Aplicação do prazo em dias corridos nos Juizados Especiais, um exemplo de decisionismo!!

16/05/2016

Por Walter Gustavo da Silva Lemos – 16/05/2016

Muito tem se dito que os prazos nos Juizados Especiais serão contados em dias corridos e não em dias úteis como descrito no Novo CPC, sendo que a maioria destas falas são promovidas com fundamentos no princípio da celeridade no processo naquela Justiça especial.

É verdade que muitas são as falas ou julgados no âmbito dos Juizados que já vem dizendo sobre a aplicação do Novo CPC à regra daquela Justiça especial, mas grande parte delas foram em obiter dictum, já que as matérias dos julgados não eram correlacionadas ao tema. Porém, também se vê uma série de juristas, advogados, juízes e operadores do direito descrevendo que os prazos devem ser contados em dias corridos.

A razão fundamentativa destes defensores do prazo corrido nos Juizados Especias é a da aplicação do princípio da celeridade como norma a reger o tema, sendo esta inclusive a proposta apresentada para a discussão no Fonaje que será realizado no meio do ano.

Ocorre que o princípio não pode ser utilizado desta forma vergastada, já que se pretende dar um conteúdo a ele que a sua essência não tem, a regência de prazos.

Temos que lembrar que princípios são mandamentos otimizadores do Direito, que demonstram os valores que o ordenamento jurídico deve seguir, como, no dizer de Lenza, “uma ideia que sirva para guiar a argumentação em um determinado sentido.”

Portanto, os princípios são ordens de muitas funções dentro do ordenamento jurídico, de forma a solucionar os problemas de difícil concepção que acabam surgindo no desenvolvimento do Direito, bem como ao fazer surgir a regra a reger diretamente as relações.

Para Larenz, os princípios apontam caminhos em que o Direito se desenvolverá, por via de uma função positiva de determinação de valores a serem tratados nas regras, sendo que esta acaba por realizar a regulação por ele ventilada, a partir do pensamento esposado.

Desta forma, o princípio tem conteúdo otimizador, mas não se prestando à promoção da regular a contagem de prazo e sim por via da apresentação de valor descrito, dando ao legislador critérios a este observar na edição da regulamentação do ordenamento jurídico atravessar da regra.

Assim, o princípio impõe o surgimento da norma a reger as relações que dependam de comandos tudo-ou-nada.

No caso dos prazos nos JEC, os princípios devem servir de norteamento para que o legislador promova a descrição da conduta da contagem de prazo de forma a que o processo atenda ao conteúdo do princípio.

O princípio acaba por descrever como o sistema jurídico deve ser aplicado, mas não cria condutas específicas, que são descritas e promovidas pelas normas (regras), não podendo contrariar o conteúdo ditado pelo princípio, de forma que exista um todo conectado e integrativo na promoção do Direito.

Desta forma, não é possível a promoção de contagem de prazo em dias corridos nos Juizados Especiais pela ausência de norma na sua lei regente (lei nº 9.099/95) que promova a descrição de como se contam os prazos, sendo que a norma que acaba por reger tal situação é a norma geral descrita no Código de Processo Civil, de acordo com o art. 27, Lei nº 12.153/2009 e pela leitura integrativa da Lei dos Juizados, de forma que os prazos para nestes serão, a partir da entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015, contados em dias úteis (art. 219).

Este pensamento é o que se pode retirar da interpretação do presente caso à questão, já que a norma regente dos Juizados Especiais não descrevem a contagem de prazo, devendo estes serem contados na forma geral dos prazos processuais, que são descritos no CPC.

Inclusive este pensamento de utilização subsidiária já é reticente na jurisprudência existente no país, onde se descreve a aplicação do CPC aos Juizados Especiais, como se vê no MS: 71001520014\RS, da lavra da Juíza Maria José Schmitt Sant Anna, entre outros julgamentos.

Assim, o pensamento de aplicação do princípio da celeridade como meio de reger os prazos dos Juizados Especiais a partir da sua contagem em dias corridos é ato não correlato com o entendimento do conteúdo descrito no princípio, sendo tais tipos de interpretações são oriundas de atuações decisionistas.

