Arbitragem Trabalhista: Oportunidades e Desafios

26/07/2018

Inovação trazida pela Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017), a utilização da arbitragem para resolução de litígios individuais na seara trabalhista causa desconfiança e incerteza às empresas e empregados.

Antes de entrar no cerne dessa inovação, importante salientar que já havia previsão legal quanto à utilização da arbitragem nos dissídios coletivos, conforme previsão no art. 114, §1º e §3º, da Constituição Federal de 1988, art.3º da Lei n. 7.783/1989 (Lei de Greve) e no art. 4º da Lei nº 10.101/2000 (lei que regula a participação nos lucros e resultados). 

Por outro lado, Amauri Mascaro Nascimento — anos antes da entrada em vigor da reforma trabalhista — assegurava que o obstáculo a ser vencido residia em um requisito específico da Lei de Arbitragem, no sentido de que somente seria possível a utilização da arbitragem para dirimir conflitos referentes a direitos patrimoniais disponíveis:

Não há proibição nem autorização legal, uma vez que a lei só trata do tema quando se refere a conflitos coletivos. Porém, não nos parece inviável a arbitragem de conflitos individuais com base na lei geral de arbitragem vigente no País. A dúvida está em saber se os direitos trabalhistas são indisponíveis, caso em que se esbarraria na autorização da lei (Lei n. 9.307/96).[i]

Compreende-se o porquê de ser possível a realização de arbitragem nos dissídios coletivos, pois, no Direito Coletivo do Trabalho, o princípio vigente é o da autonomia privada coletiva, ou seja, presume-se o sinalagma entre as partes. Entretanto, no Direito Individual do Trabalho, o princípio basilar sempre foi o da proteção ao trabalhador, que, em conjunto com a ideia de irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, traz a reboque a crença de indisponibilidade desses direitos.[ii]

Importante salientar que a Justiça do Trabalho nasce antes mesmo da promulgação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada em 1943), já que instituída nas Constituições brasileiras de 1934 e 1937, embora não integrante do Poder Judiciário (e, sim, como um órgão do Executivo)[iii], trazendo evidente confusão entre a organização judiciária e a própria sistematização do direito do trabalho do Brasil. Assim, não se pode olvidar que o órgão é visto, historicamente, como instrumento de aplicação do direito do trabalho, que tem por princípio formador a proteção do empregado, por ser presumidamente hipossuficiente na relação contratual. Nesse sentido, a Subseção I de Dissídios Individuais do TST definiu pela inaplicabilidade da arbitragem em dissídios individuais.[iv]

A dimensão histórica abordada acima deixa desafio evidente e, embora com algumas dificuldades no caminho à efetivação dessa novidade trazida pela reforma, entendemos que o instituto é plenamente válido na seara trabalhista e, uma vez cumpridos os requisitos, deve ser utilizado. Há uma flagrante “janela de oportunidade”. 

O art. 507-A da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/17, prevê a arbitragem como forma de solução de dissídios individuais caso o empregado tenha uma remuneração superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social e desde que seja pactuada mediante cláusula compromissória de arbitragem, que poderá ser ofertada pelo empregado ou mediante a sua concordância expressa.

O parâmetro escolhido pelo legislador encontra amparo no fato de que apenas 2% dos empregados recebem remuneração superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.[v] Ademais, em pesquisa realizada pelo IBGE, com levantamentos estatísticos de mais de quarenta milhões de assalariados, verificou-se que 83,3% não possuem nível superior e recebem 2,4 salários mínimos em média, enquanto que assalariados com nível superior representam 16,5% e possuem remuneração média de 7,8 salários mínimos.[vi] Portanto o instituto foi criando com foco no topo da pirâmide, representado por aqueles empregados cuja remuneração e qualificações são compatíveis com a inovação. 

Cumpridos os requisitos intrínsecos enumerados pela nova CLT, registra-se que nem todos os direitos trabalhistas são indisponíveis, pois, do contrário, não haveria como aplicar a prescrição no direito do trabalho e não seria possível a conciliação judicial, tampouco o reconhecimento de confissão (ficta ou real) do empregado em audiência de instrução.[vii]

Não se pode confundir a irrenunciabilidade do direito trabalhista com  indisponibilidade. Tampouco convém falar que o empregado estaria renunciando ao direito de ação ou acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CRFB/1988) caso firme cláusula compromissória, frente ao entendimento do STF no sentido de que a arbitragem não afronta esse preceito fundamental.[viii]

Cumpridos os requisitos legais e observadas as premissas acima, reitera-se o posicionamento firme de que a arbitragem é plenamente aplicável aos dissídios individuais trabalhistas. 

