Apuração de haveres quando da expulsão de “sócio proprietário” por inadimplência de taxas administrativas - Por Eduardo Silva Bitti

17/10/2017

Quando se trata de exclusão de associado por inadimplência, dois são os problemas das associações: a legalidade do ato e o valor a ser devolvido.

No primeiro caso, é latente a ilegalidade da demissão do referido membro sem que tenha havido prévio processo administrativo e respeito ao contraditório e à ampla defesa.

Neste mesmo sentido caminham os julgados do Superior Tribunal de Justiça, como o extraído do agravo interno no agravo no recurso especial 646755 / ES em 08/11/2016 pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, tendo como relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, com voto seguido à unanimidade pelos Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi.

Há que se dizer que, talvez, nem seja necessária a digressão à jurisprudência, pois o posicionamento acima é decorrente, hoje, da disposição do artigo 57 do Código Civil, com redação dada pela Lei 11.127/2005, quando determina que a exclusão “só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto”.

A adequação, portanto, do regramento processual estatutário na forma do dispositivo legal acima, apto para assegurar aos respectivos membros a dita garantia, é assunto delicado e com variáveis específicas sobre os quais seriam os procedimentos ideais aptos para impedir a ilegalidade.

Notoriamente, é indispensável a notificação do associado para apresentar defesa, considerando-se que a interpelação aqui é realizada, na prática, para que o devedor efetue o pagamento do que deve, ou seja, de possibilitar a ele a chance de purgar a mora[1], como visto nos julgamentos realizados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo quando da apelação Cível 9087411-21.2009 e do agravo 417.841-4/8 e pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, na apelação cível 70046236071.

Mas o que ele deve?

Em publicação anterior[2] aqui nesta coluna, teve-se a oportunidade de dizer-se que:

“(...) a quota ou fração ideal associativa não confere direito de propriedade ao titular, vinculando-o a benefícios decorrentes da condição de associado, conferindo-lhe apenas o direito de restituição, quando muito, do respectivo valor atualizado das contribuições que tiver prestado ao patrimônio da associação.”

Aqui vale complementar que a quota associativa não confere direito de propriedade, mas, em si, corresponde a um bem móvel na forma do artigo 83, III, do Código Civil, daí a razão pela qual é possível que ela seja o objeto de leilão e de proteção patrimonial.

É evidente, portanto, que, quando da constituição do capital associativo, haja dúvidas quanto à manifestação de figuras da subscrição e da integralização, institutos pertencentes ao direito societário. Mormente, a análise dos artigos 53 a 61 do Código Civil não deixa claro quais seriam as punições ao associado remisso, consoante a existência de figura análoga em sociedades simples no parágrafo único do artigo 1.004 do mesmo diploma legal[3], não havendo, conforme dito no parágrafo único do artigo 53, direitos e obrigações recíprocos entre os associados.

O conteúdo obrigacional, todavia, em relação aos associados e às fontes de recursos para a respectiva manutenção, é totalmente remetido ao próprio estatuto, na forma do inciso III e IV do artigo 54, e aqui entra a questão da inadimplência.

A dúvida que orienta o assunto é saber se, em caso de exclusão por tal motivo, respeitada a legalidade, o associado teria o direito a ser restituído quanto àquilo que contribuiu à associação.

O associado deve, portanto, a contribuição para a formação do capital associativo e a taxa mensal de manutenção e desenvolvimento. Explica-se, enquanto a primeira atende à necessidade de criação de acervo patrimonial, a segunda atende à demanda das despesas mensais, consolidando a existência da associação como ente autônomo, mas dependente de receitas como qualquer pessoa jurídica, sendo cabível na forma do inciso IV do artigo 54.

Conforme lembram Laura Alice Rinaldi Camargo e Ruiz da Silva[4], os “sócios proprietários” pagam as chamadas “joias” além das taxas de administração e desenvolvimento, que são formas de arrecadação, tais quais o são a venda de espaços para publicidade na mídia da entidade e a cessão de salão para eventos.

Logo, não se pode olvidar que tais instituições podem efetuar a cobrança das referidas taxas mensais, uma vez estabelecidas em estatuto, e que isso é justificativa para a demissão do associado.

Agora, imagine-se uma hipótese na qual o associado tenha contribuído com uma “joia” de R$ 7.000,00 (sete mil reais) e tenha que pagar uma taxa administrativa mensal no valor de R$ 100,00 (cem reais). No mesmo exemplo, considere-se que o referido membro há cinco anos não pague a referida taxa, tendo adimplido apenas a integralização do capital associativo, devendo, assim, sessenta vezes o valor principal, considerada a devida notificação.

Havendo o cumprimento do respectivo procedimento de exclusão por inadimplemento, há que se apontar que se, talvez haja a possibilidade estatutária do direito a reembolso do valor investido no capital associativo, por outro, há que se compensar a dívida existente e amplamente exigível da taxa de manutenção mensal de pelo menos 05 (cinco) anos[5] contra o demissionário.

O problema seria quando da omissão estatutária quanto à devolução do valor da quota associativa. Neste caso, opina-se aqui pela impossibilidade de restituição, pois considerando-se que o associado não possui direito de propriedade sobre os bens da associação, nada mais natural que a completa perda do investimento em favor do objetivo determinado nas normas estatutárias.

 



[1] Em sentido contrário, o julgamento da apelação cível 200900147557, na qual o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que “a obrigação de pagamento da contribuição social é mensal, continuada razão pela qual desnecessária a notificação do devedor para a sua constituição em mora, operando-se a mesma, portanto, ex re”.

[2] BITTI, Eduardo Silva. A dissolução de associação e a repartição do patrimônio entre sócios proprietários. Disponível em: < http://emporiododireito.com.br/backup/a-dissolucao-de-associacao-e-a-reparticao-do-patrimonio-entre-socios-proprietarios-por-eduardo-silva-bitti/>. Acesso em 15 de outubro de 2017.

[3] “Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora”. “Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031.”

[4] CAMARGO, L. A. R.; SILVA, M. R. Os clubes sociais e recreativos e o processo civilizatório brasileiro: uma relação de hábitos e costumes. In: SIMPOSIO INTERNACIONAL PROCESO CIVILIZADOR, 11., 2008, Buenos Aires. Anais... Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 2008. p. 69.

[5] Vide a prescrição quinquenal do artigo 206, §5º, do Código Civil.

 

Imagem Ilustrativa do Post: 20175_scse_PeerUp_Anye_Egbue_Hinderliter_047xx // Foto de: University of Minnesota Duluth // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/umnduluth/33984076254/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura