Aplicabilidade (ou não) dos benefícios normativos aos trabalhadores não-sindicalizados  

05/02/2019

 

A Lei nº 13.467, de 11 de novembro de 2017, conhecida como Reforma Trabalhista, trouxe alterações importantes no campo da negociação coletiva. A regra geral de representação sindical aos não-sindicalizados passou a ser questionada a partir do momento que o desconto sindical deixou de ser obrigatório, tornando-se doravante opcional. Isso porque, por força do artigo 8º, III, da Constituição Federal, o sindical tem a obrigatoriedade na representação de todos os empregados de sua categoria profissional, ainda que não sindicalizados.[1] Trata-se do chamado princípio da representação sindical “erga omnes”.

É certo dizer que a negociação coletiva tem por escopo que os sindicatos profissionais e patrões incrementem melhorias às condições de trabalho e, sobretudo, realcem a qualidade de vida dos trabalhadores representados pelas categorias participantes dos instrumentos normativos.

Tutelados pelo direito coletivo, as entidades sindicais representam os sujeitos do relacionamento no processo de construção negocial coletiva, formando a denominada autonomia privada coletiva. Através de tal assertiva existe a possibilidade de criação de normas para aplicação no âmbito das relações de trabalho. Essas criações de normas, taxadas de fontes autônomas do direito, refletem as situações do cotidiano que, em diversos casos, importam na ampliação de direitos sociais e deságuam  no desenvolvimento econômico, social e cultural das categorias profissionais.

A representação sindical vista apenas sobre parcela dos empregados que dela deveriam ser representados revela outro raciocínio quando o questionado o primado econômico. Afinal, se a franquia sindicatária representa o sujeito do relacionamento da construção negocial, tutelando inclusive seus direitos, com a promoção de seu desenvolvimento econômico, social e cultural, questiona-se se, de fato, o sindicato pode deixar de fazê-lo em relação aos trabalhadores que deixem de contribuir financeiramente para o respectivo ente sindical?

Com efeito, a condição de melhoria conquistada ao longo dos anos revelou o processo de transformação econômica, política, social, e, por que não dizer, fundamental do sindicato na vida dos trabalhadores, sindicalizados ou não.

A ótica do desenvolvimento deve observar a perpetuação dos agentes envolvidos, justamente para o fim de buscar o equilíbrio na negociação coletiva e sua continuidade ao longo das transformações inerentes ao mercado de trabalho, tal como a automatização e postos de serviço.

A teor do que consta o diploma o artigo 513 celetário[2], a representação sindical é uma prerrogativa das associações profissionais devidamente registradas na forma do artigo 558 da CLT.[3]

Ao sindicato compete representar os interesses da categoria, celebrar as convenções coletivas e, até mesmo, fundar e manter agências de colocação. O ponto abordado acerca da letra “e” do artigo 513 da CLT é o mais polêmico, pois, trata de “[…] impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas.”.

Note-se que o referido dispositivo recebe o reforço constitucional do artigo 8º da Carta da República, inciso IV, “in verbis”:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[…]

IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.

Lado outro, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Precedente Normativo nº 119 afastando a possibilidade de mais uma fonte de custeio:

PRECEDENTE NORMATIVO Nº 119 CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS - INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS – (mantido) - DEJT divulgado em  25.08.2014.

A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.

E o Supremo Tribunal Federal, por sua vez, entendia que a contribuição confederativa somente podia ser exigida dos filiados ao sindicato respectivo, conforme se infere de sua Súmula Vinculante nº 40: “A contribuição confederativa de que trata o artigo 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.”.

De mais a mais, o Excelso Pretório reafirmou, no ARE 1018459, com repercussão geral reconhecida, no dia 03/03/2017, o entendimento no sentido da inconstitucionalidade da contribuição assistencial imposta por acordo, convenção coletiva de trabalho ou sentença normativa a empregados não sindicalizados. O relator, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, explicou que a contribuição assistencial, também conhecida como taxa assistencial, é destinada a custear as atividades assistenciais do sindicato, principalmente no curso de negociações coletivas, sem natureza tributária.

E, mais recentemente, o Plenário do E. STF decidiu, no dia 29/06/2018, declarar a constitucionalidade do ponto da Reforma Trabalhista que extinguiu a obrigatoriedade da contribuição sindical. A controvérsia foi trazida na ADI 5794, em outras 18 ADIs ajuizadas contra a nova regra e na ADC 55, que buscava o reconhecimento da validade da mudança na legislação. Prevaleceu o entendimento de que não se pode admitir que a contribuição sindical seja imposta a trabalhadores e empregadores quando a Constituição determina que ninguém é obrigado a se filiar ou a se manter filiado a uma entidade sindical.

