Apaga esse sorriso da cara: estudar sem esforço para concurso, um objetivo impossível (Parte 9)

13/07/2018

“¡Me gusta demasiado la vida como para querer ser solamente feliz!”. Pascal Bruckner 

  1. Abraça teu “lado escuro”

É provável que alguns dos indulgentes leitores (as), enquanto passavam por um mau momento em suas vidas, ou talvez em um período efêmero de stress, experimentaram a sensação de ver o futuro próximo de forma pouco favorecedora. Quiçá nessa ocasião algum amigo ou familiar lhes tenha mencionado que é melhor ver as coisas de forma “positiva”, que “tudo passa por alguma razão” ou que “Deus, em sua infinita sabedoria, sempre sabe o que faz”. Algo que seria normal, inclusive humano, se não parecera que lhes estão negando o direito a estar enfadado, furioso ou triste.

Por quê? Porque viver 100% (e/ou incessantemente) de positividade e otimismo é negar a humanidade da vida. E uma vez que ninguém pode renegar ou elevar-se por encima da humanidade (Montaigne), a melhor atitude é a de ser cauto em relação à ditadura do motivacional, à opressão do pensamento positivo e à tirania do otimismo, já que é decepcionante e carece de sentido seguir centrando nossa atenção em crenças ou pensamentos mágicos sem importar-nos sequer o irracional que são e/ou quão sombria e aleatória é a realidade.[1]

Não confundamos o «pensamento positivo» [um estado cognitivo, um pensamento ou expectativa consciente, cuja essência - «pensamentos positivos geram “de fato” realidades positivas» – tem basicamente duas partes: (i) um pensamento mágico (podemos conseguir qualquer coisa com uma atitude positiva) e (ii) uma responsabilidade pessoal (se fracassamos, a culpa é toda – e unicamente - nossa[2])], com a «esperança» [um desejo, um sentimento, uma emoção ou uma mera expectativa de que as ações do presente «podem» produzir uns resultados favoráveis no futuro, desde que nos esforcemos diligentemente para alcançá-los].

A diferença pode parecer sutil, mas resulta crucial para entender que intentar mirar as coisas com realismo, não ver sempre o lado bom das coisas, não esperar produzir acontecimentos concretos com o poder de nossa mente e não passar o dia controlando incessantemente nossa atitude positiva ou revisando nossos pensamentos otimistas, não nos leva diretamente ao «fogo eterno» e nem tampouco ao neurótico temor de perder drasticamente nossa tão apreciada «autoestima». Ao contrário, nos faz mais cautelosos, moderados e resistentes, porque a principal causa do sofrimento gerado por um eventual fracasso é precisamente aquilo que não somos capazes de aceitar. (Schmedling)

Este tipo de postura mental não depende de casualidades favoráveis ou desfavoráveis, das oscilações pontuais entre o êxito e o fracasso, a bonança e a tormenta, o entusiasmo e o desânimo. Longe disso, constitui o equilíbrio que se repete em toda polaridade da vida, não somente naqueles momentos em que não conseguimos o que desejamos, senão também naqueles em que a perda de uma ilusão abre uma porta à boa fortuna. Não somente os logros, também as frustrações; não somente o triunfo, também a derrota; não somente o prazer, também o sofrimento; não somente estar alegre, também estar triste; não somente estar satisfeito, também estar insatisfeito (W. Schmid). Não somente dias plenos, senão também dias vazios, pois esses cem dias que percebemos como talados, cansativos e frustrantes se justificam totalmente com um único dia de plenitude desbordante.

Por uma boa razão Voltaire fazia dizer, a modo de conclusão, a seu herói «Candide», perdido pelo mundo: “Devemos cultivar nosso jardim”. A parte tormentosa e autodestrutiva de nossas frustrações e melancolia se atenuam quando nos esforçamos por admitir que as inúmeras formas de infelicidade também são partes essenciais da felicidade e reforçam sua duração e importância. Não se trata de um tipo de otimismo ingênuo, passivo, relaxado e ilusório. É uma atitude virtuosa, entregada e comprometida, e que reconhece que não há maior fracasso que aquele que subjuga nosso ânimo.

O êxito, que pressupõe a capacidade de enfrentar-se aos fatos e atuar em consequência, deve ser produzido de forma ativa e realista; não se logra por si só com o poder (positivo) da mente. É encantador, mas custa muito trabalho e tempo, demasiado esforço e umas quantas toneladas de humildade para aceitar que a realidade, para o bem ou para o mal, não se curva às distorções de nossa experiência mental interna e nem tampouco tem a mais ligeira obrigação de ser amigável ou compassiva com nossos caprichos e desejos.

Um realismo ou preocupação vigilante - inclusive incorrendo em certo «pessimismo defensivo»  – é o que se necessita para afrontar os problemas reais com que nos enfrentamos, para aprender dos erros que cometemos, para reconhecer nossas próprias limitações, para superar nossas dificuldades e as más experiências, para continuar a lutar contra os obstáculos que nós mesmos criamos e outros que nos coloca a própria vida, para conformarmo-nos com o disponível em cada momento e equilibrar os desejos impossíveis que modelam nosso trato com um mundo exterior que nos limita e “de lo que no podemos cambiar o controlar mediante el mecanismo de nuestra voluntad”. (H. Frankfurt)[3]

Depois de tudo, “alguém que aspira a ser ou é feliz de modo constante e toda a vida (aqui ou em outro mundo) é um cretino”. (Umberto Eco)[4]

 

Notas e Referências

[1]https://www.researchgate.net/publication/322117021_O_acaso_nosso_de_cada_dia_o_largo_braco_da_fortuna_Parte_1

[2] É a falaz euforia otimista de que entre tantas pessoas como existem, você, amável leitor (a), de alguma maneira, é diferente de todas. Tem algo de extraordinário, ainda que não seja consciente dele. Um it esquivo, um fator “X”. E você o intui, percebe que “está aí” e sente no fundo de sua alma. Não é um talento nem uma virtude. É outra coisa. Um asterisco invisível que pende sobre sua cabeça, como o protagonista de um “videogame”. Por isso, como afirma o iluminado Paulo Coelho, você “joga um papel central na História do Mundo”, foi criado para uma finalidade especial e é capaz, “em qualquer momento de sua vida, de fazer aquilo com que sonha”. Porque haverá uma quantidade inconcebível de pessoas, mas você tem algo que elas não têm: o poder de conjurar o improvável. Por isso pode e deve conquistar seus objetivos, com a única (e apenas) força de seus desejos e esse poder conjurador que tem sobre o mundo material. E o mais importante, por certo: «Cuando realmente quieres que algo suceda, el universo entero conspira para que tu deseo se vuelva realidad» (Paulo Coelho). Todo um clássico.

[3] Nota bene: Não trato de fazer aqui qualquer tipo de apologia à inevitável e compulsiva «algofilia» dos cristianismos protestante, ortodoxo e católico, nem tampouco qualquer tipo de proselitismo ao «sofrimento» apostolado pelo sincretismo de um budismo difuso (tibetano, zen ou tântrico) ou de qualquer outra das populares correntes místicas (asiáticas ou não) que dominam na atualidade, tão de moda nas sociedades ocidentais hedonistas (e da mais pura implicação mundana) e dirigidas a qualquer que pague por elas. Em tema de sofrimento não há lugar para delirantes rarezas transcendentais.

[4]https://www.researchgate.net/publication/275885788_Pensamento_positivo_Almas_que_sofrem_Parte_1

 

Imagem Ilustrativa do Post: (2018.06.26) Equipe do Hospital ALbert Einstein visita o CIS (centro integrado de saúde) // Foto de: Prefeitura de Itapevi // Sem alterações

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