Pela teoria do deciosinismo, elaborada pelo filósofo e jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985), um dos teóricos do nazismo, nas épocas de crise e de desordem generalizada é necessário que o Direito atue de forma a chamar a sociedade à ordem por meio da decisão absoluta, que deve reger a situação específica a partir do pensamento de exceção descrito para a solução do Direito.

Aqueles que se baseiam nesta teoria, entendem que a decisão judicial é a solução para tudo, sendo esta de caráter total e absoluta, podendo o juiz interver em toda espécie de relações que entender necessária, não se importando com o conteúdo normativo, posto que age a partir dos valores descritos como socialmente aceitos pela sociedade, donde advém tal poder de julgar.

Ocorre que na presente teoria não é aplicável à norma brasileira, posto que a nossa Constituição impôs limites à atuação do juiz, não podendo ele realizar qualquer ato para a busca de uma sentença total e absoluta, já que o nosso ordenamento se baseia na teoria positivista kelseana, onde cada função pública possui uma certa competência, não podendo uma função invadir na atuação do outro.

Esta ideia decisionista é perceptível pela atuação da interpretação aqui descrita de dar um conteúdo ao princípio que ele não tem, a fim de promover uma decisão de cunho político-jurídico inerente à atuação do Judiciário, mesmo que para isso tenha que dar um valor de regra ao princípio invocado.

A teoria decisionista, como fundamento de validade do sistema normativo, no pensamento de Soares, incute a ideia não das soluções possíveis, mas da possibilidade de tornar possíveis as soluções que se pretende adotar.

Sarmento descreve que a utilização da ideia de decisão como meio de se resolver tudo, acaba por promover uma atuação decisionista na interpretação do princípio, quando diz que:

Esta "euforia" com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser.

Assim, pode se ver que a ideia de se atribuir conteúdo de regência dos prazos na forma  corrida, por via da alegação de que este comando esta contido no princípio da celeridade, expressa uma atuação decisionista por parte daqueles que objetivam descrever que o conteúdo do art. 219 do não se aplica aos Juizados Especiais, já que se descreve o alcance e o sentido daquele princípio de forma diversa da atribuída pelo legislador quando da descrição de tal mandamento otimizador na norma de regência dos Juizados Especiais.

Portanto, tal pensamento não estabelece a observância de uma coerência jurídica na interpretação do princípio, sendo que tal acaba por se dar por via da interferência das questões político-jurídicas do Poder Judiciário e não a partir da concatenação lógica do processo interpretativo e de solução de lacunas ou antinomias jurídicas, já que por via da decisão judicial se objetiva dar conteúdo não constante no princípio, com alcance e sentido distintos.


Notas e Referências:

LARENZ,Karl. Derecho Justo. Fundamentos de Ética Jurídica. Madrid: Civitas; 2001, p. 34.

LENZA, Pedro. Regras e Principios: a interessente perspectiva de derrotabilidade das regras. Acessado in http://cartaforense.com.br/conteudo/artigos/regras-e-principios-a-interessante-perspectiva-de-derrotabilidade-das-regras/7123. 2011

SARMENTO, Daniel. Ubiquidade Constitucional: Os Dois Lados da Moeda. In NETO, Cláudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel l (Org.) A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores.. Rio de Janeiro. 2007. Lúmen Júris. p. 144.

SOARES, Paulo Firmeza. Uma crítica ao decisionismo na aplicação do direito. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov. 2013. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.45834&seo=1>. Acesso em: 11 maio 2016.

TJ-RS - MS: 71001520014 RS, Relator: Maria José Schmitt Sant Anna, Data de Julgamento: 29/01/2008,  Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/02/2008


Walter Gustavo da Silva Lemos. Walter Gustavo da Silva Lemos é advogado e professor universitário em Porto Velho/RO, formado pela UFGO, com pós-graduação em Direito Penal e P. Penal pela Ulbra/RS, em Direito Processual Civil pela FARO/RO, Mestrado em Direito Internacional pela UAA/PY e em História pela PUC/RS. Professor de Direito Internacional Público e Privado e de Hermêneutica Jurídica da FARO/RO e da FCR/RO. Ex-Secretário-Geral Adjunto da OAB/RO. Membro do IDPR.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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