Aprovação em concurso público e o livre trânsito conceitual: entre a expectativa de direito e o direito líquido e certo à nomeação e posse

13/02/2018

 Coordenador: Gilberto Bruschi

Não é de hoje que o mandado de segurança vem sendo utilizado visando salvaguardar direito líquido e certo supostamente violado no âmbito dos concursos públicos. Em relação aos candidatos aprovados, várias situações foram analisadas pela jurisprudência do STJ e STF, tais como: a) dentro do número de vagas do concurso; b) fora do número de vagas; c) inicialmente fora, mas, em razão de desistência de outro candidato, passam a figurar dentro do número de vagas ofertadas, etc.

A indagação central deste ensaio é a seguinte: como os tribunais enfrentam o direito à nomeação e posse do candidato aprovado inicialmente fora do número de vagas oferecidas pelo Edital?

Houve evolução interpretativa, que passou, no mínimo, por três momentos. Inicialmente, era reconhecida mera expectativa de direito ao aprovado em concurso público, tendo em vista que a nomeação estava ligada à discricionariedade administrativa (conveniência e oportunidade).

De acordo com entendimento Sumulado do STF, o direito líquido e certo apenas estaria presente nos casos em que a ordem de classificação não era respeitada[1]. No RE 421938 AgR/DF ( Rel. Min. Sepúlveda Pertence – J. em 09.05.2006 – 1ª T – DJ de 02.06.2006), a Corte Constitucional entendeu que:

“Concurso público: direito à nomeação: Súmula 15-STF. Firmou-se o entendimento do STF no sentido de que o candidato aprovado em concurso público, ainda que dentro do número de vagas, torna-se detentor de mera expectativa de direito, não de direito à nomeação: precedentes. O termo dos períodos de suspensão das nomeações na esfera da Administração Federal, ainda quando determinado por decretos editados no prazo de validade do concurso, não implica, por si só na prorrogação desse mesmo prazo de validade pelo tempo correspondente à suspensão.

No ROMS 494/MS (Rel. Min. Vicente Cernicchiaro – 2ª Turma – J. em 28/11/1990 – DJ de DJ 25.02.1991 p. 1455), o STJ decidiu:

“Recurso em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação. Nomeação.  A aprovação em concurso público confere ao candidato expectativa à nomeação. Não tem direito de exigi-la. Ilegalidade haverá caso a pública administração promova nomeação em desrespeito à ordem de classificação”.

O segundo momento de reflexão em relação ao livre trânsito conceitual entre a mera expectativa e o direito líquido e certo refere-se a situação específica dos aprovados dentro do número de vagas, que passaram a ser tratados como detentores de direito à nomeação e posse, inclusive com a possibilidade de judicialização por meio de mandado de segurança.

A rigor, esta mutação conceitual teve por objetivo resguardar os princípios da moralidade, segurança jurídica, boa-fé e proteção a confiança, além da própria vinculação às regras do edital. Vejamos alguns julgados do STJ:

“Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação dentro do número de vagas. Direito líquido e certo. Recurso provido. 1.   O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocatório pelo Poder Público, de sorte que a oferta de vagas vincula a Administração pela expectativa surgida entre os candidatos. 2.   A partir da veiculação expressa da necessidade de prover determinado número de cargos, através da publicação de edital de concurso, a nomeação e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas, transmuda-se de mera expectativa à direito subjetivo. 3.   Tem-se por ilegal o ato omissivo da Administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite de vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculado. 4.   Recurso provido para determinar a investidura da recorrente no cargo de Médico Generalista para o qual foi devidamente aprovada” (STJ RMS 26507 / RJ -  5ª T. - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – J. em 18/09/2008  DJe 20/10/2008)[2]-[3].

“Recurso ordinário em mandado de segurança. Administrativo. Concurso público. Candidato. Nomeação. Número certo de vagas. Previsão. Edital. Necessidade de preenchimento. Direito líquido e certo. Caracterização. Recurso provido. 1. Em conformidade com a jurisprudência que vem se firmando na 3ª Seção do STJ, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação, e, não mera expectativa de direito. 2. Consoante precedentes da 5ª e 6ª Turmas do STJ, a partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. 4. Recurso ordinário conhecido e provido, para conceder a ordem apenas para determinar ao Estado de Minas Gerais que preencha o número de vagas previstas no Edital” (RMS 22597 / MG – 6ª T. – Rel. Jane Silva  - Desembargadora convocada do TJ/MG)  - J. em 12/06/2008 – DJe de  25/08/2008).

“Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público para o provimento de cargo de técnico judiciário. Direito à nomeação. Inexistência. Candidatas aprovadas fora das vagas previstas no  edital. Ausência de preterição. Direito líquido e certo não reconhecido. Recurso desprovido. 1.   Cabe à parte interessada opor Embargos Declaratórios, na hipótese de omissão do Tribunal em analisar ponto por ela invocado, que possa ser essencial ao deslinde da controvérsia, por ser este o recurso cabível para sanar referido vício. 2.   A citação dos demais aprovados não se faz necessária, uma vez que os efeitos de eventual concessão da segurança não incidiriam sobre eles, em razão do entendimento, já pacificado por esta Corte, de que os habilitados em certame público não possuem direito subjetivo à nomeação, mas tão-somente uma mera expectativa de direito. 3.   A Constituição previu duas ordens de direito ao candidato devidamente aprovado em concurso público: o direito de precedência, dentro do prazo de validade do certame, em relação aos candidatos aprovados em concurso superveniente e o direito de convocação por ordem descendente de classificação de todos os aprovados. 4.   A jurisprudência mais abalizada já assentou a orientação de que referidos direitos estão condicionados ao poder discricionário da Administração quanto à conveniência e oportunidade do chamamento dos aprovados, salvo se ficar comprovado nos autos que houve a contratação de pessoal, de forma precária, dentro da validade do concurso, para o preenchimento de vagas existentes, hipótese que não se coaduna com a presente. 5.   Recurso Ordinário desprovido, em consonância com o parecer Ministerial” (RMS 24721 / ES – 5ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – J. em  04/09/2008 –  DJe 29/09/2008).

Em suma: a omissão administrativa em prover os cargos dentro do limite das vagas ofertadas no edital viola o direito líquido e certo dos candidatos aprovados.

O STF, no julgamento do RE 598099/MS (Rel. Min. Gilmar Mendes – Tribunal Pleno – J. em 10.08.2011 – DJe de 3.10.2011), submetido à sistemática da repercussão geral, ratificou a existência de direito líquido e certo do candidato aprovado dentro do quantitativo previsto no Edital.  A justificativa da não adoção do ato pelo Ente Público apenas poderia ser reconhecida em situações excepcionalíssimas (comprovação de superveniência, imprevisibilidade, gravidade, necessidade, além de motivação[4]). Vários outros julgados foram proferidos no mesmo sentido, dentre os quais os recentes ARE 1071316 AgR (Rel. Min. Alexandre de Moraes – J. em 11/12/2017 – 1ª T- DJe de 19.12.17) e RE 859937 AgR (Rel. Min. Dias Toffoli – J. em 07/04/2017 – 2ª T- DJe de 05.05.17).

O derradeiro momento que merece ser destacado nesta linha evolutiva refere-se à situação do candidato aprovado fora do número de vagas quando, ainda no prazo de validade do certame, surgem novas vagas ou há desistência de algum aprovado com melhor classificação.

No leading case advindo do julgamento do Tema 784 de Repercussão Geral - RE 837.311 (Rel. Min. Luiz Fux – J. em 09/12/2015 – Tribunal Pleno – Dje de 15-04-2016 public 18-04-2016), o STF consagrou, por maioria que:

“O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: 1– Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; 2– Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; 3 – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima” (grifo nosso).

Contudo, ainda restava enfrentar outra situação muito comum nos dias de hoje, em que os concurseiros se submetem a vários certames e, se aprovados, escolhem onde irão atuar. A desistência da vaga pelo melhor classificado, portanto, pode constituir uma mudança conceitual ao candidato que estava fora do número de vagas, saindo da mera expectativa, para o reconhecimento do direito subjetivo à nomeação e posse.

Vale a leitura de dois julgados do Pretório Excelso, que inclusive mencionam a tese firmada no mencionado RE 598.099/MG:

“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Concurso público. Candidata aprovada, inicialmente, fora das vagas do edital. Desistência dos candidatos mais bem classificados. Direito a ser nomeada para ocupar a única vaga prevista no edital de convocação. Precedentes. 1. O Tribunal de origem assentou que, com a desistência dos dois candidatos mais bem classificados para o preenchimento da única vaga prevista no instrumento convocatório, a ora agravada, classificada inicialmente em 3º lugar, tornava-se a primeira, na ordem classificatória, tendo, assim, assegurado o seu direito de ser convocada para assumir a referida vaga. 2. Não se tratando de surgimento de vaga, seja por lei nova ou vacância, mas de vaga já prevista no edital do certame, aplica-se ao caso o que decidido pelo Plenário da Corte, o qual, ao apreciar o mérito do RE nº 598.099/MS-RG, Relator o Ministro Gilmar Mendes, concluiu que o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital tem direito subjetivo à nomeação. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 661760 – Rel. Min. Dias Toffoli. 1ª T- J. em 03/09/2013 – DJE de 28-10-2013 public 29-10-2013).

