Apaga esse sorriso da cara: estudar sem esforço para concurso, um objetivo impossível (Parte 8)

06/07/2018

Apaga esse sorriso da cara: estudar sem esforço para concurso, um objetivo impossível (Parte 8)

“La memoria es el talento de los tontos”. Marcelino Menéndez Y Pelayo

 

  1. De como se estuda, se aprende (ou não)

Algumas pessoas, em função de seus recursos (cognitivos), possibilidades e limitações, estudam recorrendo a livros esquemáticos, resumos, apostilas, anotações tomadas em aula, etc...etc. Estudam só baixo a pressão dos mais fortes imperativos kantianos e a cada novo edital de concurso, com a pressa própria dos tipos indiferentes à aquisição de um verdadeiro conhecimento, repassam «ad absurdum et ad nauseam» a matéria do programa com a impaciente intenção de guardá-la “definitivamente” na memória.

Outras, ao contrário, se responsabilizam por completo de seu aprendizado, de sua motivação, de aprender fazendo sem medo de equivocar-se. Em lugar de dedicar-se a aprender de memória os conteúdos das matérias ou aceitar e contentar-se sem exame com as palavras dos demais, interrogam, pedem razões, buscam os temas, os conceitos, os fundamentos, os “porquês”, o “como” e o “para quê” das coisas. Revisam suas dificuldades e/ou debilidades e as corrigem até estar seguros de haver dominado e compreendido completamente o assunto estudado. Estudam para aprender, com a sensação de eficácia pessoal, e não somente para superar alguma prova de concurso.

Embora sobre preferências pessoais não haja disputa e certo grau de memorização seja necessário para um concurso público, o aprendizado verdadeiramente valioso, útil, consolidado e estável é aquele que disseca a matéria estudada não para “decorar”, mas para compreender. A memória, não sobra dizer, apenas deve servir como um suporte, uma ajuda, para o conhecimento aprendido. Intentar memorizar sem haver compreendido previamente a matéria estudada é de uma ingenuidade sem paliativos. O sentido do ato/hábito de estudar é encontrar respostas para o que nos perguntamos e não sabemos, o que exige pensar e reflexionar sobre aquilo que estamos tentando aprender. É algo óbvio, mas às vezes as coisas óbvias passam desapercebidas.[1]

Sou consciente de que em um entorno perverso como o dos concursos é fácil predicar tudo isso e muito mais difícil fazê-lo. Mas, dado que nossa sofisticada capacidade para construir dificuldades ou problemas existenciais não deveria constituir nenhum obstáculo para inibir todos os demais impulsos e/ou tentações a favor da forma adequada de estudar, aqui vai um conselho: há que esforçar-se, de modo decidido e com decência intelectual, por um estilo de aprendizado significativo, quero dizer, por um método que, à diferença do estudo ad hoc[2] e/ou orientado exclusivamente a memorizar, dinamiza o juízo pessoal, proporciona essa impressão habitual de serenidade e amenidade que “nos reconcilia con nosotros mismos” e não se deixa abandonar confiadamente ao exclusivo amparo da mais desleal de nossas humanas faculdades: a memória[3]. Uma prática levada a cabo por aquele que entende e faz seu o imperativo de que os conhecimentos básicos devem aprender-se tão bem como para que se convertam em uma segunda natureza.

Digo isso apenas para recordar que não se estuda para outro, senão para si mesmo, para perceber, entender e aprender melhor. Somos o resultado de nossos estudos e do que aprendemos, sua encarnação, sua consumação, seu corolário. Quando estudamos para saber, com curiosidade indomável e tenacidade férrea, não somente interiorizamos os novos conhecimentos, fazemos nosso o que aprendemos e convertemos em familiares o estudado, senão que também alcançamos, ao final do processo, a excelência que transmite uma profunda satisfação pessoal de domínio e a confiança necessária em nossas próprias capacidades, habilidades e possibilidades intelectuais: “Isso eu já sei!”.

Para dizer de modo mais direto e não andar com rodeios, tudo se resume a uma questão de:

  1. atitude, que, como assinalaram já há muito os estoicos, é algo que está baixo nosso controle[4];
  2. autodisciplina («el trabajado dominio de uno mismo»), já que a melhor disciplina é aquela em que o sujeito se educa a si mesmo e;
  • negação, abdicar de forma radical ao autocomplacente sacrifício do intelecto e à pérfida automilitância contra a aquisição do conhecimento.

Como disse em certa ocasião Sandra Jurado: «Somos muy responsables de nuestra propia inteligencia».

Notas e Referências

[1]http://emporiododireito.com.br/backup/estudar-para-que-parte-1-por-atahualpa-fernandez-2/; http://emporiododireito.com.br/backup/estudar-para-que-parte-2-por-atahualpa-fernandez-2/

[2] Para que nos entendamos, denomino estudo ad hoc a prática não tão inusual de estudo à medida, isto é, cuja qualidade e quantidade de dedicação pessoal variam tanto como os conteúdos programáticos que se manipulam ou que se pretende utilizar; um tipo de estudo composto e desenvolvido, única ou predominantemente, segundo as contingentes exigências do edital/programa da ocasião.

[3] J. D. Novak, por exemplo, mantém que “no hay que ver nuestra mente como si se tratara de un contenedor en el que se puede almacenar conocimientos indiscriminadamente, pues de esa forma únicamente se bombardea de trabajo a nuestra memoria, que es una pequeña parte de nuestro cerebro”.

[4] Um dos princípios fundamentais do estoicismo é que devemos reconhecer, e tomar em sério, a diferença entre o que podemos e o que não podemos dominar; de ter claro o que está e o que não está baixo nosso controle, “centrando nuestros esfuerzos en lo primero y no malgastándolos en lo segundo”.

 

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