Como dito logo no início deste texto, são evidentes os desafios e obstáculos de origem histórica a serem enfrentados pelo instituto da arbitragem trabalhista. Por outro lado, vislumbra-se um caminho promissor para este método alternativo de resolução de disputas, na medida em que os agentes econômicos clamam por um ambiente jurídico que privilegie investimentos e crescimento, longe das amarras do protecionismo estatal, que tanto mal vem fazendo para o desenvolvimento econômico do Brasil. 

Um cenário jurídico trabalhista que priorize a geração de riqueza a partir de investimentos privados, sem riscos desarrazoados para os empreendedores, é de fundamental importância para o país, criando empregos e desburocratizando a produção. 

A inclusão da arbitragem na reforma trabalhista mostra-se altamente representativa, pois possibilita que empresas e profissionais de alta qualificação possam definir eventuais conflitos, longe de um Poder Judiciário protetivo, mas pouco eficaz, e, além disso, representa um avanço sem precedente nas relações de trabalho, ao relativizar o conceito de que o empregado é incapaz de avaliar as obrigações e riscos que assume em sua vida profissional. A partir de agora, prevê-se uma mudança cultural representativa, devido ao novo incentivo legal, legítimo indutor de novos comportamentos. 

Nessa linha, e buscando tornar o instituto uma ferramenta viável, as câmaras arbitrais vêm-se movimentando para adaptar-se a esta possibilidade. A AMCHAM, que já possui uma Câmara Arbitral bastante prestigiada, se adiantou e, no mês de maio, lançou um regulamento específico, prevendo um prazo de sete meses para equacionar eventuais conflitos. Celeridade, garantia de confidencialidade e qualificação técnica dos árbitros podem ser citados como os principais pilares da câmara, o que certamente confere consistência e garante credibilidade para empresas e empregados elegíveis.[ix] 

No mesmo sentido, igualmente prestigiada e renomada, a CAMFIEP lançará, em breve, o seu novo regulamento, prevendo uma seção específica para a arbitragem trabalhista[x]

Em resumo, os atores impactados pela reforma trabalhista têm à mão alguns instrumentos importantes e imprescindíveis, dentre eles a arbitragem, para tornar a relação empresa-empregado mais saudável e frutífera para o funcionamento da ordem econômica. Não há dúvida de que a utilização correta desses instrumentos trará consequências positivas para todos os envolvidos, com resultados evidentes nas remunerações e número de posições de trabalho. Neste contexto, resta afirmar que é chegada a hora de se lançar mão desses avanços e se buscar sua validade, por maiores e mais difíceis que venham a ser os obstáculos. A sociedade, os empreendedores e os espíritos inovadores agradecem.

 

Notas e Referências

[i] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao processo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 28.

[ii] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. p. 218.

[iii] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 169.

[iv] E-ED-RR - 79500-61.2006.5.05.0028 , Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 18/03/2010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 30/03/2010.

[v] Relatório do Projeto de Lei n. 6787/2016. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961>. Acessado em: 03 de julho de 2017.

[vi] Disponível em:<https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,diferenca-salarial-e-mais-acentuada-por-escolaridade-diz-ibge,68504e>. Acessado em: 03 de julho de 2017.

[vii] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. A indisponibilidade dos direitos trabalhistas no ordenamento jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-abr-02/gustavo-garcia-indisponibilidade-direitos-trabalhistas-lei>. Acessado em: 03 de julho de 2017.

[viii] STF. SE 5.206 – AgR; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Tribunal Pleno. Julgado em 12.12.2001; DJ 30.4.2004, PP. 00029, Ement vol-02149-06, PP-00958.

[ix] Regulamento da AMCHAM disponível em: <https://estatico.amcham.com.br/arquivos/2018/arbitragem-trabalhista-regulamento.pdf>. Acessado em: 05 de julho de 2018.

[x] Regulamento da CAMFIEP disponível em: http://www.fiepr.org.br/para-empresas/camara-de-arbitragem/uploadAddress/Regulamento_2015[67181].pdf>. Acessado em: 24 de julho de 2018.

 

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