“Direito administrativo. Agravo regimental em recurso extraordinário. Concurso público. Candidato que passa a figurar dentro do número de vagas previstas no edital. Desistência de candidato classificado em colocação superior. Direito subjetivo à nomeação. Precedentes. 1. O Plenário desta Corte já firmou entendimento no sentido de que possui direito subjetivo à nomeação o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital de concurso público (RE 598.099-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, e RE 837.311-RG, Rel. Min. Luiz Fux). 2. O direito à nomeação também se estende ao candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital, mas que passe a figurar entre as vagas em decorrência da desistência de candidatos classificados em colocação superior. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento”[5] (RE 916425 AgR/ BA - Rel. Min. Roberto Barroso – J. em 28/06/2016 – 1ª T – J em  08-08-2016 DJe de 09-08-2016). 

Por fim, em 30.01.2018 foi publicada a seguinte notícia, no sítio do STJ: candidato alçado à vaga por desistência de outros candidatos tem direito líquido e certo à nomeação[6], decorrente do julgamento do RMS 55.667 (Rel. Min. Herman Benjamin – 2ª T – J. em 12.12.17 – Dje de 19.12.17). O Tribunal reconheceu o direito líquido e certo ao candidato que passou a constar dentro no número de vagas, em razão da desistência daquele melhor classificado. Esta é a ementa (com expressa menção aos REs 837.311 e 598.099):

“Processual civil. Administrativo. Mandado de segurança. Concurso público. Fiscal agropecuária. Candidato aprovado fora do número de vagas. Desistência de candidatos melhor classificados, passando a impetrante a figurar dentro das vagas previstas no edital. Direito à nomeação. Existência. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 1. Caso em que o Impetrante logrou aprovação, na 4ª classificação, no concurso público para o cargo de Fiscal Agropecuário, no qual havia previsão de 1 (uma) vagas, sendo que 3 (três) candidatos melhor classificados desistiram do certame. 2. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento submetido ao rito da repercussão geral (RE n. 837311/PI), fixou orientação no sentido de que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. 3. Por outro lado, em relação àqueles candidatos aprovados dentro do número de vagas, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 598099/MS, também submetido à sistemática da Repercussão Geral, fixou orientação no sentido haver direito à nomeação, salvo exceções pontuais. A partir dessa tese, evoluiu para compreender que, havendo desistência de candidatos melhor classificados, fazendo com que os seguintes passem a constar dentro do número de vagas, a expectativa de direito se convola em direito líquido e certo, garantindo o direito a vaga disputada. 4. Recurso Ordinário provido, para reformar o acórdão recorrido e determinar a imediata nomeação do Impetrante para o cargo postulado” (RMS 55.667/TO – Rel. Min. Herman Benjamin – 2ª T – J. em 12.12.17 – Dje de 19.12.17).

É possível concluir, dentro dos limites deste espaço, da seguinte forma: houve uma evolução jurisprudencial para reconhecer o direito líquido e certo à nomeação e posse em cargo público, não apenas ao candidato que já esteja  dentro do limite de vagas, mas para aquele que, em razão da desistência do melhor classificado, passa a constar dentro do número ofertado pelo Edital. Na prática, existe o livre trânsito conceitual entre a expectativa de direito e o direito líquido e certo a ser amparado pelo Poder Judiciário, com a análise das variáveis de cada caso concreto.

 

[1] STF – Súmula 15: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”.

[2] No voto, há indicação de outros precedentes no mesmo sentido, dentre os quais o RMS 15.420/ PR, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU de 19.05.2008 e RMS 15.034/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJU de 29.03.04.

[3] Em passagem do voto, entendeu o Min. Relator que: “Destarte, a partir da veiculação expressa da necessidade de prover determinado número de cargos, através da publicação de edital de concurso, a nomeação e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas, transmuda-se de mera expectativa à direito subjetivo. Tem-se, pois, por ilegal o ato omissivo da Administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite das vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculado”.

[4] Segue uma passagem da ementa: “Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário”.

[5] No voto, o Min. Relator Roberto Barroso cita “no mesmo sentido, as seguintes decisões, entre outras: RE 227.480/RJ e RE 695.192/BA, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia; RE 743.691/BA e RE 741.593/PA, Rel. Min. Celso de Mello; RE 748.326/DF e RE 748.463/BA, da minha relatoria; RE 718.192/BA e RE 708.653/BA, Rel. Min. Luiz Fux”.

[6] Disponível em http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Candidato-al%C3%A7ado-%C3%A0-vaga-por-desist%C3%AAncia-de-outros-candidatos-tem-direito-l%C3%ADquido-e-certo-%C3%A0-nomea%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 03.02.18, às 10:00 hs.

 

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