Para tanto, de se transcrever a ementa do julgado:

São compatíveis com a Constituição Federal os dispositivos da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) que extinguiram a obrigatoriedade da contribuição sindical e condicionaram o seu pagamento à prévia e expressa autorização dos filiados.

No âmbito formal, o STF entendeu que a Lei nº 13.467/2017 não contempla normas gerais de direito tributário (art. 146, III, “a”, da CF/88). Assim, não era necessária a edição de lei complementar para tratar sobre matéria relativa a contribuições.

Também não se aplica ao caso a exigência de lei específica prevista no art. 150, § 6º, da CF/88, pois a norma impugnada não disciplinou nenhum dos benefícios fiscais nele mencionados, quais sejam, subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão.

Sob o ângulo material, o STF afirmou que a Constituição assegura a livre associação profissional ou sindical, de modo que ninguém é obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (art. 8º, V, da CF/88). O princípio constitucional da liberdade sindical garante tanto ao trabalhador quanto ao empregador a liberdade de se associar a uma organização sindical, passando a contribuir voluntariamente com essa representação.

Não há nenhum comando na Constituição Federal determinando que a contribuição sindical é compulsória. Não se pode admitir que o texto constitucional, de um lado, consagre a liberdade de associação, sindicalização e expressão (art. 5º, IV e XVII, e art. 8º) e, de outro, imponha uma contribuição compulsória a todos os integrantes das categorias econômicas e profissionais.

STF. Plenário. ADI 5794/DF, Rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 29/6/2018 (g.n.).

A par de todo o exposto, claro está que a Corte Suprema entende que o princípio da liberdade de associação está previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1891, e a liberdade de contribuição é mero corolário lógico do direito de associar-se ou não. Por essa razão, poder-se-ia concluir que obrigar trabalhadores a contribuir com o sindicato, como medida a serem beneficiados pelas normas coletivas firmadas pela categoria profissional, chancelaria, às avessas, a violação à plena e irrestrita liberdade de livre associação profissional ou sindical, de modo que ninguém é obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato (CRFB, artigo 8º, V).[4]

Entrementes, os precedentes acima citados não foram prolatados apenas para o caso concreto, na medida que as orientações neles contidas exteriorizam efetivos texto de lei, com ampla aplicação no direito brasileiro. E, neste viés, temos que entender a concepção da “ratio decidende” que está estabelecida nos precedentes, em confronto com a realidade que se insere no sistema do “civil law”, a fim de se aferir a sua aplicabilidade.

Nessa seara, analisando os sistemas “civil law” e “common law”, observamos a grande importância da aplicação do regime dos precedentes no Brasil. É correto afirmar, doravante, que a sua aplicação trouxe inegável valorização às decisões dos Tribunais Superiores, impactando na prática forense, inclusive com sua vinculação aos demais órgãos do Poder Judiciário, como se infere das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Dito isso, constitui ser imperativa a observância dos precedentes exarados pelas Cortes de Vértice brasileira às decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho de todo o país, muito embora a Lei da Reforma Trabalhista tenha criado impacto no “civil law” a partir adequação procedida pelo Judiciário através do sistema “common law”.

Com efeito, é sabido que os precedentes objetivos, ditos obrigatórios e vinculativos, devem possuir como caraterísticas essenciais à adoção da “teoria do stare decisis”, a fim de proporcionar a segurança jurídica desejada, observando as garantias constitucionais e evitando decisões desajustadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário.

Portanto, depreende-se que a proibição de fonte de custeio aos sindicatos, pautada no artigo 8º da Carta de Outono de 1988, e na Lei nº 13.467/2017 que alterou a CLT para tornar facultativa a contribuição sindical, poderá ser revista em futuras decisões.

Isso porque, com relação a aplicabilidade dos instrumentos normativos à toda categoria profissional, duas questões devem ser observadas. A primeira é a função estatal do sindicato, enquanto que a segunda é sua eficiência financeira acerca da sua condição de representar toda uma categoria.

No tocante a função estatal do sindicato, é coerente mencionar que se trata de associação de direito privado, que ocorre a partir da junção de um determinado grupo, podendo ser representado por trabalhadores, empregadores e/ou profissionais liberais.

A natureza privada foi reforçada com a Carta Republicana  Federativa do Brasil, quando tratou do tema no inciso I de seu artigo 8º[5].  Anteriormente a tal condição, era indene que sua função sempre foi estatal, tanto que o diploma proletário possuía dispositivos que possibilitavam que o Estado interferisse na sua organização.

Não por outra razão que o saudoso jurista, Amauri Mascaro Nascimento, afirmara que “os sindicatos no Brasil já foram pessoas jurídicas de direito público no período do Estado Novo.”.[6] A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, elaborada por Eurico Gaspar Dutra em 1946, então Presidente da República, atribuiu funções delegadas de Poder Público.

Muito embora o sindicato tivesse funções estatais, fato é que suas atribuições não são originárias do poder do Estado. Frise-se que o ente sindical não tem criação pautada lei, e sim no seu ato constitutivo, sendo certo que a assembleia aprova o seu estatuto social. Constituem-se os sindicatos, pois, em associações de direito privado, ainda que suas funções ostentem um múnus público, na medida em que representam interesses coletivos.

Nessa linha, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Professor Maurício Godinho Delgado, sustenta o seguinte:

“[…] na tradição cultural democrática, hoje preponderante no Ocidente, compreende-se, desse modo, que a natureza jurídica dos sindicatos é de associação privada de caráter coletivo, com funções de defesa e incremento dos interesses profissionais e econômicos de seus representados, empregados e outros trabalhadores subordinados ou autônomos, além de empregadores […]”.[7]

A par disso, não há como fomentar a representação das funções sindicais, sem, contudo, observar o princípio da eficiência financeira. Nesse sentido, temos que pensar que a eficiência e o resultado líquido da operação não comungam como empresas da iniciativa privada.

A reflexão nos remete ao pensamento de que, quando o Estado brasileiro foi redefinido (posteriormente a CF/88 que tinha texto original no artigo 74), houve um redimensionamento através da EC 19/98. A partir daí, levanta-se a questão sobre a concepção de eficiência advinda da ciência econômica, até porque não se olvida que se trata de um serviço público, mas com a “nova cara” do Estado.

Neste prisma, ama grande parcela da sociedade reflete que eficiência financeira é o resultado líquido da operação. Todavia, para fins de serviço com múnus público, essa condição está intimamente atrelada aos demais princípios vigentes na ordem constitucional.

Nas relações de cunho privado há flexibilização para atingir maior lucratividade, ao passo que no serviço atribuído ao sindicato a concepção ordinária é ampliar o controle jurisdicional e averiguar a satisfação do interesse público de determinada sociedade a que denominamos de categoria profissional. Dessa forma, a condição da satisfação do interesse público e o controle jurisdicional leva ao mérito administrativo, que é um dos desdobramentos da eficiência econômica.

Entrementes, o princípio da eficiência não possui previsão meramente de resultado financeiro. A eficiência econômica, para que o sindicato possa sobreviver, não pode ser tratada como mera atividade empresarial, considerando a relação insumo e produto. Devemos pensar que – tal como o suficiente pode demandar – o hipossuficiente também pode fazê-lo em igualdade de condições e, para assegurar essa mesma qualidade de serviço, o sindicato deve ter condições de exercer tal papel fundamental.

Não é demais relembrar que, assim como ocorre no setor privado, a pessoa física consome o produto que assim o deseja. Igual raciocínio ocorre hoje com os trabalhadores sindicalizados, que recebem os bônus e ônus decorrentes das negociações coletivas. Contudo, para aqueles que não contribuem há apenas o recebimento de bônus, haja vista a filiação sindical facultativa, tal como já ocorre com a própria contribuição para ao sindicato, seja qual ela for a denominação atribuída pelo legislador.

De resto, a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho visa assegurar, em particular, a higidez física dos trabalhadores e, por tal razão, possui caráter essencial a toda categoria profissional. Mas, em arremate, a sobrevivência sindical nesta nova faceta atribuída ao sindicato, somente é viável se observadas questões como a eficiência econômica e a outorga de poderes dos representados.

 

Notas e Referências

[1] CF, art. 8º, III – “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive  em questões judiciais ou administrativas;

[2] CLT, Art. 513. “São prerrogativas dos sindicatos: a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida; b) celebrar contratos coletivos de trabalho; c) eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão liberal; d) colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal; e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas. Parágrafo Único. Os sindicatos de empregados terão, outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação.”.

[3] CLT, Art. 558 – “São obrigadas ao registro todas as associações profissionais constituídas por atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas, de acordo com o art. 511 e na conformidade do Quadro de Atividades e Profissões a que alude o Capítulo II deste Título. As associações profissionais registradas nos termos deste artigo poderão representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, os interesses individuais dos associados relativos à sua atividade ou profissão, sendo-lhes também extensivas as prerrogativas contidas na alínea "d" e no parágrafo único do art. 513.”.

[4] A liberdade de associação sindical compreende uma dimensão positiva, ligada à livre vinculação ao sindicato, e uma negativa, ligada à prerrogativa de livre desfiliação, pela liberdade para manter-se associado, ambas com expressa previsão constitucional. Tal fato aproximou nosso sistema sindical, neste aspecto, da Convenção nº 87 da OIT, que trata da liberdade positiva e negativa do indivíduo de se filiar ao sindicato.

[5] CF, Art. 8º - “É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical.”.

[6] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 6. ed. LTr: São Paulo, 2008

[7] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. LTr: São Paulo, 2008, p. 1350.

 

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