que esse prazo de oito dias, na prática, é muito maior porque há um necessário trâmite cartorário a ser observado, o que permite um certo conforto para o recorrente fundamentar o seu recurso.

Logo, na verdade, embora aparentemente o prazo de dez dias seja melhor para o recorrente, no sistema da Lei 9099/95, o recorrente acaba ficando com menor tempo para fundamentar o seu recurso, já que o termo de interposição e as razões recursais devem ser apresentados no mesmo momento para o juiz que proferiu a sentença.

Portanto, esta coluna ressalta a atenção que se deve ter na interposição do recurso de apelação. No sistema do CPP, o recurso é bifásico: cinco dias para apelar e, depois, oito dias para fundamentar o recurso. No sistema da Lei 9099/95, o recurso é monofásico: dez dias para apelar e fundamentar o recurso. Já que o legislador, às vezes, não colabora com os estudantes e com operadores do Direito, não custa ficar atento.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura